Faltam áreas exclusivas para treinamento de ciclistas no Ceará

Espaço disponibilizado em vias, por determinado período, para a prática esportiva já existe em outras cidades brasileiras. Especialista acredita que medida pode contribuir para a redução de acidentes e mortes de usuários

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: CE-010, entre a ponte sobre o Rio Cocó e o entroncamento da CE-040, no Eusébio, pode ganhar área para treinamento de ciclistas
Foto: Kid Junior

Não existem áreas específicas para a prática de ciclismo no Ceará, assim como ocorrem em outros Estados. Sem regiões delimitadas, profissionais e amadores se arriscam em rodovias de maior fluxo e ficam mais expostos a riscos de acidentes. Alguns deles, como o que vitimou a professora Julita Medeiros da Costa, 35, no início deste mês, podem custar a vida de quem busca pedalar por esporte ou lazer. Até o momento, em 2020, pelo menos 22 ciclistas perderam a vida em estradas do Ceará, conforme dados levantados por órgãos de trânsito no Estado.

A implantação de uma área do tipo começou a ser discutida através do projeto de indicação 86/19, deliberado na Assembleia Legislativa do Ceará, no ano passado, que estipula a criação da Área de Proteção ao Ciclismo de Competição da Sabiaguaba (APCCS), em Fortaleza. O equipamento seria instalado na CE-010, entre a ponte sobre o Rio Cocó e o entroncamento da CE-040, no Eusébio, com extensão de 26,36 km.

Segundo a proposta, a área funcionaria às terças e quintas, das 5h30 às 7h, com velocidade máxima de 40 km/h para automotores - os trechos hoje variam de 60 a 80 Km/h. Nos dias e horários de funcionamento da APCCS, a Polícia Rodoviária Estadual (PRE) estaria no local "para garantir a segurança dos desportistas e regular a fluidez do trânsito".

O projeto foi aprovado no plenário da Assembleia em agosto de 2019. Contudo, por se tratar de um projeto de indicação, ainda que aprovado, não segue para sanção do governador. Ele funciona como uma sugestão, já que versa sobre matéria de competência exclusiva do Poder Executivo.

À época, a Diretoria de Trânsito do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-CE) defendeu a realização de análises de segurança, já que a CE-010 recebe veículos de carga pesada que trafegam entre os portos do Mucuripe e do Pecém. A reportagem questionou a Casa Civil do Governo do Estado e o Detran-CE se houve algum estudo de viabilidade da medida, mas não recebeu retorno até o fechamento desta edição. O Departamento, contudo, informou que a rodovia estadual já possui ciclovia "em toda a sua extensão", totalizando 13 Km entre a ponte da Sabiaguaba até o Anel Viário da CE-040.

Para o presidente da Federação Cearense de Ciclismo (FCC), Eduardo Lopes, "faz muita falta" a existência de um equipamento do tipo, que serviria para impulsionar o treino de ciclismo - um esporte olímpico - no Estado. Por enquanto, sem alternativas, os desportistas precisam se arriscar em vias como a Avenida Washington Soares/CE-040, um dos locais mais perigosos para quem não usa ciclovia, na análise da entidade.

"Têm cinco assessorias esportivas que treinam em CEs. Não dá para pedalar em ciclovia porque a velocidade máxima permitida é de 20 Km/h, mas os atletas de alto rendimento, que querem ir para uma Olimpíada, pedalam até a 41 Km/h. Tem que ser no asfalto, não tem jeito. A não ser que a gente acabe com o esporte", observa Eduardo.

Como bom exemplo no Nordeste, o presidente cita a instalação de ciclofaixa no Rodoanel de Teresina, rodovia que liga duas BRs, inaugurada em fevereiro do ano passado. Também em 2019, a Prefeitura do Rio de Janeiro abriu mais uma APCC na Zona Portuária, terceira da cidade. Juntos, os equipamentos dispõem de 26 Km para treinamentos.

A cidade de Santos, no litoral de São Paulo, é outra que conta com espaço exclusivo para a atividade desde julho de 2014. A Área de Treinamento de Ciclismo de Competição (ATCC) possui 1,6 Km e, no período de funcionamento, às terças e quintas-feiras, das 4h às 6h, a pista é isolada. Os atletas precisam se identificar na entrada e usar capacete.

Um equipamento do tipo no Ceará viria a calhar para a empreendedora Michely Ferreira, 37, que criou afinco pelas pedaladas há dois anos, em busca de melhorias na saúde física e mental. Moradora de Caucaia, na Região Metropolitana, ela pratica a atividade três vezes por semana, em treinos de uma a duas horas nos quais percorre cerca de 50 Km. Os "longões", nos fins de semana, chegam a mais de 100 Km. Por segurança, seja na serra ou no litoral, Michely prefere trafegar em grupos de oito a dez pessoas.

"Em CE e BR, a gente tem atenção redobrada e muito cuidado com veículos grandes, como carreta e ônibus. Muitos dos lugares também não têm acostamento", observa.

"Aprendemos na legislação de trânsito que o carro deve guardar a vida dos outros por ser um veículo maior, mas infelizmente não existe muito isso", lamenta Michely, instruindo que os ciclistas também devem colaborar e não trafegar na contramão ou em fileira dupla.

Mestre em Engenharia de Transportes e coordenador executivo da Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global em Fortaleza, Dante Rosado apoia a ideia de um espaço só para ciclistas de alto desempenho, já que eles diferem dos usuários que utilizam a bike como meio de deslocamento entre casa e trabalho.

"Isso cria problemas porque, ao utilizarem rodovias, outros usuários não os enxergam como usuários legítimos. Seria interessante que houvesse esse espaço que absorvesse. Enquanto não houver, é importante a conscientização para evitar acidentes", explica Rosado. Ele lembra que acidentes em velocidades acima de 30 Km/h podem levar a grandes lesões e fatalidades.

O Detran-CE informa que, atualmente, o Ceará possui 235 Km de ciclovias localizadas em rodovias estaduais, cuja implantação acompanhou "o crescimento do uso da bicicleta como meio de locomoção". Na CE-040, via apontada como uma das mais perigosas pelos ciclistas, destaca a presença de 32 Km do equipamento.

A Polícia Rodoviária Federal no Ceará (PRF-CE) orienta que, no trânsito em rodovias federais, o ciclista deve sempre seguir no acostamento, no sentido da faixa em que estiver. "Equipamentos de visibilidade, como coletes, faixas refletivas e luzes de alerta, bem como equipamentos de proteção, ajudam a tornar o trânsito do ciclista mais seguro".

Em Fortaleza, a malha cicloviária chegou a 312,1 Km neste ano, de acordo com a Prefeitura - são 190 Km de ciclofaixas e 111 Km de ciclovias.

A implantação considera características de cada via e região. Em obras recentes, foram usados balizadores entre a ciclofaixas e faixas de rolamento de veículos, bem como placas de advertência sobre redução de velocidade para motoristas, segundo a Secretaria de Conservação e Serviços Públicos (SCSP).

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