Professor de Fortaleza muda rotina após ameaças e entra em programa estadual de proteção

O ativista é uma das 80 pessoas incluídas no Programa Estadual de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, da Secretaria da Proteção Social

Escrito por Messias Borges e Beatriz Irineu , messias.borges@svm.com.br
Com 20 anos de militância, o professor viu os ataques aumentarem após liderar a ocupação de um terreno, no bairro Henrique Jorge, em Fortaleza, em 20 de maio deste ano
Legenda: Com 20 anos de militância, o professor viu os ataques aumentarem após liderar a ocupação de um terreno, no bairro Henrique Jorge, em Fortaleza, em 20 de maio deste ano
Foto: Arquivo Pessoal

As ameaças se tornaram rotineiras na vida de um professor de Ciências de Fortaleza. Diogo Negritude, como é conhecido, é uma das 80 pessoas incluídas no Programa Estadual de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (PEPDDH), da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos do Ceará (SPS). "Agressões pelas redes sociais não faltam", revela o professor, que pede para ser identificado na matéria, por acreditar que assim estará mais protegido.

Diogo detalha que, nas redes sociais, "de dez ameaças, nove são de perfis 'fakes' e um mostra a cara. Falam 'eu sei onde tu mora, tu vai levar um p*". Já disseram até que eu sou responsável pela morte de uma mulher grávida, o que não aconteceu, mas espalharam essa 'fake news'".

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O professor de Ciências teve que mudar a sua rotina, por medo. "Eu já vinha sofrendo ameaças. Vi carros brancos parados, próximos à minha casa. Agora, eu coloquei duas câmeras na porta da minha casa. Eu só abro o portão quando eu olho pras câmeras primeiro. Para ver se é algum companheiro nosso precisando de atendimento", relata.

"Hoje já estou desenvolvendo alguns hábitos para minha segurança pessoal. Divulgação de qualquer encontro social (nas redes sociais), eu só faço após o término. Antes eu divulgava durante. E tem alguns eventos que eu não vou", acrescenta. 

"Tenho medo, porque se alguém pensar em fazer algo para me assassinar tem vários álibis. O nosso nome é ventilado por aí, só Deus sabe como, e eu tenho a medição disso pelas redes sociais", acrescenta Diogo Negritude, que acredita que a sua atividade militante desagrada muitas pessoas.

A inclusão do seu nome no Programa Estadual de Proteção trouxe mais segurança para o seu dia a dia. "Eu me sinto mais seguro. Como é uma força estatal, eu acredito que todo o Estado está sendo monitorado, a favor de proteger esses defensores dos Direitos Humanos. Estou mais otimista, mais confiante", revela.

Segundo Diogo, o PEPDDH garante a sua segurança em eventos e manifestações: "Toda vida que eu vou fazer uma reunião, um encontro, um ato, eu informo ao Programa e eles vão ver qual tipo de situação vão me oferecer, para manter a minha integridade física e emocional, no momento, através de uma Polícia Comunitária".

Pedido de prisão por violação de domicílio

Além de professor, Diogo Negritude coordena o projeto social Igualdade para Todos, "que é um projeto que estimula as pessoas a buscarem seus direitos constitucionais, como a moradia digna, a saúde, a educação, o trabalho, a proteção social e a segurança alimentar".

Com 20 anos de militância, o professor viu os ataques aumentarem após liderar a ocupação de um terreno, no bairro Henrique Jorge, em Fortaleza, em 20 de maio deste ano, com 250 famílias. No dia seguinte, eles foram expulsos a tiros por cerca de 15 homens encapuzados. Um amigo de Diogo foi baleado no peito, mas sobreviveu; outras pessoas foram agredidas e torturadas, segundo o professor.

A Polícia Civil do Ceará (PC-CE) e o Ministério Público do Ceará (MPCE) pediram pela prisão de Diogo por violação de domicílio, mas a Justiça Estadual determinou a aplicação de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica.

[Atualização - 21/07/2022, às 11h14] Ao contrário do que foi inicialmente publicado, o professor não chegou a ser preso. Os pedidos de prisão foram rejeitados pela Justiça, que decidiu pela aplicação das medidas cautelares.

No último dia 12 de julho, a 2ª Vara Criminal de Fortaleza revogou as medidas cautelares impostas ao professor, ao considerar que o Inquérito Policial se encontrava paralisado há 50 dias, "não tendo mais havido nenhuma nova diligência"; que "a autoridade policial, apesar de lhe imputar uma série de condutas ilícitas, não traz nenhum elemento de informação mínimo de autoria"; e que ele "não possui nenhum registro criminal precedente".

E ainda que Diogo "agiu de boa fé, haja vista que iniciou demanda administrativa na prefeitura de Fortaleza, para que se procedesse á desapropriação do terreno" e que "pessoas que se encontravam na ocupação do imóvel foram alvejadas por disparos de arma de fogo desferidas por homens encapuzados, restando algumas vítimas feridas".

