Calçadas e vagas lideram reclamações de pessoas com deficiência

Neste ano, de 28 de janeiro a 18 de outubro, a operação Calçada Acessível gerou 3.479 notificações a proprietários de imóveis com calçadas inadequadas. Multa para proprietários pode chegar a até R$ 4.328,50

Escrito por Barbara Câmara , barbara.Camara@svm.Com.Br
Legenda: Ação da Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) continuará até o fim de 2019, percorrendo mais de 70 ruas e avenidas de maior fluxo

Do Planalto Pici para o Centro, do Centro ao Conjunto Ceará, e de volta ao Pici. O percurso quase diário da atleta Renata Martins, 26, é traçado por caminhos percorridos de ônibus e, em alguns trechos, a pé - não sem o apoio das muletas e da prótese ou da cadeira de rodas. Cada bairro abriga um dos múltiplos locais em que ela pratica basquete, atletismo e natação, e deslocar-se pela cidade até cada endereço representa um dia a dia permeado por obstáculos, seja nas ruas ou nas calçadas.

Somente neste ano, de 28 de janeiro a 18 de outubro, a operação Calçada Acessível gerou 3.479 notificações a proprietários de imóveis com calçadas inadequadas. A ação da Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) continuará até o fim de 2019, percorrendo mais de 70 ruas e avenidas de maior fluxo.

Os números são traduzidos em palavras por Renata. "Complicado mesmo é andar com a cadeira. Com a muleta eu consigo subir a calçada, com a cadeira não. Se não tiver alguém pra te ajudar, às vezes, você não sai do lugar". Ela é uma das milhares de pessoas residentes na capital que enfrentam dificuldades.

Legenda: Para Renata, as muletas permitem maior liberdade de locomoção
Foto: Foto: José Leomar

"Eu descobri um câncer no osso em 2016. Achava que ia colocar uma prótese no joelho e resolver a dor, que era muita. No dia 13 de dezembro desse mesmo ano, eu amputei minha perna esquerda, quase na altura da coxa. Eu tinha 23 anos na época", conta Renata. Após a cirurgia, ela passou meses dependendo da cadeira de rodas cedida pelo hospital em que se tratava. Só depois pôde utilizar as muletas, que segundo ela, permitem maior liberdade de locomoção.

Bairros

Os bairros com maior número de notificações por enquanto, de acordo com a Agefis, foram o Centro, com 432, Jóquei Clube com 291, Barra do Ceará com 141, Jardim América com 116, e Aldeota com 115 notificações. "É muito ruim a situação das calçadas. Umas são altas e dificultam pra gente subir. Outras são baixas, mas cheias de buracos. Às vezes, mesmo com muleta, eu tenho que usar as rampas de acesso. É difícil ter uma calçada boa", lamenta Renata.

A Agência destaca que os proprietários dos imóveis são os responsáveis pela manutenção do passeio, conforme o Código de Obras e Posturas do Município. Caso as falhas sejam observadas, o proprietário do imóvel é notificado para regularizar a situação, dentro do prazo legal de 30 dias, que pode ser prorrogado por mais 60. Se o problema não for corrigido, poderá ser aplicada uma multa, variando entre R$ 86,57 e R$ 4.328,50 de acordo com a gravidade e a reincidência.

Plataforma

"Eu não consigo circular pelas ruas com tanta facilidade", conta o funcionário público Rodrigo Bardon, 35. Ele convive com a tetraplegia desde 2005, quando sofreu um acidente ao pular em uma piscina. Ele fraturou duas vértebras da coluna cervical, perdendo os movimentos do corpo abaixo dos ombros.

"Minha cadeira caminha pelas calçadas, mas vai tremendo tudo, trepidando com as pedras soltas. Cansa, e é muito desconfortável. Nesse ano, eu fui para uma manifestação na Beira-Mar, e quando voltei pra casa, um pneu da minha cadeira estava seco, e o outro furado", relata. "Tive um prejuízo por ter passado em uma área do piso onde estava sendo feita uma reforma".

