Uma das poucas mulheres dirigentes do futebol brasileiro também fala da preparação da Águia para o Campeonato Cearense
Em cima da mesa de trabalho, na bolsa ou na prateleira de documentos na sede do Atlético Cearense, em Fortaleza, posam vários livros. A sala de Maria Vieira, uma das poucas mulheres a presidir um clube de futebol no Brasil, revela o hábito de quem lê e, por consequência, escreve bastante. Nas redes sociais, ela costuma publicar reflexões sobre vários assuntos. Conteúdo que, por vezes, divide com o time nas preleções. Os atletas, aliás, são incentivados a estudar. A Águia da Precabura tem projetos nesse sentido, mas, no campo, encara uma reestruturação para a estreia do Campeonato Cearense, no domingo (9).
“Os vencedores excepcionais nem sempre são vistos o tempo todo chegando primeiro, mas nunca você verá ele desistir de ir até o final.” Traz a postagem que reflete sobre a linha de chegada. Formada em Pedagogia pela UVA (Universidade Vale do Acaraú), Maria também começou Psicologia, mas interrompeu o curso. Mas a escrita tem propiciado, entre outras coisas, conversas com o público e atletas que a acompanham no Instagram. Os textos sobre o cotidiano, pessoas, ações, quase nunca são sobre ela, diz. Mas a ideia é lançar questões para que os leitores pensem.
“Acho que a vida merece sempre ter um ponto de leveza. E sendo a poesia uma forma mais terna de falar… Às vezes você consegue alcançar aquelas pessoas que estão cansadas, entristecidas. As pessoas não comentam lá para não se expor na postagem, mas mandam no direct: "Li o que vc disse e tava precisando ouvir" Acho isso bacana porque, de certa forma, escrever também é empatia, mesmo que você não saiba de quem você esta se pondo no lugar”.
Inspiração para atletas
Alguns jogadores e pessoas da comissão técnica comentam, geralmente de forma privada, sobre o que ela escreve, embora não seja algo direcionado especificamente a eles. As provocações textuais acabam por incentivar um diálogo maior entre eles.
“Não sei se isso ajuda. Mas você tem que tentar humanizar o ambiente de trabalho, por mais duro e técnico que seja. Às vezes, as pessoas querem conversar e acabam não encontrando o momento adequado. E através de um texto desses a gente pode começar a conversar sobre outras coisas e atingir o objetivo principal, que é desvelar o que a pessoa queria falar mas não estava conseguindo.”
A ideia é escrever um livro sobre a passagem dela no esporte e outros com esse perfil, de reflexão. É leitora de tudo, mas recomenda José Saramago, (que ela indica Ensaio sobre a Cegueira e Ensaio sobre a Lucidez), Bauman, Clarissa Pinkola Estés e Agatha Christie, que nomeia o bichano da presidenta. Na prateleira, Fechado por Motivo de Futebol salta os olhos. Uma das obras de maior sucesso do escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano. Maria abre na página de “Maracanã”, texto que retrata - na singeleza das minhas palavras - o êxtase do povo uruguaio após o histórico Maracanazzo, na Copa de 1950, quando a seleção albiceleste venceu o Brasil.
Estreia da Águia da Precabura
E haverá um Maracanã no caminho do Atlético já na estreia do Campeonato Cearense. No próximo domingo, as equipes se enfrentam às 15 horas no Domingão. A equipe vem numa fase de reorganização, que ela avalia como delicada.
“Foi difícil terminarmos 2021. Tivemos problemas, emprestamos alguns dos nossos principais atletas. Estamos com 30 ou 32. Mas conservamos um elenco menor tanto pelo planejamento financeiro como para dar um melhor suporte de treinamento. Temos que planejar os acertos e fazer a previsibilidade de falhas.É um dia de cada vez, mesmo tendo um planejamento.”
A Educação é um dos pilares de apoio aos jogadores da Águia. O elo com o ensino faz de Maria grande incentivadora da formação escolar dos atletas. O clube cumpre papel fundamental nisso. Muitos chegam sem o ensino médio completo, sem pensar em fazer faculdade. Algo importante para o pós carreira no campo. O interessado em estudar ganha bolsa no Colégio Dragão do Mar. Além disso, o Atlético oferece aulas de línguas estrangeiras e tem projeto para uma sala de estudos no próprio centro de treinamento.
“Não pode ser imposição, tem que ser escolha. Só que isso é uma via de libertação para muitos deles. E eles acabam querendo mesmo, absorvem isso como uma necessidade. Nosso desejo é colocar coisas que funcionem num clube de futebol, que humanizem o trabalho, do jogador, do treinador, etc. Quando o atleta chega ao clube ele percebe que está sob cuidados. Não só físicos, para as partidas de futebol, mas também preparo para a vida.”
Garantido na Série C do Brasileirão, o Atlético Cearense tem na presidência uma mulher que ambiciona mais e o melhor para o clube, os funcionários e a equipe. Por isso, vê no ambiente futebolístico uma oportunidade de melhorar as relações humanas. Uma troca de conhecimento e questões através da leitura, da conversa e que pode ter a rede social como ponto de partida.