Animais de estimação ficam sem lar após perderem seus donos para a Covid-19; veja relatos

Os animais dos tutores que faleceram por covid-19 normalmente são adultos, característica que dificulta sua adoção

Escrito por Natali Carvalho , natali.carvalho@svm.com.br
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Legenda: Após o falecimento dos tutores por complicações da doença, dezenas de animais perderam seus lares e consequentemente foram abandonados em Fortaleza
Foto: Sarah Chrisley/ Divulgação ONG Abrace

As milhares de mortes ocasionadas pela Covid-19, além de toda a dor trazida às famílias, também afetam os animais de estimação das vítimas, que, muitas vezes, ficam sem um lar. Com o falecimento dos seus tutores, "incontáveis" animais estiveram nessa situação, conforme a ONG Adote um bigode. 

Quase diariamente pessoas pedem por ajuda para encontrar um lar para esses animais, afirma Isabela Barreto, fundadora da ONG de proteção animal. Segundo ela, a maioria dos relatos e pedidos de ajuda são para bichinhos que estão em situação de rua pois a família do falecido tutor não tem interesse em cuidar deles ou o tutor morava sozinho.

“É desesperador. Dá muita pena. O bichinho não entende, acredita que está sendo abandonado. Fica procurando o tutor”, relata.
Isabela Barreto
Fundadora da ONG Adote um Bigode

Apego pela memória

Quando Rafael Agostinho, estudante de arquitetura, teve que ser internado no hospital, em decorrência de complicações por coronavírus, ele deixou um dos seus irmãos cuidando do seu gato Snown e de seus quatro cachorros: Nina, Valente, Billy e Susy. Diferente dos seres humanos que conheciam Rafael, esses bichinhos nunca entenderam o motivo dele nunca ter voltado para casa.

Após a morte de Rafael, uma campanha foi feita pela família dele em parceria com a ONG Adote um Bigode, para que os animais pudessem encontrar um novo lar. Dois dos quatro cachorros do estudante, já haviam sido resgatados por ele das ruas e possuíam um histórico de maus tratos. 

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Legenda: Susy, cachorra de Rafael Agostinho que foi adotada.
Foto: Arquivo pessoal de Felipe Agostinho

Para Felipe, os animais eram como uma memória viva do seu irmão, que não deixou filhos. E que, por isso, ele adotou o gato e dois dos cachorros. Mas devido às condições financeiras, a família não teria como ficar com todos, sendo necessário a busca por outros cuidadores. Uma senhora ficou bastante comovida com a história e adotou Susy; e um ex-colega de trabalho de Rafael adotou Billy. 

“Foi difícil mas eu tomei como uma missão. Um compromisso com a memória do meu irmão que gostava muito de animais. Então cuidar do que ele gostava e se dedicava se tornou como um cuidado para o ser humano maravilhoso que ele era”.
Felipe Agostinho
Irmão de Rafael Agostinho, falecido por Covid-19

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Legenda: Rafael Agostinho, faleceu em decorrência de complicações por Covid-19.
Foto: Arquivo pessoal de Felipe Agostinho

Felipe não deixou de destacar o papel importante da ONG Adote um bigode na busca por novos tutores para os cachorros de seu irmão falecido. “Eles se mostraram muito solidários em ajudar com essa questão dos animais dele”, finaliza.

Um espaço para Fred

José Maria e Graça Martins, ambos aposentados, moravam com o cachorro Fred, em Aratuba, quando José foi infectado pelo coronavírus e teve que vir para Fortaleza ser internado. Graça e Fred vieram com ele, passando a habitar o pequeno apartamento que Lorena Martins, neta dos dois, vivia com sua mãe, filha do casal. 

Quando o avô de Lorena começou a piorar mesmo após ser internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para Covid-19, a família começou a se preocupar com a tutela de Fred. A expectativa era que algum amigo ou conhecido da família pudesse cuidar do cachorro nesse período.

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Legenda: Fred, cachorro de José Maria, falecido por Covid-19
Foto: Arquivo pessoal da família

No entanto, na sexta-feira (23), o idoso não resistiu e faleceu. Com a morte do avô, Dona Graça, para não ficar sozinha na casa do Interior, passará a residir no pequeno apartamento, mas para Fred, essa ainda não é uma definição. Segundo Lorena, o espaço não é confortável o suficiente para o cachorro.

