CNJ vai investigar caso de juiz denunciado por ofender vítimas de crimes sexuais no Ceará

Vítimas e depoentes devem ser ouvidas presencialmente no Cariri, na manhã desta quarta-feira (9)

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
juiz
Legenda: A sindicância no TJCE foi aberta nessa segunda-feira (7)
Foto: Reprodução

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou ao Diário do Nordeste que a "Corregedoria Nacional de Justiça vai instaurar um Pedido de Providências, para investigar o caso" do juiz Francisco José Mazza Siqueira, denunciado por ofender vítimas de crimes sexuais durante audiência em Juazeiro do Norte, no Ceará. 

Os fatos relacionados à atuação do juiz na sessão do último dia 26 de julho de 2023 passaram a ser apurados pela Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará, nessa segunda-feira (7), após publicação de reportagens exibindo falas problemáticas do magistrado.

A reportagem apurou que na manhã desta quarta-feira (9), a Corregedora-Geral da Justiça do Ceará, Maria Edna Martins, chega ao Cariri para ouvir presencialmente vítimas e depoentes que participaram da audiência. Até a edição desta matéria não havia informações se Francisco Mazza foi ou não afastado preventivamente das funções.

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'Quem acha que mulher é boazinha?'

Para o advogado das vítimas, a sessão presidida por Mazza no último mês se "tornou um circo de horrores". Das 9h às 13h, as mulheres estiveram na presença do juiz. O que elas não esperavam era, naquele momento de 'vulnerabilidade', ser revitimizadas, desta vez, segundo denunciantes, pelo próprio magistrado.

Em determinado momento da sessão, uma das depoentes ouviu o magistrado dizer: "tinha aluna que chegava se esfregando em mim...esfregando a vagina em mim… aqui não tem criança, aqui é todo mundo adulto... e dizia professor não sei o que.. E eu dizia: minha filha é o seguinte: quando eu deixar de ser seu professor, você faça isso aqui comigo".

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Uma das vítimas de crime sexual, ouvida na audiência, diz ter sido "violada, invadida e coagida" ao longo da sessão. A mulher, de nome preservado, conversou com o Diário do Nordeste e relembrou "comentários e falas machistas" vindos do magistrado.

A vítima reclama que enquanto prestava depoimento precisou ficar em frente ao acusado dos assédios, o médico Cícero Valdibézio Pereira Agra. Depois, ainda na sala, ouviu o juiz dizer que "quem acha que é mulher é tudo boazinha, tão tudo enganado, viu. Eita bicho de mão pesada, bicho da língua grande e que chuta nas partes baixas, são as mulheres. Tô dizendo isso no sentido que vocês são fortes" (sic).

"Coagida. Acho que essa é a palavra, por estar de frente a uma pessoa que tanto me fez mal. Esse direito de ser preservada deveria ser me dado pelo juiz que conduzia o caso, mas não foi. O que ouvi do juiz foram várias falas machistas. A sensação que tive foi de falta de proteção, falta de acolhimento. Meu advogado ficou nas minhas costas, não tive apoio de ninguém"
Vítima (identidade preservada)

'DEPOENTES QUISERAM DESISTIR DA AÇÃO'

Aécio Mota, advogado das vítimas, diz que a audiência "mais pareceu um circo de horrores". A acusação acredita que o "juiz desdenhou do comportamento das mulheres" e não se espantou quando terminada a sessão, "depoentes quiseram desistir da ação".

"Na audiência, em vários momentos o juiz menosprezou o comportamento das mulheres nos dias atuais, insinuando que as mulheres atualmente também são culpadas pelo comportamento de homens abusivos. Esbanjou machismo e desdenhando das vítimas de violências sexuais. O que se mostrou em audiência foi um total desrespeito e desconsideração de todo o trauma causado pelas violências que aquelas mulheres já tinham sofrido, principalmente por um Juiz, que deveria se referir de maneira respeitosa àqueles presentes na audiência", disse Aécio Mota.

A outra vítima, que esteve na audiência, falou não conseguir conceder entrevista neste momento: “isso tudo mexe muito comigo e com o meu emocional, não consigo dormir direito, pensar direito”.

'MEDIDAS ADEQUADAS'

Na tarde dessa segunda-feira (7), o presidente do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), desembargador Abelardo Benevides Moraes, disse à imprensa que o 'Tribunal tomará as medidas adequadas' a partir do caso.

"Em todas as instituições têm pessoas que desbordam das suas atribuições" e que "nós temos 474 magistrados no Estado do Ceará. Um ou outro, mais cedo ou mais tarde, até por falta de qualificação em todos os sentidos, emocional, vocacional...", segundo o desembargador.

A abertura da sindicância estadual foi publicada no Diário da Justiça. No documento há indicação que a Comissão Sindicante conclua os trabalhos no prazo de 30 dias.

ENTIDADES REPUDIAM FALAS DE JUIZ

Após a repercussão da reportagem, entidades de defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres se manifestaram publicamente. 

A Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, por meio de sua procuradora, a deputada estadual Lia Gomes, repudiou as falas.

"Os comentários fomentam um discurso discriminatório contra as mulheres, culpabilizam as vítimas e as expõem a mais uma violação de direitos. Falas como essas, expressas por uma autoridade que deveria garantir justiça às vítimas de abuso sexual, apenas dificultam que mulheres em situação de violência realizem denúncias, reforçando a cultura de descredibilização da vítima. Essa cultura precisa ser desconstruída e os órgãos do poder público devem garantir a segurança das vítimas que denunciam seus agressores", diz trecho da nota.

Em nota conjunta, os Conselhos dos Direitos da Mulher do Ceará repudiaram as falas do juiz. "A tempo, se solidarizam com as 10 mulheres vítimas de crimes sexuais que foram revitimizadas por aquele que deveria zelar por seus direitos", diz o texto.

 

 

 

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