Mulheres em cargos de liderança de clubes de futebol: é preciso reivindicar mais presença

Anna Beatriz Maia, do Fortaleza, e Clara Ferreira, do Ceará, são mulheres em cargos relevantes nos clubes cearenses.

Legenda: Anna Beatriz Maia, gerente de futebol feminino do Fortaleza, e Clara Ferreira, supervisora do futebol feminino do Ceará
Foto: Divulgação/Fortaleza EC e Felipe Santos/Ceará SC

Envolver-se com futebol é sempre uma luta para a mulher. Seja como torcedora ou profissional da área. No ambiente hostil ao feminino, é preciso seguir reivindicando espaço para torná-lo menos opressor. Não por acaso, são tão poucas em cargos de gestão e/ou chefia da modalidade aqui no Brasil. Ceará e Fortaleza, os únicos nordestinos na elite, ainda tentam evoluir na questão.

A gente tem uma mulher à frente de um dos maiores clubes do país, que é a presidenta do Palmeiras, a Leila Pereira. Acho que isso inviabiliza dizer que existe ausência. O que a gente precisa é reivindicar por mais presença. Que seja mais significativa dentro desse mundo chamado futebol, que é o esporte mais popular, que movimenta milhões de pessoas, muito dinheiro, muitas câmeras... Um universo complexo onde a participação da mulher ainda precisa ser mais significativa numericamente, em termos de cargos ocupados. A gente precisa de uma reivindicação de mais presença.
Leda Maria
pesquisadora do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte (LEME), da UERJ.

No estado do Ceará, Maria Vieira, presidente do Atlético-CE, tornou-se referência. Chegou em 2017 e ainda é a única no maior cargo dentro de um clube do futebol estadual. A equipe masculina foi rebaixada para a Segundona do Cearense este ano, mas ainda disputa a Série C do Brasileiro. A presença da mandatária foi importante para um novo olhar local sobre o tema.

Legenda: Anna Beatriz Maia é a nova gerente de futebol feminino do Fortaleza.
Foto: Divulgação/Fortaleza EC

FORTALEZA: CARGOS NO FEMININO E NA BASE

 

Além de contratar Débora Ventura, a primeira técnica a comandar o time feminino, o Fortaleza chamou Anna Beatriz Maia para a gestão do futebol feminino. Doutora em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Executiva de Futebol pela CBF Academy, é estudiosa do esporte. 

“Minha experiência era voltada na área pública, mas sempre com esse desejo em contribuir com o futebol nordestino. E é um orgulho fazer parte do Fortaleza, contribuir com a gestão em si, com essa mudança de paradigmas quanto ao futebol feminino. Meu desejo sempre foi atuar com governança e ter essa oportunidade tem sido um grande desafio mas também um prazer fazer parte dessa construção”, revelou.

Aos 32 anos, cita o maior desafio do novo posto: mostrar que o futebol feminino pode ser rentável ao clube se for encarado como produto. Isso num meio de hegemonia masculina. Sobre o futuro da figura feminina nos cargos de decisão dos times, ela se mostra animada.

“É promissor. Mas a gente precisa estar preparada. Acredito que as mulheres têm que buscar, caso deseje esse espaço. Procurem se capacitar. O Fortaleza hoje está investindo nessa área. Se a gente for olhar para a própria diretoria de base, nós temos vários cargos. A CBF tem um programa para promover essa capacitação, com bolsas para cargos de gestão e técnica. Sugiro que busquem essas informações”, conclui.

A pesquisadora Leda Maria ressalta o mesmo ponto: a presença feminina vai se tornar mais constante e não ser apenas um número com investimento em formação e cita outras questões.

“Para além da CBF, existe uma melhora grande no que diz respeito à percepção do público em geral, do jornalismo esportivo, da necessidade de que se forneça caminhos para que as mulheres adentrem cada vez mais no futebol. Então, hoje em dia, reivindicar a presença da mulher se tornou menos estranho. Na verdade, se tornou quase uma reação imediata. Quando a gente olha pro histórico de um clube ou para uma redação de jornal: cadê as mulheres? É uma longa caminhada. Reconhecer que o futebol foi um espaço quase que exclusivamente para homens e tornar o ambiente menos machista, mais aberto à participação das mulheres, tanto na legitimidade da presença como da sua formação enquanto profissional”, avalia.

