Fortaleza pode enfrentar epidemia de dengue tipo 2 em 2020

Cenários epidêmicos em outras regiões do Brasil ameaçam trazer forma mais grave da doença de volta à Capital, que viveu a última epidemia em 2008. Operação Inverno inicia ações em 25 bairros para minimizar possibilidade

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@diariodonordeste.com.br
Legenda: Agente da SMS durante trabalho de prevenção ao Aedes aegypti em 2015
Foto: FOTO: JL ROSA

A dengue está no Ceará há 33 anos, quando o primeiro caso da doença foi diagnosticado em Fortaleza. Nesse período, foram registradas sete grandes epidemias e isolados quatro sorotipos da enfermidade. O mais agressivo deles, o tipo 2 (Denv-2), teve a última grande manifestação em 2008, mas após mais de uma década com poucos registros, pode voltar com força no início de 2020. Neste ano, pelo menos, 15 casos isolados pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) deram positivo para o sorotipo mais grave.

O alerta é de Antonio Lima, gerente da Célula de Vigilância Epidemiológica da SMS. Conforme o especialista, Fortaleza pode receber influência das grandes epidemias do sorotipo 2 que estão ocorrendo no Centro-Oeste e no Sudeste do Brasil, principalmente em Minas Gerais, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul. Por enquanto, a Capital apresenta "cenário de baixa transmissão" da doença, com 2.840 casos registrados apenas em 2019.

"Quando entrou o ano, já tinham muitas ações de controle vetorial sendo desenvolvidas, incluindo um pente-fino onde o risco é maior. Conseguimos barrar a chegada do vírus, mas com os movimentos de pessoas do Sudeste pra cá, ele pode chegar ao Município em algum momento. Pode ser já em 2020, ou 2021, e a gente tem de estar preparado para evitar uma epidemia de grande porte", esclarece Lima.

Afinal, o intervalo entre 2008 e 2019 viu nascer milhares de fortalezenses que estão desprotegidos porque nunca tiveram contato com o vírus tipo 2. Por outro lado, "quem já entrou em contato é como se tivesse sido vacinado. Pode ter os outros três sorotipos, mas não aquele", explica o gerente. Segundo ele, os 15 casos isolados apontam para uma circulação "meio a meio" com o sorotipo 1, que teve 17 isolamentos contabilizados.

Na Capital, já foram confirmados quatro óbitos por dengue em 2019. Questionado sobre o sorotipo do vírus causador das mortes, Antonio Lima informou que não foi possível identificar porque "o óbito normalmente é do paciente que já chegou grave". A janela ideal para permitir a afirmação é de até cinco dias após a transmissão.

Para prevenir a cidade de uma possível epidemia, a Prefeitura de Fortaleza inicia já em outubro a Operação Inverno 2020, com uma série de ações paliativas e de educação em saúde. Dentre elas, mutirões regionais em 25 bairros apontados como cenário propício ao maior número de casos; fiscalização de pontos estratégicos; recolhimento de pneus e parcerias com escolas públicas da rede municipal.

De janeiro a setembro deste ano, quase 1,5 milhão de visitas domiciliares aconteceram, resultando na eliminação de 32.517 focos. Nesse intervalo, também foram recolhidas 920 toneladas de pneus, e o popular "fumacê" pulverizou inseticidas em 6.456 quarteirões da cidade.

Competência

Segundo Nélio Morais, coordenador de Vigilância em Saúde, as ações visam diminuir a carga da infestação vetorial. "Quanto menor essa densidade, esse número de mosquitos na cidade, menores as chances de transmissibilidade. Consequentemente, temos que trabalhar intensamente sobre os criadouros, depósitos possíveis de armazenar água e de se tornarem focos", diz, lembrando que o ciclo reprodutivo do Aedes aegypti tende a ser mais fortalecido no início do ano, sobretudo pelo conjunto comum de fatores: chuva, calor e umidade.

Porém, a cada ano, o esforço deve ser ainda maior por causa da "competência do mosquito". Pequeno e perigoso, o inseto tem se tornado mais resistente e com um tempo de vida maior na Capital, segundo Antonio Lima. "Isso significa que você não precisa de uma grande infestação para ter grande transmissão. Em algumas cidades do México, a taxa de infestação chega a 20%. A nossa é de 1%, mas, às vezes, temos mais casos do que elas", destaca o gerente da Célula de Vigilância.

Chikungunya

Na contramão de um possível predomínio da dengue, a chikungunya deve ser pouco expressiva em 2020. Aliás, só deve voltar a provocar outra grande epidemia em, no mínimo, cinco anos. A média é de sete a dez anos, conforme estimativa do técnico da Secretaria Municipal de Saúde. A doença registrou duas ondas epidêmicas em 2016 e 2017. "Uma grande parcela da população não vai poder pegar novamente porque já tem anticorpos", afirma.

O zika vírus deve ter transmissão análoga, embora não se saiba exatamente qual foi a influência dele sobre a população porque não tinha notificação compulsória, com comunicação imediata às autoridades de saúde. "Ele explodiu em 2015, então a expectativa é que a gente só se preocupe depois de 2021".

Características

O combate às três doenças demanda atenção da população às características do mosquito vetor. Além das cores preta e branca, o Aedes tem voo baixo, descansa a maior parte dodia e só costuma sair para se alimentar. "Ele só sabe viver perto de gente", pontua Antonio Lima, afirmando que é difícil constatar a presença dos mosquitos em grandes áreas de vegetação.

Especialistas explicam situação da transmissão da forma mais agressiva da dengue no Brasil e tentam prever o impacto de um provável retorno a Fortaleza, caso não sejam tomadas medidas de monitoramento, prevenção e controle adequadas.

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