Bens tombados aguardam anos para terem proteção definitiva
A condição de tombamento provisório que é transitória acaba perdurando em Fortaleza. Hoje 54 bens estão protegidos provisoriamente e aguardam o desfecho de estudos. Destes, pelo menos, nove esperam há mais de 10 anos
Diante de episódios de risco de destruição de bens históricos em Fortaleza, de modo geral, alguns setores sociais reagem e se mobilizam para tentar preservar o patrimônio. Dar entrada no pedido de tombamento é uma possibilidade de resguardá-lo. Quase sempre, essa solicitação prossegue e o valor histórico-cultural do objeto é reconhecido. Seguindo o trâmite, o tombamento provisório é determinado. Mas, na prática o que isso significa?
Essa modalidade de proteção tenta evitar a descaracterização do objeto em estudo e enquanto o mesmo estiver tombado provisoriamente, ele está submetido às mesmas normas legais atribuídas aos tombados de modo definitivo. Porém, esta condição que deveria ser transitória, acaba perdurando na Capital. Os bens não mudam de status e a proteção que já é frágil se tornar ainda mais distante.
>Confira imagens dos bens tombados em Fortaleza em distintas condições de conservação
Ao todo, Fortaleza tem 65 bens tombados pelos três níveis de governo – municipal, estadual ou federal – distribuídos em 14 bairros. Outros 54 bens estão tombados provisoriamente pela esfera municipal – única atualmente com processos de tombamento em análise em Fortaleza.
Do total de prédios protegidos provisoriamente, nove aguardam há mais de 10 anos para terem o tombamento definitivo aceito ou recusado. O Bar Avião, cujo a abertura do processo ocorreu em 2006 é o mais antigo, segundo a Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza (Secultfor). Dentre os 54 processos, apenas três têm menos de dois anos. A solicitação mais recente, informa a Secultfor, foi o tombamento do Palacete Avenida Central, em 2018.
A Lei Municipal 9.347/2008 rege os processos de proteção do patrimônio histórico-cultural e natural de Fortaleza e não estabelece um prazo para a Secultfor analisar o pedido e apresentar um parecer sobre os tombamentos. Contudo, a norma determina que, após recebida a solicitação de tombamento de forma regular, os estudos técnicos para elaboração da Instrução de Tombamento deveriam ser executados num prazo de seis meses.
Procedimento
É justamente a falta de instrução de tombamento – instrumento que estabelece as diretrizes e recomendações quanto aos usos e a conservação do imóvel e seu entorno e apresenta as justificativas específicas para a preservação de cada bem – que entrava alguns processos na Capital.
A arquiteta e representante do Instituto de Arquitetos Brasil (IAB) no Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Histórico-Cultural (Comphic) da Secultfor, Clélia Monastério, explica que diversos bens em Fortaleza foram tombados em caráter emergencial e não possuem esta instrução, que agrupa um levamento histórico, fotográfico, com detalhamento documental do objeto. Tal procedimento, informa ela, é realizado pela Prefeitura. Porém, garante a arquiteta, o corpo técnico do poder público para esta finalidade é restrito.
O arquiteto e professor do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design (DAUD) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Romeu Duarte, reitera a análise que a Secultfor tem uma quantidade baixa de técnicos para esta função e os mesmos, segundo ele, “estão envolvidos com a dura tarefa da fiscalização dos bens tombados, não lhes sobrando tempo para realizar as tarefas de identificação e documentação e proteção dos bens culturais edificados”. A demanda, reforça Romeu, “é cada vez maior, em razão do interesse da comunidade, mais e mais envolvida com as questões patrimoniais”.
Possibilidades
Neste caso, a alternativa, propõe ele, é formar convênios com os cursos de arquitetura e urbanismo das universidades do Ceará para a elaboração das instruções de tombamento, de modo a agilizar os processos. Ele destaca que a grande quantidade de bens a serem protegidos requer a constituição de uma força-tarefa para o cumprimento da missão do tombamento.
A arquiteta Clélia Lustosa destaca ainda que, além do quadro reduzido de profissionais, há outros elementos que afetam a garantia dos tombamentos. Para ela, a ausência de mecanismos específicos de incentivo aos proprietários para a preservação das edificações é outro gargalo. “Um bem quando está em avaliação, o proprietário não tem a consciência do que é um tombamento. Para ele, o pensamento é que ‘vão tomar minha casa’. Não tem política de conscientização e nem incentivo prático, a exemplo de outras cidades, onde os proprietários recebem recompensas ao comprovarem a preservação dos bens tombados”.
Outro integrante do Comphic, representante da Associação dos Geógrafos Brasileiros, Carlos Josué de Assis, também destaca que a demora nos processos fragiliza a proteção e os conflitos envolvendo o patrimônio particular são evidentes. “O que a gente tem sentido, às vezes, é que quando eles chegam com o processo de tombamento o proprietário já prejudicou muito o imóvel. É uma estratégia de deixar o imóvel entrar em processo de ruína para que de alguma forma seja irrecuperável”, alerta.
O titular da Coordenadoria de Patrimônio Histórico-Cultural da Secultfor, Davi Medeiros, afirma que pelas características próprias e restrições, no caso das propriedades particulares, “é comum o tombamento causar conflitos, devido o choque de interesses entre o poder publico e o privado”. Esta, seja nos municípios, estados ou federação, argumenta ele, é uma das principais problemáticas da gestão do patrimônio material.
Questionado sobre a baixa quantidade de profissionais para dar conta da avaliação desses processos e como isso reduz a capacidade de resposta do órgão frente a demanda por tombamento, Davi responde, sem especificar datas e ações, que a Secultfor tem desenvolvido esforço de regularização dos processos para a devida finalização, com parcerias e contratações de equipes técnicas para auxiliar na resolução dessas questões.