Imagem mostra mulher de braços cruzados e sorrindo.
Legenda: Clara Ferreira é a única mulher em cargo de comando no futebol do Ceará. Ela é supervisora do futebol feminino.
Foto: Felipe Santos/Ceará SC

CEARÁ: OLHAR DE CONFIANÇA

 

No Ceará, o time feminino tem Clara Ferreira na supervisão do futebol. Ex-atleta do Menina Olímpica, passou a ser supervisora do projeto. Após parceria com o Vovô, chegou ao clube em 2018 para contribuir na retomada do futebol feminino. Ela é responsável pela área burocrática, como contratos, logísticas de treinos e de viagem. Nela, as atletas se apoiam.

“As meninas veem em mim alguém que elas podem confiar, o que facilita muito a questão do trabalho. Aqui, faço uma ponte entre atletas, clube e comissão técnica”, disse. 

Sobre o espaço que ocupa, ela entende que é uma das poucas no país. Pede que os clubes enxerguem as tantas profissionais capacitadas.

“A gente sabe que tem muita mulher competente aí fora. Eu acho que falta uma certa abertura dos olhos dos clubes para que, como o Ceará fez comigo, possam enxergar o potencial dessas pessoas. O grande ponto, no meu ver, é que as equipes façam como o Ceará e possam ver tudo o que cada mulher pode oferecer para eles”.

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PELO BRASIL

Em junho de 2021, o Gênero e Número fez levantamento em sites de 25 clubes (20 da Série A e 5 da Série B). No país, são apenas sete mulheres em cargos de comando, considerando presidente, vice-presidentes, secretários, superintendentes e diretores. O que representa 2,7% do total. Até então, eram duas no Cruzeiro, duas no Internacional, uma no Flamengo, uma no Sport e uma no Avaí. 

A própria Confederação Brasileira de Futebol (CBF) nunca teve uma mulher na diretoria da entidade. Aline Pellegrino é a única a compor o quadro da entidade em cargos de liderança, acumulando a coordenação de seleções femininas e de competições femininas, após a demissão de Duda Luizelli, em janeiro deste ano. 

“Muita coisa mudou, tem melhorado. A presença das mulheres, a reivindicação por essa presença, modificou sensivelmente o ambiente futebolístico em diversas dimensões. A tendência é que isso se amplie. Até porque a gente está lidando com futebol e sociedade o tempo inteiro. É uma reivindicação que não é exclusiva do futebol, é uma reivindicação das mulheres na sociedade. De maior participação nos ambientes que elas não eram vistas ou bem-vindas”, comentou a pesquisadora do LEME.

Entre os clubes de elite, Leila Pereira tornou-se a primeira mulher presidente do Palmeiras e a única da Série A. Eleita no fim de 2021, vai comandar o Verdão por três anos e preencher um vácuo importante. Desde 2009, quando Patrícia Amorim venceu a eleição para a presidência do Flamengo e deixou o clube em 2013, a elite da modalidade não tinha uma mulher no cargo mais alto.

Autora do livro “Passa a Bola para Elas”, ao lado de Karoline Tavares, a jornalista Beatriz Carvalho, do Sistema Verdes Mares, explica que o trabalho investigou a ausência de mulheres em cargos de comando no futebol brasileiro. A nova mandatária palmeirense recebeu especial atenção na edição lançada em 2019.

“Falamos da possibilidade de a Leila se tornar presidente do clube. Ela atuava como conselheira, participava bastante. Ainda é um ambiente muito masculino. Apesar da gente ter exemplos fortes, como ela e a Patrícia Amorim, uma que a gente retrata a gestão dela. Ainda há a necessidade de ter  mulheres nesses espaços. Mulheres nos jogos, narrando, comentando e é necessário falar de mulheres na gestão até porque muita coisa do clube passa por isso também. Mas também da Federação, e esse ponto faz diferença. Ainda falta muito para que seja um número equiparado”, avaliou.

O futebol também é um lugar para as mulheres. Sempre foi. A história do futebol no Brasil também foi construído por mulheres, com mulheres. Invisibilizadas e deslegitimizadas durante muito tempo, mas estavam lá. Agora chegou a hora da gente estar não mais às margens, mas ocupando cada vez mais a centralidade e os espaços de decisão do futebol”, concluiu a professora Leda Maria.