Mulheres cientistas conduzem pesquisas de destaque no Ceará

Em alusão ao Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, liderado pela Unesco e pela ONU Mulheres, pesquisadoras relatam suas experiências desenvolvendo estudos em universidades cearenses

Escrito por Bárbara Câmara , barbara.camara@svm.com.br
Legenda: Cláudia do Ó Pessoa trabalha na UFC e estuda moléculas com potencial anticâncer.
Foto: Fabiane de Paula

A realidade idealizada em sonhos de infância colide com os desafios intrínsecos à condição de ser mulher na sociedade, ainda mais quando o sonho é atuar na ciência. Nesta terça-feira (11), a vivência de mulheres que atuam na busca por ampliar o conhecimento ganha novo significado.

Comemorado desde 2016, o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência recorda, em cada 11 de fevereiro, o trabalho desempenhado por pesquisadoras nas comunidades de ciência e tecnologia, e enfatiza que essa participação pode e deve ser fortalecida. O marco é liderado pela Unesco, junto a ONU Mulheres.

A afinidade pelo conhecimento começou cedo para Cristiane Melo, 44. Na época do colégio, as feiras de ciência eram sinônimo da conquista do primeiro lugar da turma. Anos mais tarde, na faculdade de Medicina Veterinária, surgiu o interesse pela área de reprodução, que a levaram a buscar bolsas de pesquisa e realizar projetos junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Hoje, a professora pesquisadora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) lidera estudos de biotecnologia, voltados à Agropecuária e Saúde Humana e Animal. Sua maior linha de pesquisa atual tem como base a água de coco.

"Ao longo do tempo, fomos trabalhando em um grupo grande de pesquisa. Em 2002, a gente conseguiu estabilizar a água de coco na forma de pó, e trabalhamos o produto mais estável na área de reprodução animal e agropecuária, multiplicando sêmen e embriões", explica. Mais tarde, o estudo avançou para a área de saúde, sendo utilizado na produção de uma pomada cicatrizante - ACP Derma.

Recursos

Outro grande projeto da pesquisadora trata-se de um produto que usa a água de coco em pó para fazer soluções de preservação de órgãos que serão utilizados para transplante. "A gente está no último modelo animal, antes de passar para o teste em órgãos de descartes humanos e conseguir substituir produtos importados, muito caros, por produtos locais", revela.

Segundo Cristiane, o foco mais recente tem sido a força de trabalho em cima de poucos recursos de fomento do Governo Federal. Ela explica que, caso a pesquisa seja proposta em parceria com uma empresa que vá desenvolver ações relacionadas ao tema em questão, é possível alocar mais recursos do Governo, desde que o estudo seja "alinhado com uma real demanda da sociedade".

Legenda: A pesquisadora Cristiane Melo lidera estudos de biotecnologia na Uece.
Foto: Fabiane de Paula

Em relação à presença de ambos os gêneros na área de pesquisa, Cristiane diz observar um equilíbrio entre ambos. O desafio para as mulheres, porém, é notável. "Ainda é muito forte essa questão de a mulher ser a principal responsável por cuidar da casa, dos filhos, então é difícil conciliar esse tempo com atividade na ciência", diz. "É preciso achar um tempo para cuidar de si, ter dedicação ao trabalho mas também ao lazer, às atividades físicas, religião. Se não, você adoece".

Ela avalia que se firmar como profissional nesse grupo foi difícil no começo da carreira. "Agora, podemos ser mais respeitadas pelo nosso conhecimento, não pela forma como aparentamos ser. Houve uma evolução muito grande".

A visão de Cláudia do Ó Pessoa, 53, aborda outra perspectiva. A professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do Laboratório de Oncologia Experimental percebe uma predominância masculina no universo científico, e afirma que "ter voz, mostrar que pensa e defender suas opiniões são desafios constantes".

Natural de Pernambuco, Cláudia se formou em Farmácia no ano de 1987. Ela conta que ansiava por conhecimento e esperava poder multiplicá-lo, inspirada nas pedagogas de sua família. Cláudia chegou ao Ceará em 1989 para fazer pós-graduação em farmacologia. O mestrado foi iniciado logo em seguida.

Ela coordena, junto a outro professor da UFC, uma pesquisa em parceria com o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos (NCI, na sigla em inglês), que investiga moléculas com potencial anticâncer. As moléculas têm origem em plantas ou animais marinhos.

"É uma pesquisa, de certa forma, ao acaso, porque a gente 'peneira' moléculas que tenham esse perfil e faz um processo de investigação, para confirmar se existe esse potencial anticâncer", diz. Devido à riqueza da biodiversidade no Brasil, ela destaca a importância de conhecer as riquezas naturais do país, e reconhecer seus potenciais na área terapêutica. No momento, o estudo avança em modelos animais, com base experimental.

Determinação

A pesquisadora revela que, por não ser cearense, precisou se esforçar em dobro para ser reconhecida no Estado, uma vez que não tinha referências locais no meio científico. "Para as mulheres que estão começando, eu digo que a determinação é primordial. Tenha foco e estabeleça estratégias para atingir objetivos e sua meta final", aconselha.

A mesma determinação se fez necessária para Flávia Telis, 44. A engenheira de materiais e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor) conta que sempre esteve ligada à pesquisa, desde a década de 1990, quando foi bolsista do CNPq. Atualmente, ela desenvolve uma pesquisa voltada à reciclagem de resíduos da construção civil.

"O nosso estudo é voltado para utilizar esse resíduo em substituição à areia comum. Para fazer obras, é retirada areia da natureza, então, por que não aproveitar um resíduo que já foi descartado e fazê-lo voltar para o ciclo produtivo?", pondera. A pesquisa segue o conceito de economia circular, que determina que a matéria prima não deve ser lançada em aterro ou lixões, e sim voltar a circular em cadeias produtivas.

Legenda: Flávia Telis é engenheira e professora na Universidade de Fortaleza.
Foto: Fabiane de Paula

A professora afirma que nunca notou predominância masculina no meio, que descreve como um campo misto. Porém, quando iniciou o doutorado em saneamento, ela estava grávida do segundo filho, e chegou a receber olhares de desconfiança. "Eu consegui provar que, mesmo sendo mulher, com filhos pequenos, eu poderia ser bem inserida". Para Flávia, cabe à mulher se impor em seu papel, e não aceitar ser rebaixada. "Quando a gente é criança, já tem uma cultura de dizer que mulher não é boa em matemática. A gente tem que quebrar isso desde cedo, a mulher pode assumir essas funções", afirma.

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