Lembra do Mira y López? Fechamento do hospital há 8 anos marcou reforma psiquiátrica em Fortaleza

Unidade voltada à internação de pacientes com transtornos de saúde mental foi desativada em 2012, após 43 anos de funcionamento no bairro Benfica

Escrito por Redação , metro@svm.com.br
Legenda: Fachada do Hospital Mira y López, em agosto de 2012, um mês antes da desativação
Foto: Rodrigo Carvalho

O número 3056 da Avenida da Universidade, de tão importante, se eternizou na memória coletiva. Raro é encontrar algum fortalezense que não tenha mencionado o Hospital Mira y López, pelo menos uma vez, como possível destino para tratar de problemas de saúde mental. Há oito anos, porém, o uso não é mais possível, desde que a unidade foi desativada, em setembro de 2012, marcando mudanças no tratamento psiquiátrico na cidade.

À época em que foi vendido a uma construtora e desativado, em setembro de 2012, o Mira y López possuía 200 leitos psiquiátricos, dos quais 160 eram conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e os outros 40 eram particulares. A demolição veio meses depois, em março de 2013, e, atualmente, três espigões de 20 andares se erguem sobre o solo do que antes abrigava dezenas de pacientes.

Foi lá o primeiro emprego da psicóloga Leônia Santiago, ainda em 1986, e onde atuou por cerca de cinco anos. Por ser filha de um dos fundadores, Leão Santiago, a psicóloga descreve os motivos pelos quais a unidade chegou à falência. “Foi uma instituição criada com muito amor, para acolher as pessoas, mas não tínhamos mais como manter. A diária que o SUS repassava estava defasada, e isso foi comprometendo a saúde financeira e até a estrutura”, relembra.

Legenda: Antigo prédio do Mira y López deu lugar a um edifício residencial
Foto: Reprodução/Google Street View

À época do fechamento, descreve Leônia, permaneciam lá apenas cerca de 20 pacientes-moradores, que não tinham mais vínculos familiares e foram remanejados para residências terapêuticas. “O hospital, desde que tenha condições de acolher com humanidade, respeito e atenção à família, como nós fazíamos, tem o seu papel. Mas a internação deve ser a última opção”, pondera.

Mudanças

Essa premissa é o norte da luta antimanicomial, que defende a maior integração possível do paciente ao convívio social e que, em caso de internação, esta seja feita em leitos psiquiátricos em hospitais gerais. Para Rui de Gouveia, coordenador das Redes de Atenção Primária e Psicossocial de Fortaleza, o Mira y López “teve sua importância”, mas o fechamento dele representou um marco na reforma psiquiátrica da Capital.

“Ele ajudou a cuidar de pacientes críticos, mas, de qualquer forma, representou um período em que esse cuidado hospitalocêntrico ainda era muito frequente. Outra importância é que muitos profissionais foram formados lá, tentando trazer um pouco desse processo de humanização dos pacientes”, pontua.

“Com esse processo de humanização, enxergamos o paciente como pessoa que está com uma alteração que a leva a uma mudança de comportamento. No momento em que você estabiliza esse metabólico, consegue trazê-la de volta ao convívio com a sociedade”, pondera Rui de Gouveia.

Rede

Atualmente, as portas de entrada para obtenção de assistência em saúde mental são os postos de saúde, aliados aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), estes que “lidam com situações de maior gravidade”, segundo Rui. Na atenção primária, porém, é onde o paciente “vai fazer a primeira escuta e ter contato com profissionais que vão identificar a relação daquela pessoa com o território”, a fim de entender a demanda.

Já as internações, em geral, são direcionadas ao Hospital de Saúde Mental de Messejana (HSM), gerido pelo Governo do Estado. “O próprio HSM já foi bastante ressignificado. Lá dentro, há pacientes com transtornos muito graves, instáveis, mas tem muito essa ideia de que a internação seja feita o mais rápido possível, para ele sair de lá, voltar à comunidade e ser acompanhado pelo CAPS”, explica o coordenador.

O que não mudou desde o fechamento do Hospital Mira y López até aqui, oito anos depois, foi a necessidade de que a sociedade assuma também seu papel como uma das agentes da política de assistência à saúde mental, como reflete Rui de Gouveia.

“Uma sociedade que não se enxerga no outro nem olha pro outro é adoecedora. Não adianta falar de saúde mental sem mudar isso. Precisamos lutar pra ser sociedade que acolhe.”

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