Homeopatia pode deixar de ser reconhecida como especialidade pelo CMF

Prática é regulamentada no Brasil desde os anos 1980 e é oferecida também pelo SUS

Escrito por Diário do Nordeste/Estadão Conteúdo ,
Legenda: Países, como Austrália e Reino Unido, já aboliram a terapia dos seus sistemas públicos de saúde
Foto: Shutterstock

A homeopatia pode ter seu reconhecimento como especialidade médica revisto no Brasil, a partir de nova análise de estudos científicos, conforme declarou ao Estadão o 1.º vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Jeancarlo Cavalcante.

Regulamentada como especialidade  pelo CMF desde 1980 e pelo conselho de especialidades da Associação Médica Brasileira em 1990, a prática é controversa e criticada por cientistas pela falta de evidências científicas. O conselho brasileiro diz que nova análise de evidências será feita.

Veja também

"O CFM reconhece essa especialidade. Porém, como órgão regulador, está aberto para novas discussões. Caso as evidências sejam questionadas, nada impede uma nova análise. Eu vou pedir para minha equipe coletar essas evidências (sobre a ineficácia da homeopatia) e vou levar à apreciação dos conselheiros", disse Cavalcante à reportagem após ser designado pelo conselho como porta-voz sobre o tema.

Um dos mais importantes estudos que reduziram a crença da comunidade científica no método foi publicado no periódico Lancet, em 2005. O trabalho era uma análise de vários estudos robustos já feitos sobre o tema. Foram avaliados 220 ensaios clínicos e a conclusão foi que a evidência de eficácia da homeopatia "era fraca" e que os seus eventuais efeitos eram placebo.

Após o estudo, o Lancet publicou um editorial intitulado "O fim da homeopatia", no qual lembrou que a prática acumulava "150 anos de descobertas desfavoráveis". Nos anos seguintes, vários países aboliram a terapia dos seus sistemas públicos de saúde, como Austrália e Reino Unido. 

O presidente da AMB, César Eduardo Fernandes, disse que a entidade defende a homeopatia por ser uma especialidade regulamentada no País e por ter passado pelos trâmites necessários para o reconhecimento, mas disse que a associação irá "se debruçar" sobre os estudos que contestam a eficácia da prática e, se achar pertinente, debaterá o tema entre a sua diretoria.

"Por ora, é uma especialidade que existe por lei, não estão cometendo nenhum ilícito. Enquanto AMB, temos que entender um pouco melhor, chamar a associação de homeopatia para que traga as comprovações que se façam necessárias", explica o presidente da AMB. 

Homeopatia no SUS

No Brasil, a homeopatia é oferecida no SUS. Questionado sobre a falta de evidências científicas sobre a eficácia da prática, o Ministério da Saúde afirmou que a atual gestão da pasta "valoriza a ciência sem deslegitimar os saberes tradicionais - especialmente dos povos que vivem no Brasil, como indígenas e quilombolas - que também devem ser valorizados".

Disse ainda que a implementação das PICS (Práticas Integrativas e Complementares, que incluem homeopatia, acupuntura e outros métodos controversos) no SUS "contribui com a integração entre a medicina moderna e as práticas tradicionais" e que elas "não substituem tratamentos convencionais, e sim os complementam com mais ofertas de saúde para a população".

Segundo o ministério, entre 2018 e 2022, foram realizados 128 231 atendimentos homeopáticos na rede pública de saúde.


Cresce número de homeopatas 

A homeopatia teve um crescimento de 21% no número de profissionais médicos nos últimos dez anos, mas tem perdido espaço entre recém-graduados e médicos mais jovens, conforme estudo Demografia Médica, feito pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em parceria com a Associação Médica Brasileira (AMB).

A especialidade é a que tem média etária mais elevada entre as 55 áreas de atuação reconhecidas pelo conselho. Enquanto a média geral de idade dos profissionais médicos no País é de 45,9 anos, entre os homeopatas, é de 62,4 anos.

Ainda de acordo com o levantamento, atualmente são 2.973 registros de homeopatas nos conselhos regionais de medicina e 2.766 médicos dessa especialidade atuando no Brasil - o número de registros é diferente do de médicos porque um profissional pode ter registro em mais de um Estado.

Chama a atenção o fato de o Brasil ter mais registros de médicos homeopatas do que de especialistas em áreas com demanda crescente, como geriatras (2.670 registros), mastologistas (2 912) e coloproctologistas (2.414).

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo