Artesãos cearenses se reinventam para manter atividade lucrativa

Diante da crise econômica atual e da concorrência desleal com os produtos industrializados, buscar soluções criativas e inovadoras é a alternativa para os artesãos do interior driblarem as adversidades

Escrito por André Costa , andre.costa@svm.com.br
Legenda: O jogo de xadrez é hoje o carro-chefe do casal de artesãos de Juazeiro do Norte
Foto: Foto: Antonio Rodrigues

Aos olhos do consumidor, as pequenas peças sobrepostas na mesa de xadrez, revestidas de cores vivas e com um traçado singular que conota a cultura nordestina, são oriundas do barro, material amplamente utilizado pela grande maioria dos artesãos. Demóstenes Fidélis, no entanto, foge à regra. Há mais de três décadas o artesão juazeirense deu nova funcionalidade à goma de tapioca.

A matéria-prima que, ao ser peneirada e posta ao fogo faz nascer a tapioca, iguaria típica nordestina, passou a ser utilizada para esculpir peças das mais variadas formas. "Hoje é fácil manusear. Já estamos bem adaptados à substituição do barro pela goma", garante Pebinha, como popularmente o artesão é conhecido. Para alcançar resultados exitosos, porém, ele e a sua esposa, Lusyennir Lacerda, levaram quase uma década.

Adaptação

Reinventar-se foi preciso diante das dificuldades. Demóstenes explica que suas peças, anteriormente feitas com barro, "ficavam muito pesadas". Este simples detalhe fazia toda a diferença na hora de exportar o produto para outros centros, isso em meados dos anos 1990. "A transportadora me cobrava por peso, então eu pagava uma taxa ampla para enviar poucas unidades". A insistência foi a bússola do casal. Depois do barro, veio a resina, biscuit e, posteriormente, a massa epóxi. Nenhuma delas conferiu o resultado desejado. Os experimentos seguiram por dez anos até que o casal decidiu realizar testes com a goma de tapioca, devido a sua viscosidade.

"Ela tem uma cola natural, é maleável e bastante barata", destaca Lusyennir. Após atingir a consistência adequada, todas as peças passaram a ser confeccionadas com o produto. "Só utilizo água e um pouco de cola escolar", revela o segredo. O peso, grande vilão das peças anteriores, passou a ser um aliado. "A goma é bastante leve", destaca Fidélis.

Carro-chefe

A matéria-prima do artesanato de Fidélis e Lusyennir não foi a única a sofrer mudanças. Entre 1986 - quando iniciaram a atividade artesanal - e início dos anos 2000, os artesãos confeccionavam todo tipo de peça que estivesse relacionada com a cultura popular nordestina. Há duas décadas, porém, os tabuleiros personalizados de xadrez tornaram-se o principal produto de trabalho da dupla. A singularidade do artesanato vai além do material inusitado utilizado para sua produção. O xadrez e suas peças são temáticos. Cangaceiros, bumba meu boi e até a histórica Guerra de Canudos dão forma às peças do tabuleiro. Antônio Conselheiro representa o rei, peça mais importante do xadrez ocidental, cuja captura é o único objetivo do jogo. A rainha é simbolizada pela figura da beata, enquanto as capelas representam as torres do tabuleiro.

"Pensar essa adaptação é a parte mais criteriosa do trabalho. Não pode ser qualquer tema. Tem que existir um elo com as peças que compõem o xadrez e, além disso, trabalhamos dentro de um limite de espaço. O tabuleiro tem um tamanho padrão, portanto, as peças também atendem uma metragem específica, o que acaba limitando alguns temas", explica Demóstenes.

Diante do sucesso adquirido com os xadrezes temáticos, a dupla limitou o trabalho. "A procura era tão grande que não estávamos conseguindo produzir outras peças. Então, há 20 anos passamos a nos dedicar integralmente aos tabuleiros", complementa Pebinha. Além das vendas provenientes de encomendas pontuais, os artesãos comercializam para a Central de Artesanato do Ceará (CeArt), em Fortaleza.

Habilidade

Autodidata, o artista plástico icoense Francisco Corrêa também usou como pilar a inovação para projetar sua arte. Ele adotou os pregos como principal matéria-prima de suas obras. Seus quadros nascem a partir da aplicação de milhares de pregos que dão contornos à representação de figuras diversas, desde rostos humanos, super-heróis e, sobretudo, animais. Seus trabalhos começaram ainda nos anos de 1990, usando o tradicional lápis. Quase três décadas depois, ele se viu obrigado a inovar para manter-se no mercado. Em 2017, adotou os pregos e o resultado, depois de "inúmeras tentativas, deu certo".

"Os erros fazem parte. A insistência tem sempre que prevalecer", adverte. Com talento e insistência, Corrêa já fabricou mais de uma centena de peças, ao preço que varia entre R$ 350 e R$ 400. "Comecei por hobby, mas hoje sinto que venci, alcancei o que queria".

O casal Demóstenes Fidélis e a Lusyennir Lacerda trabalham com a fécula da mandioca

O jogo de xadrez é hoje o carro-chefe do casal de artesãos de Juazeiro do Norte