Por que mais adolescentes cometeram atos infracionais no Ceará nos últimos dois anos

Índice de jovens apreendidos em flagrante cresceu 35%. Autoridades destacam preocupação com participação de adolescentes em facções

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
adolescentes infratores
Foto: Unidade de Arte/SVM

A escalada da violência no Ceará envolve diretamente adolescentes em conflito com a Lei arregimentados desde cedo para compor facções criminosas. Conforme dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), aumentou 35% o número de jovens com idade entre 12 a 17 anos apreendidos em flagrante.

Enquanto em janeiro de 2021 foram 238 detidos, em igual período deste ano o número saltou para 321. Destes últimos, 29 foram flagrados por ato infracional análogo ao porte ilegal de arma de fogo, o que costuma caracterizar ações de maior potencial ofensivo, e com risco à vída da vítima.

Para especialistas, é uma sequência de fatores que faz com que um jovem se renda às práticas ilícitas. Ausência de políticas públicas eficazes, sensação de impunidade, a não-responsabilização penal,  necessidade de aceitação no meio e até mesmo a pandemia, quando escolas e espaços de lazer foram fechados, contribuem para o aumento dos capturados.

Uma das apreensões mais recente e que repercutiu devido à gravidade do ato aconteceu na última quinta-feira (3). Policiais militares capturaram um adolescente suspeito de cometer Ato Infracional análogo ao crime de homicídio contra o próprio irmão. A captura ocorreu no município de Lavras da Mangabeira, Interior do Ceará.

"Conforme levantamentos policiais, um adolescente de 16 anos havia desferido golpes de faca contra o próprio irmão de 19 anos. A vítima não resistiu aos ferimentos e morreu no local. Diante do flagrante, o adolescente foi conduzido para a Delegacia Regional de Iguatu. Conforme oitivas, vítima e suspeito já haviam se desentendido antes do delito", disse a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). 

QUEM COLOCA UMA ARMA NA MÃO DE UM ADOLESCENTE?

A diretora do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV), Arlete Silveira, afirma que além dos casos pontuais, a entrada dos adolescentes em facções é fator preocupante para as autoridades: "eles começam mais cedo a cometer atos infracionais e existe uma sensação de impunidade na sociedade como um todo".

A delegada diz que é comum o jovem admitir culpa por atos, que sequer foi ele diretamente que cometeu, em troca de subir na hierarquia do grupo armado, ou até mesmo para resguardar a própria vida.

"O adolescente precisa sentir a questão do pertencimento, então ele encontra essa sensação nesses grupos. A criminalidade organizada é quem bota a arma na mão desse jovem. Muitas vezes o adolescente fica no meio de uma situação e assume tudo para si", pondera Arlete.

O promotor Leo Junqueira, da 5ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude de Fortaleza, concorda e acrescenta a questão dos adolescentes estarem cada vez mais envolvidos em graves delitos.

"Um adolescente não anda com uma arma de fogo para não fazer nada. Ou ele pertence a uma facção criminosa ou é para roubar. Muitos dizem ainda que só andam armados para se proteger, mas quando vamos ver de perto, não é só isso. Fortaleza hoje é toda dividida por facções criminosas e isso influencia até mesmo no estudo dos jovens que não podem frequentar qualquer escola, se ela estiver localizada no território do inimigo"
Leo Junqueira
Promotor

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O sociólogo e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luiz Fábio Paiva, acrescenta que há no Ceará, desde os últimos anos, uma situação difícil na qual os coletivos criminais criaram um processo de assédio aos jovens. Por isso, de acordo com o especialista, o problema de mais jovens estarem envolvidos em práticas ilícitas não pode ser enfrentado só como um problema de Polícia, mas precisam ser observadas as raízes sociais.

"Quando falamos de adolescentes envolvidos em atos infracionais precisamos considerar o contexto situacional. Em que situação o adolescente se envolveu para que isso acontecesse? Eu desconheço que adolescentes fabriquem armas, controlem grandes esquemas de tráfico de drogas, criem determinados grupos. Em geral eles são absorvidos pelas dinâmicas criminais", destaca o sociólogo

A diretora do DPGV e o promotor afirmam ainda que a escola funciona como um fator de blindagem para os adolescentes. "Temos comprovação estatística que a sala de aula afasta os adolescentes dos atos infracionais", pondera Arlete. Já Leo Junqueira destaca que "fora da escola e morando em periferia, é uma soma que resulta em mais chances de estar nas ruas, ocioso e em contato com traficantes".

PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA

Para Luiz Fábio, não se pode normalizar o ato infracional e é preciso entender as histórias, encarar os problemas e pensar nas soluções: Temos política para juventude que me parece não alcançar e não impedir esse envolvimento. Investir na área de educação, usar políticas públicas, estruturas que já existem", exemplifica.

O Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis da Polícia Civil do Ceará tem um trabalho com intuito de prevenir todos os tipos de violência. De acordo com Arlete Silveira, o ato infracional costuma estar relacionado à vulnerabilidade dos homicídios.

Atualmente, Conselho Tutelar, Defensoria Pública e Ministério Público Estadual são quem encaminha o jovem ao programa. Em breve, segundo a delegada, será inaugurado em Fortaleza o Núcleo de Atendimento Integrado (NAI) para incoporar o programa.

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