Absolvição sumária de PMs acusados por motim pode fragilizar Comando, analisa sociólogo
A Justiça Estadual absolveu mais 34 policiais militares, e o número de inocentados chegou a 169
A Vara da Auditoria Militar, da Justiça Estadual, absolveu sumariamente, nesta semana, mais 34 policiais militares acusados de participar do motim de 2020. Com isso, o número de absolvidos chegou a pelo menos 169, o que representa 28,3% dos 597 PMs denunciados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE). O diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), sociólogo Renato Sérgio de Lima, analisa que as absolvições podem fragilizar o Comando da Corporação.
Essa mensagem contraria a própria lógica militar. Porque é um ato de indisciplina. E, sendo um ato de indisciplina, fragiliza o comando, tanto do governador, como principalmente dos próprios comandantes. Porque se os comandante mandaram que a ação fosse reprimida, o Judiciário ao tomar essa decisão está indo contra a própria lógica da hierarquia, que marca a questão militar."
O diretor presidente do FBSP lembra que segurança é um dever do Estado e direito de todos, como prevê a Constituição Federal. "A gente sempre olha, e o Judiciário muitas vezes entende, que segurança é manter a ordem e controlar o crime. Na lógica de um direito fundamental, o que aconteceu em fevereiro do ano passado é que essa lógica foi rompida. E que, portanto, o segmento policial leal ao Estado precisava agir".
"O fato de não agir passa uma mensagem muito ruim porque vai contra a ideia de segurança como direito universal e fundamental. Parcela importante da população cearense ficou sem esse direito assegurado", completa Renato Sérgio de Lima.
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Já o sociólogo do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luiz Fábio Paiva, contextualiza que "todo e qualquer servidor público é responsável pelo que faz. Mas também pelo que deixa de fazer. Nós temos um conjunto de responsabilidades públicas, e nós precisamos tanto agir para resolver determinadas situações, como precisamos também nos responsabilizar quando a gente se omite, deixa de fazer algo".
É impossível que a gente vá continuar convivendo com um oficialato em que, na hora que esses policiais que estão na ponta não executam suas funções ou não cumprem seu dever, ele os trata como se não tivesse nenhuma responsabilidade. A Polícia Militar dispõe de uma estrutura hierárquica, mas essa hierarquia desaparece na hora que nós discutimos a responsabilidade do trabalho policial."
Paiva cita que tanto no motim de 2020, como na Chacina da Messejana, que completa seis anos nesta quinta-feira (11), policiais militares foram acusados por participação nos crimes por terem se omitido de agir.
"Nós precisamos de uma Polícia que atue com eficiência, com qualidade, e que, nos momentos que a sociedade precise dela, ela possa agir. Nós não podemos continuar convivendo com uma chacina acontecendo na cidade, a Polícia é acionada e não há um atendimento adequado. E, agora, um evento como esse, em que você tem várias situações em que a própria integridade desses policiais se coloca em risco, exige que esses policiais cumpram com seu dever", reforça.
Mais 34 PMs absolvidos na Justiça
Os 34 PMs (23 praças e 11 oficiais) inocentados nesta semana estão alocados em quatro processos criminais, julgados pelo Conselho Permanente da Vara Militar (formado pelo juiz de Direito Roberto Soares Bulcão Coutinho e por juízes militares) na última segunda-feira (8). As decisões foram publicadas no Diário da Justiça da quarta-feira (10).
Conforme as denúncias dos quatro processos, os agentes de segurança foram omissos por não impedir que supostos colegas de farda amotinados invadissem quartéis, tomassem viaturas policiais e furassem os pneus desses veículos. Os episódios aconteceram na Avenida Domingos Olímpio e na comunidade do Lagamar, em Fortaleza; e nas sedes do 18º e do 22º Batalhão de Polícia Militar (BPM) e da 2ª Companhia do 21º BPM, localizados respectivamente nos bairros Antônio Bezerra, Papicu e Conjunto Esperança, também na Capital, nos dias 18 e 19 de fevereiro do ano passado.
Exigir, no caso em análise, a ação enérgica dos militares, quando abordados, é interpretar de modo excessivo os deveres dos militares. Como se, em qualquer situação, tivessem que atuar para impedir a tomada do bem ou alguma ação contra ele. É de se considerar as circunstâncias do caso, o clima de tensão da época e o fato de que entre os amotinados havia outros militares que, mesmo que agindo equivocadamente, eram companheiros de farda."
