Veja propostas milionárias recusadas, custo de manutenção e os novos projetos
O Fortaleza Esporte Clube tem as categorias de base como uma das prioridade de desenvolvimento interno. Após campanhas históricas no profissional, a gestão entende o setor de revelação de jogadores como o caminho a médio e longo prazo. E essa revolução passa por integração, capacitação de funcionários e uma sede moderna. O Diário do Nordeste teve acesso ao CT de Ribamar Bezerra, em Maracanaú, e conta detalhes dos processos tricolores para se tornar uma referência na formação.
O custo mensal de manutenção da base é de R$ 700 mil. Há dois anos, a diretoria intensificou os cuidados, trouxe Agnello Gonçalves (multicampeão no Corinthians) para ser o executivo, Irlando Gomes como diretor e iniciou uma intensa mudança de cultura organizacional, com novos ajustes. Hoje, a base leonina possui 223 jogadores.
O pontapé foi a Copinha de 2023, igualando recorde cearense de 2008, quando o próprio clube avançou às quartas - a melhor campanha local, junto do Floresta. Após a reorganização, o time dispõe de metodologia própria para cada categoria e trabalha com a formação de uma identidade (ID) para o jogador que realiza a transição na base.
Diretrizes das categorias de base do Fortaleza
Revelar jogadores para o time profissional dentro do ID do clube.
Trabalhar com indicadores de performance para além do resultado em campo.
Focar na captação do Nordeste (76% dos jogadores da base são da região).
Expandir o número de atletas analisados a cada temporada com inteligência.
Renovar o Certificado de Clube Formador (atender os 41 critérios da CBF).
Contribuir com a formação cível do atleta, além do aspecto esportivo.
Promover o avanço de pelo menos 50% de uma safra entre categorias (Sub-15 > Sub-17).
Intensificar o ‘Projeto Fortaleza’, com recursos para crescimento de jogadores talentosos.
Prosseguir com novas melhorias estruturais do CT Ribamar Bezerra a cada ano.
Em estrutura, o CT é um espaço com recursos necessários para um elenco de alto rendimento, até profissional. O local tem quatro campos oficiais e dois de apoio - um desses se transformará em um sintético. Tem alojamento para até 83 jogadores, academia, sauna, fisioterapia, departamento médico e odontológico, pista, cozinha, lavanderia, refeitório e salas administrativas.
O clube oferece uma análise em 360º do jogador, dentro e fora de campo, e o aumento do investimento em todos os setores de performance nos últimos anos. Apenas na área de fisioterapia foram investidos R$ 50 mil com a chegada dos equipamentos de recovery pós-jogo, por exemplo, que é o processo de recuperação física do atleta.
“A base sempre teve uma importância grande, mas são processos que demoram, precisam de tempo para acontecer. Tivemos um bom desempenho no Brasileirão Sub-17, atletas da base no profissional como Sammuel, Habraão e agora o Amorim, que veio da Copinha, onde conseguimos o melhor rendimento do clube na história, com a torcida conhecendo outros nomes como Riquelme e Riquelmo. Então temos talentos, investimento em estrutura e também excelentes profissionais. Um dos técnicos é o Leandro Zago, muito conceituado na base, outro é o preparador físico Roger Gouveia, com passagem por times da Série A com o Marcelo Chamusca, e assim buscamos investir na base pensando na evolução do clube, crescimento e fortalecimento do CT Ribamar Bezerra”.
Formação e captação
Na formação, o Fortaleza trabalha com as categorias Sub-11, Sub-13, Sub-15, Sub-17, Sub-20 e Sub-23, com o último pertencendo ao profissional. O foco é o desenvolvimento do jogador dentro da própria instituição. Assim, na política interna, o trabalho é voltado para permitir que um jovem de 13 anos evolua e possa integrar o elenco Sub-15 no ano seguinte, sendo desenvolvido integralmente.
A perspectiva é definir o ID do Fortaleza. Em resumo, que a base sirva para lapidação de jogadores identificados com o clube e com personagens/times históricos, como o ídolo Rinaldo, que atualmente trabalha no clube. O mecanismo também é adotado nas escolhas táticas da equipe dentro da base.
Metodologia dos setores de base do Fortaleza
Sub-11 e Sub-13 (Iniciação esportiva) | “Não treino porque jogo. Jogo porque, por um acaso, eu treino”. Olhar para a relação do jovem com a bola, com menos indicadores de performance.
Sub-15 (Transição e formação) | Acompanhamento da perspectiva individual do jogador, com diagnóstico de traças de personalidade e modo de jogo. Antes do conceito coletivo, mas com alguns indicadores de performance e predisposição física do atleta.
