Bodycam nos presídios: MPCE e CGD não receberam nenhuma imagem de violência policial em um ano
Em contrapartida, imagens de 12 ocorrências de indisciplina e insubordinação cometidas por detentos foram enviadas ao Ministério Público
O primeiro ano de uso das câmeras corporais ('bodycam') por policiais penais do Sistema Penitenciário cearense gerou imagens de indisciplina e insubordinação cometidas por presos, em 12 ocorrências, segundo o Ministério Público do Ceará (MPCE). Em contrapartida, o MPCE e a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) não receberam nenhuma imagem de violência policial oriunda da nova tecnologia, nesse período.
O titular da 106ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, ligada à Corregedoria dos Presídios, promotor de Justiça Nelson Gesteira, explica que, "voluntariamente, a Secretaria da Administração Penitenciária encaminha imagens de ocorrências dentro das unidades. Nesse primeiro ano, recebemos 12 ocorrências com imagens. Todas elas apontam possíveis indisciplinas dos internos, passíveis de instauração de Processo Administrativo Disciplinar. Foram casos em que os internos destrataram policiais, se negaram a ir para a aula ou para o trabalho, por exemplo".
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Questionado se alguma imagem enviada ao MPCE mostrava abuso de autoridade ou tortura cometida por policiais, o promotor negou. Mas isso não significa que o Órgão fiscalizador e outras instituições não possam descobrir possíveis casos de violência policial, segundo Gesteira: "O Ministério Público recebe denúncias feitas por familiares, advogados e pelos próprios presos, além de fazer inspeções nas unidades. Com essas informações, eu posso solicitar um grupo de imagens das câmeras da Unidade e das 'bodycam', para tentar identificar todo o andamento da ocorrência".
"A bodycam e o Mecanismo de Combate à Tortura, que foi criado neste ano, são instrumentos que vão levar a uma melhor qualidade de serviço no Sistema Penitenciário. É importante termos fiscalização e investimento nos presídios", conclui o promotor de Justiça Nelson Gesteira.
A CGD corrobora, em nota, que, "nos últimos 12 meses, não recebeu denúncia em desfavor de policiais penais a partir das câmeras corporais. O Órgão Correicional acompanha a implementação da nova tecnologia no sistema penitenciário".
O titular da Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização do Ceará (SAP), Mauro Albuquerque, afirma que as imagens da 'bodycam' ainda ajudaram a "esclarecer os fatos" sobre denúncias contra policiais penais. "As denúncias na nossa Ouvidoria diminuíram em 50%. Não é só a SAP que tem acesso a essas imagens. Toda vez que são solicitadas, o Ministério Público e o Judiciário também têm", destaca.
Isso é muito importante para a gente saber realmente o que está acontecendo nas unidades prisionais, ver quando há uma sublevação da ordem, uma tentativa de amotinamento. E a ação dos nossos policiais, com a legitimidade devida. Qualquer um que cometa excesso, será responsabilizado. Isso é importante para todos os lados, e para o Estado desempenhar o seu trabalho e a sua autoridade."
A presidente do Conselho Penitenciário do Ceará (Copen-CE), advogada Ruth Leite Vieira, acredita que o uso das câmeras corporais "inibe a tortura física, além de ser também uma segurança para os bons policiais penais, que são a maioria". "O que ainda falta, no entanto, é que sejam de fato utilizadas por todos os policiais do plantão e não por amostragem. Falta ainda uma clareza maior, uma transparência no manuseio e utilização dessas imagens", pondera.
É importante frisar que somente as câmeras corporais, mesmo em todos os policiais, não é uma medida em si suficiente para exterminar as torturas. A tortura psicológica é uma mácula não enfrentada pelo Estado. Neste sentido, faz-se urgente e necessário medidas outras, a começar da formação, para garantia da integridade da pessoa presa."
Custo mensal de R$ 246 mil
A reportagem apurou que o Sistema Penitenciário cearense conta com 448 câmeras corporais, com um custo mensal por unidade de R$ 550 - o que resulta em um gasto de R$ 246 mil por mês, para o Estado. Os equipamentos estão distribuídos entre as 36 unidades penitenciárias do Ceará. Os presídios maiores recebem 20 câmeras; enquanto as unidades menores têm 4 câmeras.
O equipamento contratado pela SAP funciona em três modos: no primeiro, a câmera capta apenas imagem; no segundo, o policial penal aciona a função conhecida como "evidência" e a 'bodycam' começa a gravar áudio também, para situações mais delicadas, como abordagens a detentos (nesse caso, o vídeo é transferido direto para um setor específico do banco de dados); e na terceira possibilidade, o equipamento pode ser utilizado também como um radiocomunicador, para os policiais penais trocarem informações.
No dia do lançamento da tecnologia, o Secretaria da Administração Penitenciária divulgou que a câmera é blindada, à prova d’água e inviolável, além de possuir GPS que fornece a localização em tempo real do usuário e o histórico de deslocamento.
Mauro Albuquerque revela que, aliado ao uso da 'bodycam', o Estado está próximo de finalizar a instalação de um sistema de videomonitoramento completo nas unidades penitenciárias cearenses. "Hoje, o Ceará é um exemplo. Eu estava em um congresso com outros secretários e um pesquisador inglês queria saber como era o nosso funcionamento, porque é um dos poucos lugares que têm (a 'bodycam') dentro do sistema penitenciário", ressalta.
O uso das câmeras corporais também é acompanhado e fiscalizado pela Corregedoria dos Presídios, da Justiça Estadual. "O uso de câmeras corporais está sendo implementado nas unidades prisionais e disciplinado por ato normativo da Secretaria da Administração Penitenciária, sendo obrigatório aos policiais em situações em que tenham contato com internos. A Corregedoria de Presídios fiscaliza o cumprimento dessa norma da mesma forma como o faz com as demais pertinentes ao sistema prisional: mediante verificações nas inspeções presenciais mensais realizadas e mediante a possibilidade de recebimento de reclamações", informou o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), em nota.