Já em relação ao transporte coletivo, os alvos de reclamações são o funcionamento da plataforma de acesso e a atitude dos próprios motoristas de ônibus. "Tem vezes que o 'elevador' funciona, tem vezes que não. O problema é que mesmo quando funciona, tem motoristas que não param pra gente subir", diz Renata.

"Na semana passada, eu me senti desrespeitada. Subi no ônibus de muleta, em uma parada no Centro. Estava sem minha prótese, e dava pra ver que eu não tinha uma perna. Quando eu ainda estava me afastando das escadas, o motorista saiu com o ônibus, deu um solavanco, eu quase caí no chão. Foi triste, e ele podia ter esperado", revela.

Fiscalização

De acordo com o levantamento mais recente da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), 97,03% da frota estão adaptados, o que significa que 2.059 ônibus e vans cadastrados na Empresa contam com a plataforma de acesso própria para o deslocamento de pessoas com deficiência.

"A lei fala que os ônibus mais velhos que cinco anos devem fazer vistoria quatro vezes por ano", esclarece o vice-presidente da Etufor, Antônio Ferreira. "O nosso fiscal vistoriador vai mandar o motorista operar o elevador, simulando tudo. O veículo que não funcionar é reprovado para a vistoria. O usuário também pode denunciar quando um elevador não funciona. Ele liga para a ouvidoria, informa o número de ordem, e a nossa operação vai recolher esse veículo para fazer a manutenção adequada. Também recebemos esse tipo de reclamação pela Central 156".

Para quem não depende do transporte público, há um misto de vantagens e desvantagens. Enquanto não precisa esperar ônibus em uma parada ou terminal, o pensionista Laurent Campos, 49, precisa peregrinar pelas ruas em busca de vagas para estacionar seu carro e encontrar espaço disponível suficiente para retirar sua cadeira de rodas e se colocar sobre ela.

Ele se mudou de Lyon, sua cidade natal na França, para Fortaleza há 14 anos, acompanhando a esposa. O diagnóstico de paraplegia veio antes, há 24 anos, após um acidente de carro. Hoje, ele mora sozinho na Sapiranga e, apesar dos percalços, consegue se deslocar sem ajuda.

Expectativas frustradas

"Quem usa cadeira de rodas, muitas vezes, é obrigado a andar na pista, na via pública. Porque você estaciona, aí até conseguir uma rampa na calçada, demora. E quando sobe, é cheia de obstáculo. Aí a opção é rodar na pista, se arriscando. Não é muito diferente na França", detalha. Ele ainda lembra de um dos primeiros desafios em solo brasileiro: encontrar uma casa plana. Sua atual moradia tem uma rampa adaptada que dá acesso ao quintal, e é rodeada por uma trilha de pedras cariri, que facilitam o caminho.

Para Laurent, as vagas exclusivas para pessoas com deficiência acabam sendo expectativas frustradas no dia a dia. "Muitas vezes não tem o suficiente. Não dá pra descer e verificar se a pessoa que estacionou tem a credencial. No Centro, eu ando três, quatro quarteirões e todas as vagas estão ocupadas", relata. Rodrigo Bardon reforça a frustração. "Nem todos são credenciados, mas estacionam ainda assim. E quando aciono as autoridades responsáveis, demora tanto que a pessoa vai embora. Aí eu vejo que, de fato, não era deficiente", conta.

No primeiro semestre de 2019, foram aplicadas 279 multas por estacionamento irregular. O assessor técnico da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC), André Luis Barcelos, explica que o estacionamento indevido em vagas para pessoas com deficiência é uma infração gravíssima, passível de multa no valor de R$ 293, além de sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH). "Todos os agentes estão habilitados a fazer essa fiscalização, e uma equipe fiscaliza especificamente os estacionamentos privados. O usuário também pode demandar essa fiscalização, ligando para o 190". Segundo ele, porém, outras fiscalizações como a obstrução de garagens ou acidentes de trânsito com vítimas têm a prioridade.

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