Depois da absolvição de policiais militares denunciados por estupro, advogadas compartilham estranhamento com decisão e detalham elementos que se configuram como crime sexual
Após uma jovem de 19 anos denunciar um caso de estupro ocorrido na cidade de praia Grande, São Paulo, a Justiça Militar absolveu os dois policiais militares envolvidos, justificando a decisão pela falta de resistência da mulher. Com esse veredito, advogadas ponderam: é necessário que a vítima apresente resistência ao ato sexual para uma ocorrência ser considerada crime de estupro?
De acordo com o art. 213 do Código Penal Brasileiro, a resposta seria não. O documento detalha que o crime de estupro ocorre quando o agente constrange alguém, podendo ser homem ou mulher, "mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou a permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso".
A decisão causa espanto por conta da própria descrição que traz dos fatos, mas sobretudo por culpabilizar a vítima”
No dispositivo do Código Penal que tipifica o crime de estupro não existe nenhuma menção à exigência de um determinado comportamento ou à capacidade de resistência da vítima. “Não se exige da vítima de estupro que ela grite, resista, tente fugir, nada disso”, reforça Susi Castro, que também é presidente da Comissão de Direito Militar da OAB Ceará.
Dentre os elementos que configuram o crime estão:
O constrangimento decorrente de violência ou grave ameaça;
Dirigido contra uma pessoa (homem ou mulher);
Para ter a conjunção carnal, ou a praticar, ou a permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso
Para ela, o fato de a vítima estar dentro de uma viatura em movimento, acompanhada de dois policiais armados, se configura como uma situação na qual “pouca ou nenhuma reação de resistência se poderia esperar, muito menos exigir, da vítima”, aponta.
No caso de mulheres que passam por esse tipo de violência, Susi compartilha que o estupro pode impossibilitar fisicamente qualquer reação da vítima. Além disso, a grave ameaça também pode ser psicologicamente paralisante.
Nesse caso, Susi detalha que a decisão da Justiça Militar aponta que a vítima detalhou a prática do sexo oral como "fruto de violência do policial", e que "depreende-se de sua versão que a vítima ficou intimidada pelo fato do corréu estar armado."
No entanto, a decisão considerou que a vítima consentiu o ato por "não fazer nada para se livrar da situação." Nesse cenário, a presidente da Comissão de Direito Militar considera que a palavra da vítima deveria ter sido creditada.
Da mesma forma, a advogada e mestranda em planejamento e políticas públicas da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Vanessa Venâncio, acredita que o relato da vítima deveria ter tido peso na decisão final. Para ela, essa decisão da Justiça Militar reforça o discurso para criminalizar a própria vítima.
Quando se trata de crime de estupro não é difícil a gente se deparar com esse tipo de situação, de tentar colocar a vítima como um fator provocador da situação. E não é”
Estímulo às políticas públicas
Na perspectiva de Vanessa, decisões judiciais assim desencorajam as mulheres a realizarem a denúncia. “Além de quase dar uma certeza de determinada imunidade e desmotivar pelo medo de exposição”, detalha.
A fim de garantir uma justiça mais efetiva, Vanessa acredita que os debates sobre direito das mulheres, feminismo, estupro e outros detalhes desse processo deveriam ocorrer com mais frequência e profundidade. “Tem que ter uma evolução enquanto sociedade”, diz, acreditando também na importância de políticas públicas.
“A forma de tentar amenizar isso é através de maior implementação e instalação de políticas públicas de proteção às mulheres, quanto para tentar acompanhar esses casos, quanto dar maior segurança para irem adiante”, diz a advogada.
Equipamentos de Proteção
No Ceará, a Casa da Mulher Brasileira é um dos instrumentos públicos e gratuitos, com funcionamento 24h, que oferece uma rede de apoio às mulheres vítimas de violência.
A mestre em Direito pela UFC Susi Castro recomenda a busca pelas seccionais da OAB, que contam com comissões temáticas que podem orientar e acompanhar o processamento de tais casos.
A advogada Vanessa Vênancio também destaca que, no caso das vítimas de violência sexual não poderem recorrer à Casa da Mulher Brasileira, devem procurar os aparatos mais próximos de seus municípios, como as delegacias especializadas de violência contra a mulher.