É possível organizar o Centro de Fortaleza respeitando o comércio ambulante?

Urbanistas apontam que questões socioeconômicas devem ser priorizadas no planejamento urbano da capital cearense

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Quiosques Centro de Fortaleza
Legenda: Implantação de quiosques foi uma das soluções para ordenamento do comércio informal no Centro de Fortaleza
Foto: Thiago Gadelha

Os conflitos históricos entre ambulantes e o poder público no Centro de Fortaleza são a ponta de um iceberg profundo: com o avanço da crise econômica, trabalhadores informais se multiplicam nos espaços, exigindo políticas que vão além do reordenamento urbano.

O Diário do Nordeste ouviu arquitetos e urbanistas, além de um representante da gestão municipal, para tentar responder a questão: é possível organizar o Centro respeitando as necessidades do comércio ambulante?

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Verena Lima, professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza que integrou a equipe de requalificação do Centro, aponta que ordenar o espaço público na região “é complexo, porque enquanto há desemprego, aumenta a presença dos camelôs”.

A arquiteta aponta que investir em mais “camelódromos”, como o Feirão São Paulo, é uma solução importante, mas reconhece que “não tem espaço físico para abarcar todas as pessoas”. Ampliar a fiscalização, segundo ela, também é crucial.

Os quiosques nos calçadões, por exemplo, foram uma solução positiva: tiramos os ambulantes da informalidade, passaram por capacitação. Mas o Centro tem muitas outras áreas a trabalhar, e não tem quiosques pra todos.

A professora aponta que as intervenções nas ruas Liberato Barroso e Guilherme Rocha devem ser expandidas para outros pontos, como ruas do Rosário e General Bezerril. “Os ambulantes estão onde as pessoas passeiam, precisamos expandir esses locais”, frisa.

Questionada sobre o problema histórico na Rua José Avelino, Verena destaca que “o perfil dos ambulantes de lá é diferente dos demais”. “A maioria já tem boxes dentro dos galpões, mas quer lucrar também na rua.  A Prefeitura olha de uma maneira diferenciada. Não dá pra falar de lá e do Centro ao mesmo tempo”, finaliza.

Caminhos possíveis

Jefferson Lima, presidente do Instituto de Arquitetos Brasil (IAB) no Ceará, reforça que “a questão não é só urbana, mas econômica e social”. Para ele, identificar, cadastrar e formalizar o trabalho dos comerciantes é uma solução possível.

“Reordenamento não é só posicionar pessoas, como caixinhas. É um trabalho de política socioeconômica. Os ambulantes são profissionais fundamentais, mas é preciso mostrar a eles que a profissionalização é necessária”, pondera.

Para o arquiteto, o poder público precisa valorizar e potencializar as vocações locais e incentivar o crescimento dos trabalhadores informais. Seria uma forma de aliar políticas de emprego e renda com a questão urbanística, ele aponta.

Fortaleza é, historicamente, um polo de confecção. E onde está o Estado formalizando o pequeno empreendedor, mostrando que a opção não é só a rua, mas o e-commerce também? A saída não é abancar guardas municipais e impedir de ocupar. Isso é chover no molhado.

Quiosques Centro de Fortaleza
Legenda: Quiosques na Rua Liberato Barroso, no Centro
Foto: Thiago Gadelha

Ouvir os trabalhadores ambulantes nas tomadas de decisão é fundamental para os processos de mudança, “porque eles já estavam lá muito antes da ideia de planejamento urbano”, como lembra o arquiteto urbanista Ruy Rolim, mestrando em avaliação de políticas públicas.

Além disso, ele acrescenta: “a solução tem de estar no entorno”. “São os comerciantes que estão antenados com a dinâmica econômica da atividade, então não adianta removê-los para outro local onde ela não acontece.”

É preciso um programa municipal para formalizá-los, tirá-los da ilegalidade, mas, ao mesmo tempo, permitir uma flexibilização. Qualquer ação vai resultar numa reorganização desses comerciantes em outro local.

O arquiteto cita que nos trechos requalificados no Centro, “a caminhabilidade melhorou bastante”, mas que é preciso considerar “a dualidade entre a qualidade do caminhar e do ambiente do trabalhador”. “Não sei se as intervenções funcionariam em áreas com fluxo mais intenso ou que demandassem quiosques maiores”, exemplifica.

Praça da Lagoinha Centro
Legenda: Comércio ambulante predomina na Praça da Lagoinha, no Centro
Foto: Thiago Gadelha

A professora Verena Lima compartilha da visão: “não adianta a gente tentar inserir esses quiosques nos locais onde os ambulantes não querem estar. Só podemos atuar onde eles estão. Esse projeto é interessante pro núcleo do Centro. Passou daquele perímetro, não adianta”, sentencia a arquiteta.

“Espaço público não comporta a demanda”

De acordo com a Secretaria da Regional 12 (SER 12), já foram instalados, desde 2018, 155 quiosques para padronizar o comércio ambulante em áreas do Centro, beneficiando mais de mil “antigos ambulantes, que passaram a ser permissionários”.

As cabines foram colocadas nos calçadões das ruas Guilherme Rocha (39 quiosques), General Sampaio (15), Liberato Barroso (51) e Barão do Rio Branco (50).

R$ 1,4 milhão
foi o valor investido nas estruturas de quiosques.

O secretário da Regional 12 (antiga Regional Centro), Júlio Santos, reconhece que “com a pandemia, houve uma onda de desemprego maior, e uma demanda de comércio informal que o espaço público não vai comportar”.

Diante disso, o gestor informa que a pasta tem feito “uma busca de equipamentos públicos para comportar os ambulantes”. Já foram identificadas 660 vagas, 340 delas no Feirão São Paulo e outras 320 no Beco da Poeira.

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“A ideia é aumentar esse número de vagas de camelódromos. Para aquecer o Feirão São Paulo, por exemplo, vamos incentivar a ida dos comerciantes, dando um prazo de 6 meses de permanência gratuita lá”, diz Júlio. Não houve menção à capacitação profissional para os trabalhadores.

Segundo o secretário, outros dois espaços requalificados devem ser entregues em breve – a Praça Coração de Jesus, na Av. Duque de Caxias; e o Parque da Liberdade, na “Cidade das Crianças”. “Nessas intervenções, acolhemos o comércio já presente”, garante.

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