Homem que atirou na esposa e a jogou em viaduto foi considerado alcoólatra e pode ter pena reduzida

Laudo psiquiátrico aponta que o réu por feminicídio apresentava elementos indicativos de um quadro de dependência moderada. Família da vítima contesta e pede Justiça

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
feminicidio fortaleza
Legenda: Policiais seguiram o suspeito, que tentou fugir no veículo. O homem foi encaminhado ao IJF
Foto: Leabem Monteiro

Um laudo psiquiátrico pode levar a uma reviravolta na ação penal, na qual Carlos Alberto Soares Capistrano é réu por feminicídio e resultar em uma pena reduzida, quando sentenciado na Justiça Estadual do Ceará. O homem acusado de disparar contra a esposa e jogar a vítima de um carro em movimento, no viaduto do Antônio Bezerra, foi considerado com quadro de dependência moderada à época do crime.

A defesa do acusado atualmente recluso na Unidade Prisional Irmã Imelda, Região Metropolitana de Fortaleza, alegou nos autos que Carlos apresentava transtornos mentais e não teria completa consciência sobre seus atos, em janeiro de 2020, data do crime.

Um laudo recém-assinado por uma médica de uma cooperativa de psiquiatras contratada pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) concluiu que o examinado tem sinais e sintomas compatíveis com o diagnóstico de transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool, e tinha capacidade de entendimento e autodeterminação reduzida quanto ao ilícito cometido.

A reportagem do Diário do Nordeste teve acesso ao laudo, que se baseia em falas do acusado sobre a vida antes da prisão. A família da mulher brutalmente assassinada reclama do diagnóstico e afirma que devido ao laudo, Carlos pode ter pena reduzida em 1/3.

"Nós estamos desesperados. Ele sempre foi violento, sempre nos ameaçou. Como pode ele não lembrar do que aconteceu? Como ele dá dois tiros em uma pessoa e agora diz que não se recorda? Ele é uma pessoa fria. Sempre agiu com agressividade, sem importar se estava embriagado ou não", diz a família de Angélica Pereira Capistrano.

"O assassino sempre dizia a mataria, e agora, a justiça desconsiderará os depoimentos dos autos e as ameaças reiteradas feitas no decorrer de toda a vida dela. A conclusão da perita destoa das próprias falas do réu"


O QUE DIZEM AS PARTES

O laudo psiquiátrico aponta que tal doença interfere parcialmente no entendimento do acusado e que por isso retira dele, em parte, a capacidade de guiar a própria vontade. O Ministério Público do Ceará (MPCE)  destaca que a médica perita afasta a existência de qualquer doença ou retardo mental, porém afirma a síndrome de dependência a partir do uso do álcool.

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Nos autos, o MP acrescenta que a semi-imputabilidade está relacionada a perda parcial da compreensão e reconhece que a pena por ser reduzida e que, nesse contexto, "o laudo pericial é favorável ao réu", mesmo não ficando comprovado o suposto transtorno bipolar anteriormente alegado pela defesa.

Em janeiro deste ano, a juíza da 1ª Vara do Júri decidiu acolher o documento ao afirmar que não havia qualquer nulidade no laudo psiquiátrico forense: "O exame de insanidade mental foi realizado de acordo com as formalidades legais, não havendo qualquer indício de que o resultado tenha sido realizado com intenção de prejudicar qualquer das partes envolvidas".

A família da vítima diz que não desistirá de buscar Justiça para o caso e deseja a maior pena possível aplicada ao réu

A acusação pontua que a partir dos depoimentos acostados aos autos, a decisão de matar Ana Angélica não foi influenciada pelo suposto alcoolismo, "pois ele teria feito a mesma coisa há anos se ele tivesse a certeza que ela iria se separar".

Dias antes do crime, o réu e a vítima teriam conversado sobre o divórcio, e os parentes da mulher chegaram a aconselhar que ela buscasse uma delegacia. Carlos Alberto estaria ouvindo a conversa atrás da porta.

A Secretaria da Administração Penitenciária do Estado do Ceará (SAP) e a Sesa informaram em nota que têm parceria para a realização de perícia de incidente de insanidade mental quando solicitada pela Justiça. "O laudo tem prazo de até 45 dias para ser entregue às autoridades judiciais. As duas secretarias não interferem na elaboração do laudo e em nenhum trâmite da Justiça", disseram.

A reportagem apurou que nesta situação específica, o prédio hospitalar foi solicitado para um mutirão, no qual outros presos estavam com pendência de avaliação. A médica responsável pelo atendimento é parte de uma cooperativa de psiquiatras.

AMEAÇAS ERAM RECORRENTES

Ainda no início de 2020, dias após o crime, a Secretaria de Segurança Pública (SSPDS) confirmou que Ana Angélica Pereira Capistrano já havia feito um Boletim de Ocorrência (B.O.) contra Carlos Alberto, em 2018. Segundo o órgão, Angélica denunciou o companheiro por ameaça, mas não retornou no prazo legal para dar prosseguimento aos trabalhos policiais, já que o crime precisa da representação da vítima.

Testemunhas contaram que o homem jogou o corpo da vítima para fora do carro na Avenida Coronel Matos Dourado e, em seguida, fugiu. Equipes do Comando de Policiamento de Rondas e Ações Intensivas e Ostensivas (CPRaio) da Polícia Militar do Ceará (PMCE) foram acionadas e abordaram o motorista na Rua Raimundo Arruda, no bairro Parquelândia.

Os militares atiraram nos pneus do carro até que o homem parou o veículo e disparou contra si mesmo. Ele foi levado pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) até um hospital na Capital para receber atendimento médico. A mulher chegou a ser socorrida e levada para uma unidade de saúde, mas teve morte cerebral confirmada pelo hospital.

"SEM REQUINTES DE PREMEDITAÇÃO"

O acusado disse à médica psiquiátrica tentar lembrar do fato, mas não conseguir. Segundo ele, naquele dia havia saído com a esposa rumo a um supermercado, quando "no meio do caminho, pegou uma via alternativa e procurou um lugar ermo para conversar com ela".

"Diz que a mulher começou a ficar tensa. A esposa entrou em pânico e tentou pular do carro em movimento. Fala que estava com uma arma que tem há mais de 30 anos. Estava com a arma no carro porque tinha o intuito de vende-la quando fosse para o interior. Aí, ele pegou a arma, apontou para a esposa e mandou que ela fechasse a porta do veículo. Que a esposa puxou a arma de sua mão e como ele estava com o dedo no gatilho, a arma disparou"

Na versão do acusado, ele se sente em um pesadelo e não teria "a menor noção do que fez" se não fossem as câmeras que flagraram o feminicídio. A perita considerou que o ilícito aconteceu de forma impulsiva e sem requintes de premeditação.

"O acusado atira na esposa em meio a uma avenida bastante movimentada da cidade em horário de pico do trânsito local, demonstrando a sua total displicência em tentar ocultar o ilícito. Após o cometimento do crime, o réu opta por tentar o suicídio de maneira com grande potencial letal, tendo atirado na própria mandíbula, mais uma vez demonstrando sua instabilidade e descontrole emocional", de acordo com a análise.

O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) destaca que o processo não está pausado, e sim segue em tramitação regular na 1ª Vara do Júri de Fortaleza. "O referido Juízo está aguardando decorrer prazo de manifestação da defesa para, após isso, decidir se pronuncia ou não o réu Carlos Alberto Soares Capistrano".

 

 

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