Sub-17 e Sub-20 (Rendimento) | Foco no nível de atuação e progressão metodológica em campo. Os indicadores de performance são mais exigidos, assim como a tática e o próprio condicionamento.
Nesse novo escopo de trabalho, o clube conseguiu trazer atletas para o profissional. O zagueiro Habraão e o meia Sammuel subiram da base em 2022 e ganharam espaço, se destacando em alguns jogos. O meia Amorim, de 17 anos, foi o camisa 10 na atual edição da Copinha e agora treina com o principal.
“O nosso maior trabalho é aumentar o índice de transição de jogador de categoria para categoria. Quando eu sei que o clube é formador? Quando coloco jogadores da base no profissional? Sim. Quando ganho todas as categorias da base no Campeonato Cearense? Não. Quando consigo ter um aproveitamento superior a 50% do Sub-13 para o Sub-15? Sim. Se subo 15 jogadores e consigo mantê-los, e essa geração do Sub-15 transita, e consigo mais oito jogadores, para mim, são os dois maiores indicadores de que é um clube formador”.
O pilar do funcionamento de todo o processo é a inteligência. O Fortaleza realizou um alto investimento em software de organização de dados, mapeamento de mercado e até recursos como drone e GPS. Um desses mecanismos é o Business Intelligence (BI), um aplicativo que reúne informações especializadas, como estatística, parte física, carga de treino, valor de mercado e até nota de rendimento nos jogos.
A ferramenta foi moldada para as exigências específicasdo clube e tem controle por meio do núcleo de inteligência. Assim, se torna fundamental também na captação de novos jogadores, com centros de Big Data. Além disso, há dois captadores que viajam pelo Brasil e um setor de avaliações internas - todo o sistema funciona com muito rigor.
“Temos um mapa (na inteligência) com as prioridades de cada setor e categoria. Se a amostragem e o filtro técnico ficar em um atleta (avaliado) que supere o nosso nesse scout, seguimos o fluxo (da avaliação). Temos o campograma por ano de nascimento e prioridade. Ele faz o filtro, e quando faz, tem 10 indicações. Depois fazemos o levantamento de performance que listamos, e quando chega em três (nomes), paramos para ver e montamos a operação de contratação, de acordo com os planos A, B e C daquela contratação”, explicou Agnello.
Propostas milionárias recusadas
No cenário mundial, um dos principais pontos de retorno da base é o aspecto financeiro. O investimento contínuo e gradual pode se transformar em cifras milionárias quando negociações são efetuadas.Na avaliação do Fortaleza, a etapa é um dos estágios de maturação do projeto de base e, no momento, a equipe ainda se prepara para entrar no comércio, apesar das propostas.
Dos estágios da reformulação do setor de desenvolvimento de jogador, o início do fluxo de vendas é um dos últimos pontos. Por isso, ofertas milionárias chegaram ao Leão e foram recusadas em 2022.
“Recebemos muitas propostas na base, até de 700 mil e 1,2 milhão de euros. Quando entra para esse game, se coloca como vendedor, precisa estar pronto, e o Fortaleza está se encontrando. A gente, em reunião, achou que não era o momento. Há quatro meses, tivemos proposta para um jogador que estava na Copa São Paulo que ficaria líquido cerca de 700 mil dólares, e o clube com percentual, mas ainda vamos definir o modelo. Se vender no profissional, o preço é um, na base, é outro. O Fortaleza não passa por dificuldade financeira, que necessita de vendas precoces”.
Assim, o clube trabalha com cautela na gestão de jovens talentos. A tendência é intensificar a evolução técnica, promover a chegada ao profissional e, com um alicerce maior de safras desenvolvidas, entrar no rol de grandes negociações, com vendas milionárias de muitos jogadores.
Projetos do futuro
O estágio atual da base não é absoluto: há incorporações e melhorias a cada dia. E a gestão do Fortaleza ainda discute novos projetos para fortalecer o setor, com um olhar mais social para jogadores e funcionários. Além disso, existe a perspectiva de gerar receita no CT Ribamar Bezerra.
Das ideias, o clube avalia a construção de uma sala de acomodação para os familiares dos atletas e também espaços para barbearia e lanchonete na área externa. Já a médio prazo, se discute incorporação da bandeira de uma escola na sede da base, com a disponibilidade do colégio aos atletas - o que contribuiria também com a região.
Além dos pontos citados, a diretoria planeja ampliar a capacitação de profissionais da base. Nos últimos meses, o clube custeou parte de cursos para analistas e fisioterapeutas. A tendência é auxiliar para o desenvolvimento e ter o retorno com ideias e projetos dentro da instituição leonina.