Série Segurança no Castelão: biometria facial será o futuro da segurança em jogos no estádio

Segurança, punições e perspectivas de futuro sobre a segurança no estádio mais utilizado do Brasil em 2022 biometria facial será o futuro da segurança em jogos no estádio

Legenda: Caso seja implantado, 400 câmeras devem compor o sistema de biometria facial na Arena Castelão.
Foto: Thiago Gadelha/SVM

O uso da biometria é tema cada vez mais recorrente no futebol. O recurso, tido como fundamental no combate aos crimes cometidos nos estádios e também ferramenta de prevenção, tem ganhado espaço. O Palmeiras instalou o sistema no Allianz Parque, de forma pioneira no Brasil. Já no Ceará, o projeto para implementação do equipamento na Arena Castelão ainda é embrionário, mas começa a tomar forma. O Governo do Estado receberá a proposta do MP-CE em breve.

No entanto, para além da tecnologia de ponta, é importante debater a privacidade dos torcedores e a efetividade dessa e outras ferramentas apontadas como importantes na redução da violência nas praças esportivas. 

“Temo que isso vá provocar ainda mais o contexto de racismo, de violência de alguns perfis de torcedores. Com elevação de preços, domesticação dos corpos ao proibir formas de torcer... A biometria facial pode acentuar isso. De repente, pode ficar mais restrito aos sócios-torcedores. Isso pode ter como efeito colateral o agravamento de uma certa expulsão dos torcedores mais pobres”, explicou Phelipe Caldas, doutorando em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pesquisador das formas de torcer.

Veja também

BIOMETRIA EM ESTÁDIOS CEARENSES

Havia a previsão da biometria digital ser usada no Estádio Presidente Vargas, no primeiro Clássico-Rei do ano. Isso não se concretizou. O Ministério Público, por meio do Nudtor (Núcleo do Desporto e Defesa do Torcedor), defende a implementação do recurso facial na Arena Castelão. Edvando França, coordenador da pasta, acompanhou a final da Copa do Brasil de 2022 entre Flamengo e Corinthians, quando o sistema Córtex foi instalado como teste. 

“Foram detidas várias pessoas já com mandado de prisão em aberto. Tem que avançar com paciência mas contando com a sensibilidade e interesse das autoridades políticas. Mas do ponto de vista jurídico, o MP tem feito sua parte”, disse o promotor.

O Nudtor se reunirá em breve para discutir mais o projeto e enviá-lo ao Governador Elmano de Freitas. Ainda não há valor estimado do custo. Ele explica a necessidade de alinhar com outros setores da segurança pública o uso de dados.

“Vamos conversar com o Tribunal de Justiça e SSPDS, fazer um convênio acerca da utilização desse cadastro porque o órgão que vai gerir terá que assumir a responsabilidade por não divulgar esses nomes, além de demais aspectos técnicos e legais”, afirmou.

COMO FUNCIONA A BIOMETRIA FACIAL? 

Caso o projeto se concretize, cerca de 400 câmeras vão monitorar os frequentadores do estádio em dias de jogos. O nome do sistema é Córtex. O promotor explica:

Loading...

“A pessoa apresenta o CPF no ato de compra do ingresso. Então, se o CPF tiver bloqueio, o sistema vai identificar e ela sequer vai conseguir comprar. Se burlar de alguma forma e entrar, será identificado pelas câmeras. As câmeras vão ficar voltadas para as catracas e para o acesso, e vão monitorar isso. Na hora que detecta, a própria catraca trava. A tecnologia é bem avançada”, completou o coordenador do Nudtor.

O projeto Panóptico BR, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), realizou a pesquisa 'Um Rio de câmeras com olhos seletivos', para analisar o uso feito pelas polícias fluminenses desse recurso. O estudo traz o recorte a partir de 2019, quando o entorno do Maracanã recebeu o sistema.

Segundo o estudo, 7 das 11 pessoas detidas através do reconhecimento facial em jogos no estádio carioca foram erros da máquina. Em 2022, o estádio foi o segundo que mais sediou jogos no Brasil, com 65 partidas, o mesmo número do Mineirão. Os dois são superados apenas pela Arena Castelão (73). 

Loading...

 

O QUE PENSAM OS TORCEDORES?

