Quem matou o pedreiro 'Tico'? Conheça história da família que busca autores do crime, há oito anos

A família da vítima acredita que três policiais militares são os responsáveis pelo homicídio. No entanto, os agentes foram inocentados pela Justiça

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
tico pedreiro
Legenda: Testemunhas disseram ter presenciado os policiais militares abordando 'Tico' de forma truculenta.
Foto: Arquivo Pessoal

13 de fevereiro de 2014. Francisco Ricardo Costa de Sousa estava a caminho da casa da mãe, na Maraponga, para o almoço. Faltavam quatro quarteirões para o pedreiro 'Tico' encontrar a família, quando foi abordado por uma viatura do Ronda do Quarteirão. Aquele foi um dos últimos momentos que 'Tico' foi visto com vida.

As horas seguintes do mesmo dia marcaram o início de uma história angustiante. Antônia Costa de Sousa se perguntava onde foi parar o irmão, que sequer avisou porque não foi ao almoço. A notícia de que ele foi visto sendo agredido e colocado dentro de uma viatura da Polícia intrigou a mulher, que passou a 'investigar por conta própria' o que tinha acontecido.

No fim da tarde daquele dia 13, 'Tico' foi encontrado morto. Deu entrada no Frotinha da Parangaba, já sem vida. Quanto Antônia soube que ele foi levado até a unidade hospitalar, dentro de uma viatura, e "jogado em uma maca", suspeitou que os responsáveis pela morte eram aqueles policiais da abordagem. Três militares foram investigados, indiciados, denunciados e levados até ao Tribunal do Júri. Ao fim do rito do processo, inocentados, por decisão dos jurados. Ali, era o recomeço do empenho de uma família por buscar nomes e atribuir culpa aos envolvidos na morte de 'Tico'.
 

O pedreiro era pai de cinco filhos e não tinha antecedentes criminais

"POR QUE MATARAM MEU IRMÃO?"

Antonia Costa de Sousa é exemplo de quem ressignificou o luto em sede por 'Justiça'. Oito anos depois, ela se vê permanente em uma certeza: "foram aqueles policiais que mataram meu irmão". A acusação recorreu da sentença de absolvição proferida no 1º Grau do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), em setembro de 2016.

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O processo passou pelo 2º Grau do TJCE e, em 2020, chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). No último mês de junho, o ministro e relator Sebastião Reis Júnior, negou provimento do recurso especial. A recente decisão mantém os PMs, de identidade preservada, na condição de inocentes.

"Na hipótese, observa-se que o Tribunal de origem, após aprofundada análise dos elementos constantes dos autos, concluiu, de modo fundamentado, que as provas coligidas foram apresentadas em Plenário e que, embora o Parquet local entenda equivocada a versão acolhida pelos jurados, no sentido de negativa de autoria, essa encontra respaldo nos interrogatórios dos réus, tendo o Conselho de Sentença optado pela tese que mais lhe pareceu verossímil, rejeitando, com isso, a versão acusatória".

Se a Justiça diz que não foram os militares os responsáveis pelo homicídio de Francisco Ricardo, quem matou a vítima em 13 de fevereiro de 2014? Para a família de 'Tico', não se trata da investigação ter apontado os 'suspeitos errados', e sim a "acusação não ter sido feita como deveria!", resultando em "uma injustiça que precisava ser revista", conforme Antônia.

O DIA DO CRIME

Testemunhas disseram ter presenciado os policiais militares abordando 'Tico' de forma truculenta. A informação que chegou até a família é que os policiais apontaram para Francisco já gritando: "é ele, é ele". A vítima teria tentado dizer que não respondia a nada, que não cometeu crime, mas foi colocado a força dentro da viatura.
 
A bicicleta onde vinha o pedreiro foi jogada no chão: "um senhor tentou dizer que meu irmão era cidadão de bem, mas o comandante da viatura pegou a bicicleta dele, jogou e mandou guardar, dizendo que para onde ele ia, não ia precisar de bicicleta nenhuma", diz Antônia.

"Foram avisar a gente o que tinha acontecido. Eu ainda corri para tentar ver ele. Estranhei quando falaram que ele foi preso. Quando cheguei na rua, a viatura não estava mais lá. Meu irmão já tinha sumido"
Antonia
Irmã da vítima

Enquanto parte dos irmãos procuravam pessoalmente nos arredores do bairro, outros ligavam para Ciops e delegacias da região. Ninguém sabia dizer o que havia acontecido com Francisco Ricardo Costa de Sousa.
 
"Foram horas de busca. Muita gente da família procurando. Eu pensava: se sumiram com o meu irmão, a Polícia tinha que dar conta. Liguei para Ciops de novo e disseram que a gente começasse a procurar nos hospitais. Se não encontrasse nos hospitais, ele estava no IML".
 
Já no fim da tarde, uma ligação da própria Polícia indicou que um homem com a mesma identificação tinha dado entrada no Frotinha da Parangaba. A ordem era que alguém da família comparecesse com urgência ao Frotinha.
 
"Eu pensei logo: o Tico tá morto Se uma viatura pegou ele e agora ele está em um hospital, por que mataram o meu irmão?", questionou Antônia. A família recebeu oficialmente a notícia e pediu para ver o corpo.

