O amor nos tempos dos coléricos. Se as amizades e o almoço domingueiro de família foram abalados com a polarização política da última década, imagina agora durante as eleições municipais de outubro.
O debate mexe com o arrulhar dos pombinhos. O desafio é dos maiores, principalmente quando o casal se divide na escolha de candidatos.
Sim, com marido e mulher em lados opostos na contenda — valha-me Nossa Senhora Desatadora dos Nós! —, o risco de ruptura se renova a cada horário eleitoral gratuito. Até um meme é motivo de desatino nos lares doces lares.
Um casal amigo de São Paulo foi obrigado a fazer um pacto de sobrevivência amorosa. Interessante. Graças à sugestão de uma alma diplomática, combinaram não discutir mais política na presença um do outro. Até o noticiário da televisão passaram a ver em cômodos separados. Nas refeições, ficavam restritos ao protocolo mais elementar — “passa a salada”, “passa o azeite”, “passa a farofa” etc.
Tudo estava indo muito bem, até que ela resolveu fazer uma graça erótica com uma lingerie vermelha para o maridão.
“Comunista!”
A noite foi um fracasso na cama. O episódio virou folclore entre os conhecidos da dupla. A incendiária jura que não havia provocação alguma além da sedução caliente. Não o convenceu até agora. E não se fala mais nisso. Preservemos o amor, antes que seja tarde demais.
Você há de dizer, amigo zen e “deboísta”, bom mesmo era o tempo em que o país ainda não se dividia entre esquerda e direita, progressistas e conservadores, mortadelas e coxinhas. Não havia sequer os isentões. Todos portavam apenas uma bronca: com o técnico da seleção brasileira. Ninguém pensava em derrubar, golpear ou impichar o presidente. E o Chico Buarque, pasme, era unanimidade nacional verdadeira. Nessa época, a nossa instituição mais firme e respeitável era a turma do deixa disso, a TDDD.
Funcionava em regime de 24 horas. Uma garantia constitucional, constitucionalíssima.
Vestisse vermelho ou verde-amarelo, você contava com a TDDD para eventuais pendengas de botequim, peladas de futebol ou quermesses. No Brasil dividido desde as eleições de 2014, a turma saiu de cena.
Como faz falta tal turma diplomática nessa hora. Pela volta imediata dessa brava gente pacificadora. Agora teria um trabalho extra: mediar os confrontos nos grupos de WhatsApp das famílias. Aqui o bicho pega tanto quanto nas ruas.
Os avós, de certa forma, ainda tentam encarnar a turma do deixa disso. Sem sucesso com os adultos, na maioria das vezes. Irmão desconhece irmão. O risco bíblico de reedições caseiras de uma tragédia tipo Caim & Abel é constante. Que tempos.
Calma, gente, vamos encarar a campanha eleitoral da maneira mais democrática e civilizada possível. O amor fala mais alto. Depois a gente solta a risada de tudo isso.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.
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