Componente da  TUF, Raoni Marques considera importante o uso da ferramenta e questiona:

Loading...

Presidente da Cearamor, Jeysivan Santos também vê a iniciativa como positiva e pontua:

Loading...

O jornalista e pesquisador de futebol Irlan Simões pondera a necessidade de uma melhor organização dos torcedores para debater a segurança de dados com mais amplitude. 

“Na Europa, há uma associação de torcedores que reúne outras organizações contra essa tecnologia. Primeiro por violar uma série de direitos civis como privacidade e pelo histórico de falha delas.Você é confundido mais do que reconhecido em ambiente de multidão, e está sendo implantada como solução mágica. É difícil ter grupos de pessoas para discutir, para se posicionar sobre esses assuntos delicados, não tem nenhuma voz dissonante na hora de falar dessas tecnologias. Quem pode armazenar? Quem tem o direito de guardar as informações? Não existem regulamentações precisas de como vai ser isso nem na Europa, imagine no Brasil”, alertou. 

Já o professor Carlos Henrique Alves, torcedor do Leão pontua: "Se o sistema pode, minimamente, apresentar falhas, quaisquer tipos de constrangimento com relação a definição de quem são as pessoas que estão no estádio e quais as ações delas, então é preferível que não se utilize, nessa perspectiva." 

Imagem mostra corpo de bombeiros
Legenda: Equipe do Corpo de Bombeiros na Arena Castelão.
Foto: Kid Júnior/SVM

DELEGACIA DO TORCEDOR

A biometria será apenas mais uma ferramenta na busca pela redução da violência no estádio de futebol. O torcedor conta com um posto avançado da polícia no local, além de Corpo de Bombeiros, socorristas e outros profissionais. No entanto, em contraponto às 252 pessoas detidas na Arena Castelão em 2022, apenas uma vítima registrou queixa-crime. O dado chama atenção. O promotor do Nudtor explica:

“Há baixa procura de queixa-crime porque, se pensar bem, as pessoas vão ao estádio para assistir o jogo e assim que termina querem voltar para casa. Então, atribuo isso também a uma certa falta de estrutura. Por exemplo, ainda é um posto avançado não uma delegacia propriamente dita, para o torcedor. Estamos trabalhando para que ela seja instalada. Então, isso também tem dificultado o acesso”, avaliou. 

A torcedora Bruna Alves disse saber da existência do posto avançado, mas desconhece o local. Já a tricolor Aniele Pinzon desconhecia a existência do espaço. No local, a 16ª delegacia funciona em regime de plantão apenas durante as partidas. 

“Sequer sei onde fica. Até onde sei, pelos casos que já vi pelas redes sociais, eles apenas recebem a denúncia. Não acho que o torcedor seja acolhido, muito pelo contrário. Falta muita coisa, principalmente respeito aos torcedores que vão ao estádio”, destacou a alvinegra. 

“Sei que existem ambulatórios, ambulâncias, que as pessoas recebem um primeiro atendimento. A segurança é truculenta, falta mais cuidado com o torcedor. O que funciona nesse posto avançado? Eles poderiam orientar, cuidar melhor do torcedor. A organização no estádio é muito falha para a quantidade de torcedores”, reforçou Aniele.

Em reunião com a Polícia Civil e demais autoridades, em janeiro deste ano, o Ministério Público requisitou a instalação de uma Delegacia do Torcedor na Arena, algo com mais estrutura e funcionamento de 24 horas. Em breve, a torcida poderá contar com o espaço. 

"É importante, principalmente se trabalhar de maneira eficaz e que as pessoas envolvidas com a segurança do estádio conheçam minimamente o código do torcedor. Já fui barrado pela PM por usar camisa da Resistência Tricolor, uma torcida antifascista, e fui avisado que eu não poderia entrar por ter cunho político. Fui obrigado a tirar a blusa para acessar o estádio. É um exemplo de como a falta de preparo pode ser constrangedora", finalizou Carlos Henrique Alves.

*O Diário do Nordeste questionou Fortaleza e Ceará sobre como os clubes veem a medida de torcida única, o uso da biometria facial, os prejuízos por jogos de portões fechados e outros pontos. No entanto, os clubes não responderam aos questionamentos até a publicação desta reportagem.