Segurança, punições e perspectivas de futuro sobre a segurança no estádio mais utilizado do Brasil no ano passado
A Arena Castelão é palco de grandes públicos e de festa nas arquibancadas. No entanto, o espaço também testemunha cenas de violência. Não é difícil encontrar alguém que já tenha presenciado brigas e uso de drogas nas dependências do local, além das invasões de campo.
Em quatro reportagens, a Série Segurança no Castelão mostrará parte do que é feito em relação à segurança do torcedor e de quem atua nos jogos de futebol. Torcedores, poder público, especialistas e clubes destacam melhorias e apontam questões em busca de evolução.
Em levantamento do Diário do Nordeste, no último ano, 59 partidas registraram ocorrências e mais de 250 pessoas foram autuadas por cometer crimes durante jogos de futebol realizados no local entre 30 de janeiro e 13 de novembro de 2022. O estádio foi a arena de esportes mais utilizada ano passado no Brasil. Entre competições nacionais e internacionais, recebeu 73 partidas, superando Maracanã e Mineirão (65).
São homens e mulheres envolvidos em ocorrências que variam de tumulto a desacato. O Diário do Nordeste teve acesso aos dados do Ministério Público do Ceará (MPCE), através do Nudtor (Núcleo do Desporto e Defesa do Torcedor), responsável por coordenar as ações no estádio.
Ao todo, 252 pessoas foram autuadas no estádio. Desses, 231 são homens e 20 mulheres. Os crimes mais cometidos são porte e uso de drogas, com 150 ocorrências, seguidos de tumultos, brigas e invasões de campo, com 78 casos registrados.
"A grande incidência de crimes dentro do Castelão continua sendo o uso de drogas. Isso é produto da realidade social, infelizmente, e que a gente está procurando combater. É algo difícil de ser controlado. É uma realidade triste", explicou o promotor Edvando França, coordenador do Núcleo.
Ações criminosas em 59 jogos
Na última temporada, o Castelão sediou partidas da Libertadores, da Sul-Americana, do Brasileirão, da Copa do Brasil, do Nordestão e do Campeonato Estadual. Das 73 disputas, apenas 14 não tiveram ocorrências, sendo duas delas com portões fechados. As demais, 59, acumularam registros.
Outros delitos foram registrados ao longo de 2022 nas arquibancadas e nas dependências do estádio. Crimes como desacato, lesão corporal, atos obscenos em lugar público, destruição do equipamento esportivo e desobediência constam no relatório do MP.
Para Irlan, jornalista e pesquisador de futebol, há que se observar o contexto de violência social, sendo necessário diferenciar quando há fatos isolados e quando há confrontos físicos organizados e articulados por grupos.
"É entender que existem grupos que se juntam para buscar confrontos físicos em ocasiões comuns de multidão. Num momento de estresse, catarse coletiva, pode gerar invasão de campo, um ato racista. São coisas de natureza distinta”, destaca.
"A violência faz parte da sociedade”, diz Phelipe Caldas, doutorando Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pesquisador da antropologia das práticas esportivas. Em seu trabalho, ele analisa as formas de torcer e ressalta a necessidade de entender a arquibancada como plural.
“O grande problema das forças de segurança é achar que existe uma violência que é exclusiva às arquibancadas. Como se existisse uma pacificação entre as pessoas e na arquibancada essas pessoas se tornam violentas ou conflitivas. Isso não existe. A arquibancada é plural. E essa pluralidade vai gerar algum grau de conflito”, ressalta.
O Nudtor é um eixo do MPCE constituído por setores da Procuradoria Geral de Justiça e responsável por coordenar ações de segurança em jogos de futebol, que vão além de questões voltadas ao policiamento. A pasta também colabora com o trabalho no entorno do estádio na parte de fiscalização e planejamento antes das partidas para a segurança do torcedor. No entanto, o foco é diretamente no trabalho dentro do espaço. Cinco promotores atuam na pasta.
“O Núcleo foi criado para controlar, acompanhar, ponderar e tentar conter a violência nos estádios de futebol. É uma tarefa grandiosa. Envolve tudo o que diz respeito à segurança do torcedor. São mais de 20 estádios de futebol no Ceará. Todos eles têm de passar por nós”, detalhou o promotor.
A portaria 290 do Ministério dos Esportes estabelece quatro laudos que devem ser acompanhados pelo Nudtor em cada estádio: engenharia, segurança, vigilância sanitária e bombeiros. “Nenhum estádio funciona sem esses quatro laudos em dia”, completou Edvando.
Os laudos são conferidos pelos promotores e encaminhados à Federação Cearense de Futebol (FCF) e aos clubes, responsáveis por tomarem providências para a segurança. Também é papel dos times apresentar o plano de jogo.
O MP é responsável por acompanhar a quantidade de pessoas que irão ao estádio, o número de ingressos e outros aspectos. Além disso, no dia da partida, o Nudtor coordena, dentro da praça esportiva, a promotoria, o Poder Judiciário, a Defensoria Pública, as Polícias Civil e Militar.
“O torcedor preso por mau comportamento, causar tumulto, arremessar objetos, tudo isso, a PM leva na hora do jogo à delegacia que tem no estádio, o delegado faz o procedimento, manda para a promotoria, nós do Nudtor, depois encaminhamos ao poder judiciário e na hora mesmo do jogo a gente faz a audiência e aplica as medidas legais”, detalhou o coordenador.