Diogo reforça que o direito à propriedade é previsto na Constituição Federal. "Se existe uma terra improdutiva, de função rural, ou se existe uma área sem edificação ou sem função na região urbana, o Estatuto da Cidade, criado em 2001, determina a desapropriação de terrenos ou imóveis desocupados para destinar à moradia".

O que é o PEPDDH?

A Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos do Ceará explicou, em nota, que o Programa Estadual de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos "articula medidas para a proteção de pessoas ou grupos que militam pelos Direitos Humanos e, em razão desse ativismo, encontram-se em situação de risco, vulnerabilidade ou ameaça. O programa integra o Sistema Estadual de Proteção à Pessoa".

Segundo a SPS, "com uma equipe multidisciplinar de atendimento, o PEPDDH traça medidas protetivas em conjunto com a pessoa ameaçada e com seus coletivos de organização. Neste sentido, o Programa constrói processos compartilhados de proteção e autoproteção visando colaborar na continuidade da atividade da defensora e do defensor de direitos humanos em seu local de origem".

Para garantir essa proteção, o Programa se utiliza de meios diversos: articulação de políticas públicas; formalização e monitoramento de ações no Sistema de Justiça; formalização e monitoramento de ações de segurança pública que auxiliem na desarticulação e responsabilização dos agentes ameaçadores; e orientação sobre cuidado com a rotina, visando a autoproteção."
Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos do Ceará
Em nota

O Programa Estadual de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos conta com 80 defensoras e defensores dos Direitos Humanos protegidos, dos quais, de acordo com a Secretaria, "a maior parte dos casos são referentes à defesa da terra ou território, como é o caso dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais".

A coordenadora do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (NUAVV), do Ministério Público do Ceará (MPCE), promotora de Justiça Socorro França - que faz muitos pedidos de inclusão no PEPDDH - acrescenta que a diferença deste Programa para os outros três programas de proteção da SPS é que "os demais retiram as pessoas do local da ameaça, e o PEPDDH não, a pessoa permanece, mas é monitorada por uma equipe, justamente para não prejudicar a militância daquela pessoal no local".

Tira-dúvidas sobre o Programa de Proteção

• Quem são as defensoras e defensores dos Direitos Humanos protegidos?

SPS - "São pessoas que promovem e defendem direitos humanos a partir da atuação em movimentos sociais, organizações, grupos ou mesmo isoladamente. O Ceará registra caso de feministas, indígenas, pescadores, ambientalistas entre as pessoas que já integraram o programa.  

Nesse perfil estão também incluídos, conforme Portaria 300/2018 do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comunicadores que, na defesa do direito de comunicação e a liberdade de expressão e de imprensa, podem sofrer ameaças e situações de vulnerabilidades."

• Em que consiste as ameaças?

SPS - "São atentados que têm pretendem impedir a continuidade da atividade dessas pessoas. Essas ameaças podem ser indiretas, atingindo familiares, amigos ou membros do grupo do qual faz parte. A intimidação pode atentar contra a integridade física, psíquica, moral, econômica ou a liberdade cultural ou de crença."

• Toda defensora ou defensor pode ser incluído no Programa?

SPS - "O Programa trabalha com um perfil de defensoras e defensores. Não é perfil do Programa casos em que essas pessoas não demonstrem trajetória na luta pelos direitos humanos:

     - seja ameaçada/ameaçado, ou tenha seus direitos violados por questões pessoais, alheias a uma atividade de militância;

     - não concorde com as regras estabelecidas pelo PEPDDH;

     - conflitos internos entre indivíduos, instituições, grupos, entidades ou associações que defendem a mesma causa;

     - seja testemunha de crimes;

     - ameaças decorrentes de interesses privados;"

• Como solicitar inclusão no Programa?

SPS - "A solicitação pode ser feita pela própria defensora ou defensor de direitos humanos. Caso o envolvimento seja de um grupo ou coletivo, qualquer membro desta organização pode solicitar atendimento. 

Esse pedido também pode ser feito por Delegado de Polícia, membros do Ministério Público, Defensor Público, Juiz ou Conselhos de Direitos; por entidades públicas ou privadas que atuam na defesa dos direitos humanos."

• Quais os requisitos para a inclusão?

SPS - "A pessoa ou grupo que solicitar entrada no programa de proteção deve apresentar evidências de que atua na defesa dos direitos humanos. Além disso, é preciso:

      - ter identificadas situações de risco, ameaça, vulnerabilidade ou violação sofrida pelo defensor;

      - relacionar esses riscos e ameaças à sua atividade de promoção ao defesa de direitos humanos;

      - concordar com as normas do PEPDDH."

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