Bolsonaro reafirma críticas a medidas de isolamento social e governadores pregam diálogo

Em reunião, nesta quarta-feira (25), chefes dos Executivos estaduais voltaram a defender o isolamento social e reivindicaram suspensão de dívidas. Antes, o presidente bateu boca com Doria e insistiu na adoção do chamado "isolamento vertical"

Escrito por Redação ,
Legenda: A reunião dos governadores foi secretariada por João Doria na sede do governo paulista
Foto: Foto: Governo de São Paulo

Um dia após minimizar os riscos do coronavírus e se insurgir contra medidas de isolamento social, o presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) foi alvo de críticas, nesta quarta-feira (25), até mesmo de aliados, protagonizou bate-boca com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e, mesmo assim, voltou a defender o “isolamento vertical” apenas de brasileiros pertencentes a grupos de risco à Covid-19. No mesmo dia, todos os governadores do País decidiram ir na contramão do que sustenta o presidente e seguir as recomendações das autoridades de Saúde, reafirmando a manutenção de medidas de enfrentamento à pandemia que estão sendo tomadas nos estados.

Pela manhã, em entrevista coletiva na frente do Palácio da Alvorada, Bolsonaro reiterou o que disse no pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, na véspera, e disse esperar que o Brasil volte à normalidade e “encare o vírus até como se fosse um guerra, mas em situação de igualdade, em pé”. Ele voltou a criticar medidas tomadas pelos governadores para conter a disseminação do novo coronavírus. “O que estão fazendo no Brasil alguns poucos governadores e alguns poucos prefeitos é um crime. Estão arrebentando com o Brasil, estão destruindo os empregos”.

Na sequência de reuniões que tem realizado com governadores, ontem ele participou de videoconferência com os governantes dos estados do Sudeste. A reunião teve bate-boca e os discursos descambaram para questões políticas e eleitorais. O momento mais tenso foi protagonizado por Bolsonaro e Doria.

Bolsonaro acusou Doria de usar de “demagogia barata” e afirmou que, hoje, o tucano “não tem responsabilidade” e “não tem altura para criticar o Governo Federal”. O governador de São Paulo pediu que o presidente tenha “serenidade e equilíbrio” e ameaçou ir à Justiça contra o Governo Federal caso haja confisco de equipamentos e insumos voltados ao combate do coronavírus no Estado.

Pautas

A reunião de todos os governadores ocorreu mais tarde. Eles pediram a suspensão por 12 meses do pagamento das dívidas deles com a União. São Paulo e Bahia já obtiveram decisões no Supremo para não pagar por seis meses, desde que apliquem os valores no combate à pandemia. Participaram do encontro por videoconferência de duas horas e meia centrada no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, 26 dos 27 governadores – apenas Ibaneis Rocha (MDB-DF) não estava presente.

A carta final do encontro, que buscou ser propositivo e evitar críticas exacerbadas a Bolsonaro, recomenda a aprovação de um projeto urgente de renda mínima e a viabilização de recursos livres da União. Quer a redução da meta de superávit fiscal, que hoje na verdade é déficit permitido de até R$ 124,1 bilhões em 2020.

Também pede a aprovação no Congresso Nacional do chamado Plano Mansueto, elaborado pelo secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, que prevê acesso de estados e municípios a empréstimos da União tendo como garantia promessa de ajuste fiscal. 

O governador Camilo Santana (PT) fez um pronunciamento, nas redes sociais, após a reunião com os demais governadores do País. “Esse é um momento de unidade, de muita serenidade e de união. É necessário deixar de lado questões políticas, partidárias e ideológicas”, disse Camilo. Ele ressaltou ainda que o desejo dos governadores é pela “unidade e diálogo constante com o Governo Federal”. As críticas de Bolsonaro aos governadores não foram citadas no pronunciamento. 

Crítica pontual

No encontro, uma exceção pontual foi Wilson Witzel (PSC-RJ), governador do Rio de Janeiro, que foi mais duro sobre o posicionamento de Bolsonaro. “Qualquer decisão baseada no achismo está sujeita à responsabilização direta daquele que o faz”, afirmou o fluminense, ao defender que o País deva seguir orientações internacionais.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), voltou a criticar Bolsonaro pelas redes sociais. Ex-aliado do presidente, ele disse que Bolsonaro tem agido de maneira irresponsável e insensível ao atacar o isolamento defendido por governadores como forma de combater a disseminação do coronavírus. A atitude de Bolsonaro, de acordo com Caiado, “não faz parte da postura de um governante” e não será acatada.

O impacto econômico da crise dominou as intervenções de quatro minutos de cada governador. “Eu tenho muito medo dos reflexos econômicos. Tem cidade de 5.000 habitantes em quarentena, sem nenhum caso. Como é que vão ficar as pequenas e micro-empresas do País? Vai ter saque, como fica esse País?”, disse um aliado de Bolsonaro, Mauro Mendes (DEM-MT).

Já o governador de Roraima, Antônio Denarium (PSL), outro bolsonarista, citou João Doria e disse que “precisamos de harmonia e serenidade" na crise, repetindo com sinal trocado a frase do paulista pela manhã ao presidente.