O advogado Cícero Roberto, que representa a defesa de cinco policiais militares absolvidos, ressalta que o Conselho Permanente da Vara Militar reconheceu " a atipicidade (ou seja, não praticaram o crime) da conduta dos investigados no evento greve da Polícia Militar do Ceará 2020".
A decisão foi pautada na análise da conduta de cada um dos investigados, bem como pelo parecer do encarregado do Inquérito Policial Militar (o oficial que tem a função de delegado do procedimento), que sugeriu o arquivamento. Por unanimidade, o Colegiado de julgadores absolveu sumariamente, sem início da instrução processual, os envolvidos."
Confira a lista dos PMs absolvidos:
1-CEL PM Suitberton Prado Marques Pinheiro
2- TC PM Roberto Rodrigues de Lima
3-TC PM Francisco Walber de Medeiros Inocêncio
4-ST PM Antônio José Chagas de Queiroz
5-1º SGT PM Moteogenes Silvestre dos Santos
6-1º SGT PM Francisco Raimundo Dantas de Abreu
7- 2º SGT PM Ednardo Rodrigues Duarte
8- SD PM Raniery Dantas Soares
9- MAJ PM Paulo Henrique da Silva Mendes
10-2º TEN PM Lindendôfe Carneiro de Oliveira
11-ST PM Carlos Alberto Ferreira de Oliveira
12-ST PM José Walter de Souza Júnior
13-1º SGT PM José Aldivan Ferreira de Araújo
14-1º SGT PM Francisco Rogério Marreiro da Silva
15-1ºSGT PM José Raimundo da Costa
16-2ºSGT PM Jailson Oliveira Barbara
17-CB PM Auricélio Moreira de Souza
18-SD PM Adley Silvestre Anjos Felix
19-SD PM Weslley Ferreira Alencar
20- 1º TEN PM José Leandro Sales Lásaro
21-CB PM Jackson Lobo da Costa
22-SD PM João Lucas Oliveira Sabino
23-SD PM Emanoel Holanda Bastos
24- TC PM José Maria Chiapetta Teles Júnior
25-TC PM Francisco Alexandre Rodrigues de Souza
26-TC PM Gerlúcio Henrique Vieira
27-TC PM João Wilson Elias Xavier
28- 1º TEN PM Pedro Henrique de Sousa Moura
29-ST PM José Pinto da Silva
30-2º SGT PM Edson Freitas Damasceno
31-SD PM Ana Jéssika da Silva Bezerra
32-SD PM Gefferson Cavalcante Siqueira
33-SD PM Tobias Glauber de Oliveira Matias
34-SD PM Tauan da Silva Monteiro
Estado teve alta de homicídios no motim
O motim durou 13 dias, entre 18 de fevereiro e 1º de março do ano passado. Os policiais militares reclamavam da proposta de reestruturação salarial que começou a tramitar na Assembleia Legislativa do Ceará e começaram a se amotinar em batalhões da Capital e do Interior.
Dezenas de viaturas tiveram os pneus furados, para não serem utilizadas. No auge do movimento, o ex-governador do Ceará e senador Cid Gomes tentou furar um bloqueio feito pelos PMs em Sobral, com uma retroescavadeira, e foi alvejado com dois tiros, em 19 de fevereiro.
O Estado registrou alta de homicídios. Durante os 13 dias, foram 321 crimes de morte, o que significa uma média diária superior a 24. Em igual período de 2019, foram 60 homicídios no Ceará, uma média diária superior a 4 crimes. O aumento de um ano para o outro, em casos de mortes violentas, foi de 435%.
A insegurança acarretada pelo motim dos militares levou alguns municípios do Estado a cancelarem as festas de Carnaval. A Segurança Pública precisou ser reforçada pelas Forças Armadas e pela Força Nacional de Segurança. Pelo menos 47 PMs foram presos por participação nos atos.
Por fim, os militares entraram em acordo com o Estado e encerraram o motim, após negociações que envolveram a Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE), Defensoria Pública do Ceará e ministérios públicos Estadual do Ceará e Federal (MPF).
Entre os pontos da proposta aceita estão: acompanhamento desses órgãos nos processos administrativos; garantia de um processo devido e justo a todos; e suspensão da transferência de PMs por seis meses. Mas o principal pedido dos policiais amotinados não foi atendido pelo Governo do Estado: a anistia geral.