Polêmica na AL levanta debate sobre imunidade parlamentar

Alvo de críticas no Legislativo, o deputado André Fernandes (PSL) se apega à imunidade parlamentar para justificar acusação feita a outros parlamentares. Especialistas em Direito se dividem quanto a limites da prerrogativa do cargo

Escrito por Letícia Lima ,
Legenda: A imunidade parlamentar vale não só para manifestações que ocorrem no ambiente legislativo
Foto: Foto: José Leomar

As acusações feitas pelo deputado estadual André Fernandes (PSL), na Assembleia Legislativa, sobre o suposto envolvimento de outros deputados com facções criminosas, chacoalharam a política cearense e levantaram um debate em relação à imunidade parlamentar. Afinal, a liberdade de fala garantida por Lei aos políticos possui limites? Especialistas em Direito ouvidos pelo Diário do Nordeste se dividem sobre a extensão dessa prerrogativa e as situações em que ela pode ser evocada.

De acordo com o artigo 53 da Constituição Federal, "os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". Essa imunidade é assegurada a deputados estaduais e federais, senadores e vereadores. Ou seja, os parlamentares no exercício do mandato têm liberdade para expressar seu pensamento e estarão "protegidos" pela Justiça de eventuais questionamentos. Aliás, esse é o argumento que André Fernandes tem usado para se blindar das críticas na Assembleia.

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem um entendimento de que a imunidade parlamentar é absoluta quando as manifestações ocorrerem dentro do ambiente legislativo e também fora desse espaço, ainda que de forma "relativa". O conteúdo das palavras, no entanto, gera controvérsias na Suprema Corte.

Um dos casos emblemáticos na Justiça é o que foi protagonizado pelo então deputado federal, Jair Bolsonaro, hoje presidente da República pelo PSL, e a deputada federal Maria do Rosário (PT). Em 2014, na tribuna da Câmara, Bolsonaro disse que "não a estupraria porque ela não merecia".

A petista denunciou o parlamentar ao STF por crime de apologia ao estupro. Ele virou réu e teve que publicar uma nota de retratação à deputada e pagar uma indenização, após decisão judicial, neste mês de junho. Na época, a declaração feita por Bolsonaro no plenário foi repetida por ele em entrevista à imprensa, ou seja, fora do ambiente do Congresso Nacional.

Isso, para alguns ministros, segundo os votos no julgamento para recebimento da denúncia, já torna frágil a garantia da imunidade parlamentar. Entretanto, o que foi definitivo para a maioria dos integrantes do Supremo decidirem não amparar Bolsonaro com a imunidade e torná-lo réu é que a fala do ex-deputado não tinha relação com o mandato.

Cautela

O caso difere de outro analisado pela Corte em 2016, quando o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, denunciou o ex-deputado federal, Jean Wyllys (Psol), pelos crimes de calúnia, difamação e injúria, durante votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Na ocasião, o deputado do Psol chamou Cunha de "ladrão" e disse que a Câmara era conduzida por um "traidor, conspirador, apoiado por torturadores, covardes, analfabetos políticos e vendidos". A Segunda Turma do STF, no entanto, rejeitou a queixa de Eduardo Cunha.

Relator do caso, o ministro Gilmar Mendes apontou, primeiramente, o fato de que as declarações foram feitas no recinto da Casa Legislativa. Depois, que o conteúdo da fala de Jean Wyllys estava ligado ao mandato parlamentar, uma vez que Eduardo Cunha era a autoridade responsável por autorizar o processo de impeachment e, portanto, poderia ser alvo de críticas.

Neste mesmo julgamento, porém, Gilmar Mendes citou o ministro Luís Roberto Barroso ao ressaltar que a imunidade parlamentar não pode significar "irresponsabilidade" e que o "excesso de linguagem pode configurar, em tese, quebra de decoro", algo que deve ser enquadrado pela própria Casa Legislativa.

Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), a advogada Isabel Mota chama atenção para os excessos cometidos fora do ambiente parlamentar. Para ela, a imunidade não deveria alcançar esses casos, mesmo que a fala tenha vinculação com a função legislativa.

Fora da tribuna

"Eu acho que, naquilo que o deputado falar na tribuna, ele é livre. Os excessos devem ser apurados pela Justiça comum e enquadrados pelo Conselho de Ética. Fora da atividade parlamentar, ainda que ele esteja falando do mandato, a imunidade não deve se estender. Atribuir um crime a alguém, caluniar ou ofender fora da tribuna, não tem como alegar imunidade", considera.

No caso de André Fernandes, em que o deputado repetiu acusações feitas na tribuna nas suas redes sociais, Mota avalia que ele poderia não ser amparado pela imunidade. Para a advogada, o parlamentar deve ter cautela e não pode "abusar" da sua liberdade de expressão.

Especialista em Direito Eleitoral e Político, Rodrigo Martiniano, argumenta que, de acordo com entendimento atual do STF, a imunidade alcança o deputado em qualquer meio, inclusive nas redes sociais. Ele pondera os casos em que as declarações não têm conexão com a função ou não são "proporcionais".

A imunidade parlamentar, ressalta o especialista, possui limites. "Não devem ser admitidas ofensas pessoais, difamações à honra, bem como expedientes fraudulentos e acusações de crimes sem qualquer suporte fático e razoabilidade, apenas pelo deliberado intuito de macular a reputação de um deputado", opina.

Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor), o professor Filomeno Moraes frisa que a imunidade protege o parlamentar mesmo com "opiniões toscas, desagradáveis e ofensivas". Ele acredita que os abusos devem ser resolvidos pela via política.

Conselho de Ética

"A liberdade nas opiniões e palavras tem o limite que, politicamente, pertence à própria Casa Legislativa, nas situações em que se usa abusivamente das prerrogativas", afirma. "Tal é a problemática da quebra do decoro, que coloca o parlamentar no limite, sob o julgamento dos seus pares, com direito à ampla defesa e ao contraditório".

Na tribuna da Assembleia Legislativa, André Fernandes acusou colegas de envolvimento com facções criminosas, sem citar nomes. Em seguida, ele apresentou uma denúncia ao Ministério Público do Estado (MPCE), em que acusa Nezinho Farias (PDT) de envolvimento com a facção Primeiro Comando da Capital (PCC). O deputado pedetista nega irregularidades.

O diretório estadual do PSDB entrou com uma representação contra o deputado do PSL no Conselho de Ética da Assembleia, pedindo abertura de processo por quebra de decoro parlamentar. O PDT anunciou que vai ingressar com uma representação até a próxima segunda-feira (24). Outras siglas também avaliam acionar o órgão.

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