"Meu irmão estava todo machucado, cheio de areia. Ele não tinha levado tiro. Ele foi torturado e espancado até morrer. Um maqueiro falou que os policiais chegaram no Frotinha, abriram a viatura e já botaram ele lá, morto. Foi ele quem estranhou a atitude e avisou a assistente social"
Antonia

A família precisava entender o que havia acontecido nas horas antes. Procuraram pelas câmeras nas ruas onde aconteceu a abordagem e no entorno. Acionaram a Polícia Civil, que perguntou se havia algum local onde pudessem ter levado a vítima. Foi quando um irmão de Francisco lembrou de um campo, na Maraponga.

caso tico
Legenda: "A gente acha sim que teve algumas falhas no processo. Já fazem oito anos. São oito anos que eu busco Justiça e se for preciso eu fico mais oito anos, fico o tempo que for preciso até ter respostas. Eu vou recorrer até quando puder", diz a irmã da vítima
Foto: Arquivo Pessoal

 
"Um irmão meu encontrou uma pessoa que andava por esse campo e o homem disse que viu uma pessoa com as características do Tico. Ele contou que ficou embaixo de uma mangueira vendo os policiais baterem nele. Que tinha reconhecido meu irmão pelo jeito dele e por um relógio que ele usava. Disse que não foi lá ajudar porque imaginou que iria apanhar também", conta Antônia.

Inconformada com o crime, a família cobrou das autoridades respostas e buscou no entorno do bairro saber se alguém conhecia aqueles policiais.

 
"Nós descobrimos que o irmão de um dos policiais tinha um lava-jato. Eles levaram a viatura até esse lava-jato para ser toda lavada. Tentaram tirar os vestígios, mandaram limpar tudo. Por isso que o corpo do meu irmão estava todo molhado". O trio de agentes foi afastado do policiamento ostensivo e passou a ser investigado. Dias depois, foram detidos.

INVESTIGAÇÃO

Os PMs foram acusados e pronunciados. Conforme denúncia do MP, o pedreiro foi confundido com um assaltante e colocado na viatura pelos PMs do Ronda do Quarteirão, levado a um matagal e espancado. A vítima morreu em decorrência de um politraumatismo.

Consta no laudo da Perícia que 'Tico' teve edema cerebral, fratura em sete costelas do lado direito e seis do lado esquerdo, perfuração do fígado e lesão pulmonar. Tudo teria sido provocado por um objeto contundente, semelhante a um cassetete. Também foram encontrados vestígios de sangue nas fardas dos militares.

Ao longo do processo, surgiu a informação de uma outra viatura, da Polícia Civil, supostamente envolvida no mesmo dia da abordagem da vítima. Antônia disse que a família temeu que a suspeita interferisse em uma absolvição dos militares denunciados e pediu a retomada da investigação para apurar sobre aquela segunda viatura.
 
O processo correu. Dois dias antes do júri, outro promotor assumiu a acusação. "De novo a gente pediu para adiar o dia do júri. Mas disseram pra gente que não precisava, que ia dar tudo certo. O julgamento começou 9h e terminou 15h. O promotor trabalhou bem, mas eles foram inocentados por conta dessa informação da outra viatura. O júri ficou indeciso em culpar eles", diz a irmã.
 

"Eu nem dormi nesse dia. Liguei para a primeira promotora. A gente pediu tanto para colocarem no processo sobre essa outra viatura. Ela falou que ia recorrer da decisão e que ia para segunda instância, que lá eles provavelmente iriam ser condenados. Um tempo depois, veio a decisão e o processo foi para Brasília".

Do fim de 2020 até este ano, o caso esteve no Superior Tribunal de Justiça. Os militares permaneceram inocentados por decisão na instância superior. Antônia teme que o caso seja arquivado e que a família fique sem respostas sobre quem é o culpado pela morte.
 
"A gente acha sim que teve algumas falhas no processo. Já fazem oito anos. São oito anos que eu busco Justiça e se for preciso eu fico mais oito anos, fico o tempo que for preciso até ter respostas. Eu vou recorrer até quando puder", afirmou Antônia.

ATUAÇÃO DAS AUTORIDADES

A reportagem recebeu informação que os PMs seguem na Corporação, atuando em função administrativa. A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos da Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) afirma que, no que dependia ao órgão, ficou decidida a expulsão dos três militares.
 
"O processo disciplinar foi finalizado e a decisão de expulsão dos quadros da Polícia Militar publicada no Diário Oficial de 3 de outubro de 2014", segundo a CGD. A PMCE foi procurada a fim de dizer se por força de liminar, teriam os policiais retornado ao serviço. A Polícia não respondeu até a publicação desta matéria.
 
Já o MPCE diz ter exercido atentamente o seu papel. O órgão afirma ter atuado em todas as três instâncias de julgamento e que interpôs os recursos cabíveis, "contudo, em julgamento perante o Tribunal do Júri, entenderam os jurados que não houve prova suficiente para condenação ao acatarem a tese de negativa de autoria".
 
 
 
 
 

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