Análise

Na avaliação da cientista política Monalisa Soares, as atitudes de Jair Bolsonaro devem continuar tensionando o relacionamento entre o Governo Federal e os Estados. O presidente voltou a apostar em um discurso minimizante da crise causada pelo novo coronavírus baseado em uma lógica do “ganha-ganha”, aponta a analista, professora do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC).

“Se resolver o problema, por conta do isolamento promovido pelos governadores, Bolsonaro vai poder dizer que era só uma ‘gripezinha’, enquanto se houver uma hecatombe econômica, o presidente poderá dizer que foi o único que se preocupou com isso. Bolsonaro fez uma aposta muito alta e os governadores estão respondendo de maneira drástica, à altura da fala do presidente”, analisa.

Se no início da crise o cenário era de omissão da Presidência da República quanto às medidas de combate a disseminação da Covid-19, com o pronunciamento da última terça, o quadro é outro.

“(Agora) É mais do que ausência, os governadores têm que se contrapor a tudo que o presidente tem falado”, explica Monalisa Soares. Ela fala, inclusive, em uma “forma prática de reorganizar o Pacto Federativo”, citando a reunião entre todos os governadores do País, independentemente de posicionamento dentro do espectro ideológico.

“Do ponto de vista prático, a gente está vendo uma situação em que quem ocupa a Presidência não atua em cooperação com governos estaduais, então os governadores precisam atuar para proteger as populações dos seus Estados”, afirma a professora, que lembra ainda que recai sobre os chefes de Executivo uma responsabilidade imediata, por estarem mais próximos das pessoas em cada território.

“O dilema é que os efeitos drásticos dessa crise ainda não apareceram. Então, pode ser que em breve, daqui a um ou dois meses, a gente tenha um ponto de ruptura (entre presidente e governadores) ainda mais radical”, projeta.

Carta do Nordeste

Antes da reunião de todos os governadores, ainda na tarde desta quarta, os governantes dos nove estados do Nordeste se reuniram e lançaram carta reafirmando a continuidade das medidas de combate à Covid-19 e criticando a postura de Bolsonaro em meio à crise sanitária.

Na carta, eles dizem que irão continuar tomando “medidas baseadas no que afirma a ciência  seguindo orientação de profissionais de saúde” e que estas serão revistas gradualmente de acordo com os registros informados pelos órgãos oficiais de saúde de cada região. 

Maia presente

Já na reunião de governadores de todo o País, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, também foi convidado, numa simbolização de unidade. Ele disse que o Governo Bolsonaro parece estar querendo criar pânico econômico para “obrigar parte da sociedade a acabar indo à rua” devido à crise do novo coronavírus.

Repúdio e ponderações na bancada cearense

Deputados federais cearenses criticaram o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, na noite da terça-feira (24), em que o chefe do Executivo pediu o fim do isolamento, a reabertura do comércio e das escolas, em meio à pandemia do coronavírus. Para parlamentares, o discurso demonstrou postura “irresponsável” ao minimizar a crise na saúde pública. Poucos membros da bancada federal do Ceará saíram em defesa da fala do chefe do Planalto.

O líder da bancada cearense, deputado Domingos Neto (PSD), afirmou que a Presidência da República precisa, no momento, orientar para o que é essencial: que as famílias fiquem em casa. “Ainda estamos em um momento crítico do confinamento, que é necessário, que deu certo em todo o mundo. Em um breve espaço de tempo, precisaremos diminuir esse confinamento, mas tem que ser de forma planejada”. 

O deputado André Figueiredo (PDT) disse que o presidente “não faz apenas pouco caso dessa grave pandemia, ele faz pouco caso da vida do povo brasileiro”. José Guimarães (PT) disse que “Bolsonaro coloca a população brasileira em risco”.

Heitor Freire (PSL), por sua vez, disse que “a intenção do discurso do presidente era a de tentar acalmar a população e não deixar a economia parar. Pena que ele não conseguiu passar a mensagem de forma adequada”. Freire disse, ainda, que é contra “qualquer tipo de tentativa de politização” da crise.

Já Dr. Jaziel (PL) afirmou que defende o isolamento sintomático e dos grupos de risco. “Se o isolamento for longo, poderá causar um grande mal para a classe trabalhadora”, sustentou. Senadores também comentaram o discurso de Bolsonaro. Tasso Jereissati (PSDB) classificou como “errático” o comportamento do presidente. Para ele, Bolsonaro está “sempre retornando a uma atitude beligerante”.

“Venho ao extremo de dizer que qualquer coisa no sentido oposto, mesmo que venha do presidente, não deve ser levada a sério. O que deve ser levado a sério são as orientações das autoridades sanitárias”.

O senador Eduardo Girão (Podemos) disse, em nota, que o momento exige, acima de tudo, “muito equilíbrio e serenidade de todos”. Ele pontuou que a maioria da população não tem reserva financeira para suportar mais de 30 dias de paralisação de atividades comerciais. “É preciso buscar também o equilíbrio entre o controle defendido pelas autoridades de saúde, se possível com a redução gradual e responsável do isolamento”, defendeu.

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