'Barbie dos animais': médicos viram réus por homicídio culposo de veterinária no Ceará

Ambos os médicos cirurgiões plásticos negam que foram responsáveis pela morte de Kelly.

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
kelly barbie
Legenda: Kelly era adepta de procedimentos estéticos. Ela morreu em abril do ano passado
Foto: Reprodução

A Justiça do Ceará decidiu receber a denúncia do Ministério Público Estadual, que acusa dois médicos cirurgiões plásticos pela morte da médica veterinária Kelly Linhares Pedrosa, a 'Barbie dos Animais'. Com o recebimento da acusação, Valderi Vieira da Silva Júnior e Arthur Abreu Batista Gomes passam a ser réus pelo crime de homicídio culposo, quando acontece a morte sem a intenção, mas com culpa.

O MP ainda pediu que os médicos paguem R$ 150 mil para reparação dos danos morais e materiais causados à família da vítima. No fim de agosto, a Justiça determinou a citação dos acusados, para que em até 10 dias apresentassem resposta com base na denúncia. Ambos negaram, por meio da defesa, que foram responsáveis pela morte de Kelly.

A reportagem do Diário do Nordeste ainda apurou que Valderi Vieira responde a processo ético-profissional no Conselho Regional de Medicina do Ceará (Cremec). A instituição investiga a conduta profissional neste caso apenas contra Valderi, já que entende não ser necessário processo disciplinar para Arthur.

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"IMPERÍCIA E IMPRUDÊNCIA"

Para o MP, os denunciados agiram com "imperícia e imprudência, durante a realização de cirurgia plástica" e "praticaram o crime de homicídio culposo em face da vítima Kelly Linhares Pedrosa, por meio da perfuração de seu duodeno (primeira porção do intestino delgado) resultante de inobservância de regra técnica de profissão de médico, conduta que deu causa à morte da referida vítima no dia 16 de abril de 2022, por volta das 10h50min".

Em novembro do ano passado, a Polícia Civil do Ceará concluiu o inquérito, indiciando Valderi.

Um mês depois, o MPCE pediu mais diligências, a serem cumpridas em até 90 dias. Dentre os pedidos, estão a reinquirição do investigado, oitiva de testemunhas de defesa, oitiva de um médico perito, cópia integral do prontuário médico da vítima e o encaminhamento de cópia integral da sindicância protocolada pelo Cremec.

Em julho de 2022, o MP enviou a denúncia ao judiciário e ofertou ao médico Arthur Abreu a possibilidade de celebração de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). Se o acordo acontecer, podem ser negociadas cláusulas a serem cumpridas, que, ao final, favorece o acusado pela extinção da punibilidade.

Arthur Abreu Batista Gomes, foi quem auxiliou Valderi Vieira da Silva Júnior durante o procedimento cirúrgico realizado na vítima.

O QUE ACONTECEU COM KELLY

A primeira vez que a médica veterinária Kelly procurou pelo médico Valderi foi para corrigir uma assimetria mamária. A cirurgia foi feita em 2021. No dia 7 de abril de 2022 um novo encontro. O médico diz que Kelly foi até a clínica e ele indicou uma cirurgia corretiva nos seios, mas a paciente teria dito também querer passar por uma nova lipoaspiração.

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A mãe da médica veterinária diz que a filha só tinha um rim funcionando quando passou pelas últimas plásticas, e que isso era de conhecimento médico. Também constam nos laudos que Kelly tinha endometriose profunda, sendo necessário acompanhamento de perto de um ginecologista.

Uma amiga da vítima prestou depoimento dizendo saber das reiteradas cirurgias que Kelly passava com este médico. Na versão dela, "todas as vezes que ela retornava, era convencida a passar por um novo procedimento".

A reportagem do Diário do Nordeste teve acesso a um laudo pericial onde consta que Kelly teve uma perfuração no intestino. Horas antes de morrer passou por procedimento de grande porte. Ela teve dores na barriga e falta de ar após a intervenção cirúrgica e foi novamente hospitalizada.

Consta nos documentos que Kelly estava em estado gravíssimo quando foi socorrida por outros profissionais. 

Quando a vítima voltou a ser hospitalizada, passou por uma tomografia que indicou pneumoperitônio e líquido livre, sugerindo a lesão de alça e extravasamento de líquido na cavidade abdominal. Ela precisou ser submetida a uma cirurgia de urgência para retirar o líquido do abdômen decorrente da perfuração intestinal e em menos de 24 horas morreu.

A causa da morte foi declarada como choque hemodinâmico refratário devido a uma infecção generalizada, com fonte provável a lesão no abdômen. O cirurgião que fez a última cirurgia para socorrer a paciente localizou a perfuração no intestino da vítima.

Em junho de 2022, a Perícia Forense do Ceará (Pefoce) emitiu laudo e destacou não caber ao perito julgar se houve ou não erro médico nos procedimentos, sendo "este julgamento de responsabilidade do Conselho Regional de Medicina".

O QUE DIZEM AS DEFESAS

O advogado Daniel Maia, que representa o médico Valderi, diz que "a defesa viu com surpresa o recebimento da denúncia, pois ela é frágil e sem nenhum fundamento que a sustente. A inocência dos médicos será provada ao longo do processo e ao final a absolvição de todos é o único resultado possível".

A defesa ainda acrescenta que o MP não teria se atentado às provas apresentadas no inquérito policial, "as quais, inclusive, demonstram a ausência de nexo causal entre o procedimento cirúrgico realizado pela vítima e o seu falecimento. 
Assim, a denúncia não merece prosperar, uma vez que falha ao não trazer nenhum indício que justifique a presente ação Penal em desfavor do réu".

"Temos que destacar que não há o que se falar em nenhuma indenização por parte do acusado em relação ao falecimento da suposta vítima, uma vez que, conforme visto acima, não houve nexo causal entre a cirurgia realizada e o falecimento da vítima"
Advogados de defesa
Daniel Maia e Lucas da Escóssia

A defesa de Arthur Abreu pontua que "o denunciado detém a perícia das técnicas e procedimentos, demonstrando que utilizou sua vasta experiência adquirida com a paciente Kelly Linhares Pedrosa" e que "não temos como saber com clareza qual foi a real causa da morte da paciente Kelly Linhares, não podemos imputar aos denunciados que o procedimento cirúrgico por eles realizado teve alguma ligação com a causa morte, devendo assim como medida de justiça, o médico ser absolvido por falta de materialidade e ligação entre sua conduta e o óbito".

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