“Mas nós três não conseguimos apenas colocar ele para uma adoção. Fred viveu com meu avô por quatro anos, nós temos muito apego por ele. Até porque quando olhamos para esse cachorro, nós vemos o meu avô. Por isso queremos que algum amigo da família adote, porque queremos continuar mantendo contato com o cachorro”, explica.
Lorena Martins
Neta de José Maria, falecido por Covid-19

Adoções aumentaram com o isolamento

Embora a pandemia tenha propiciado maior número de abandonos, por ter mais pessoas em casa, as adoções aumentaram. “As pessoas ficaram mais solitárias em casa e buscaram uma companhia”, afirma Ludmila Costa, voluntária da Adote um bigode.

No entanto, a voluntária afirma ser mais difícil para os animais que perderam seus tutores para a Covid-19 conseguirem um lar, pois já são adultos. Lolly foi um dos poucos animais que conseguiram.

A cachorra foi adotada há dois meses por Cicera Saraiva, quando Dona Graça, antiga tutora, faleceu devido a complicações da Covid-19. A antiga e a atual tutoras de Lolly eram amigas há mais de seis anos e moravam no mesmo condomínio. 

cicera
Legenda: Lolly e sua nova tutora Cicera
Foto: Cristina Angélica

A cachorrinha foi levada para a casa de Cicera quando sua tutora teve que ser internada no hospital, período que durou um mês. Após perder seu lar, o que antes era temporário se tornou efetivo. Segundo a atual tutora, Lolly se adaptou muito bem à sua nova casa.

“Dona Graça pediu para cuidarmos dela (Lolly) e para que não a deixássemos sozinha. Graças a Deus, ela se adaptou muito bem no novo lar. Todo mundo que a vê até diz que ela ficou mais gordinha, e é um chamego só com meu filho!”, finaliza.

Cenário tenebroso para as ONGs 

A ONG Abrace é uma instituição que trabalha exclusivamente com a adoção de animais em lares temporários, porém, na pandemia houve uma diminuição expressiva no número de espaços disponíveis para este modelo.

Antes a ONG contava com 32 lares temporários. Atualmente, a instituição possui apenas seis. Uma diminuição de 81,25%.

Pela falta de espaços temporários, a Abrace não pode mais receber animais. A única forma de ajudar esses bichinhos tem sido divulgar nas redes sociais a situação de cada um. Qualquer pessoa pode solicitar esse auxílio pelo perfil oficial da ONG.

Segundo a fundadora, outras ONGs, abrigos e até mesmo os protetores estão em situação financeira difícil. Existe grande lotação de animais que precisam de ajuda, mas o número de suporte financeiro para alimentá-los e cuidar deles caiu cerca de 90%.

"Estamos em um cenário tenebroso, pois da mesma forma que aumenta o número de abandonos, diminui o número de pessoas que podem ajudar. E isso é um reflexo dessa pandemia, que tem tirado muito das pessoas", conclui.
Cristina Angélica
Fundadora da ONG Abrace

Esses animais abandonados, de acordo com Cristina, enfrentam problemas físicos, porque são privados de alimentação adequada, e também passam por dificuldades emocionais. Pois além de sofrerem com a perca de seus tutores, que eram suas referências de cuidado e proteção, eles são muitas vezes tratados como um incômodo pelos familiares do falecido. 

Cachorro
Legenda: A ONG Abrace é uma instituição que trabalha exclusivamente com a adoção de animais em lares temporários
Foto: Sarah Chrisley/Divulgação ONG Abrace

Como colaborar com os abrigos

Ong Abrace

  • Os interessados em contribuir com a instituição podem entrar em contato pelo WhatsApp, pelo número (85) 98812-8654. Ou também pelo direct do Instagram, no perfil @ong.abrace. Clicando neste link, os leitores podem ser direcionados a uma das opções de contato.

  • É possível também doar qualquer valor diretamente na conta bancária da ONG: Caixa Econômica Federal/ Agência: 4420/ Conta: 610-5/ Operação: 003/ CNPJ: 24.287.894/0001-00

Adote um bigode

  • Transferência Pix pela chave: adoteumbigodece@gmail.com
  • Pelas contas bancárias da ONG, que podem ser visualizadas no site da ONG.
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