Supremo tem deixado Bolsonaro como uma "rainha da Inglaterra", diz senador Eduardo Girão

O parlamentar cearense faz críticas ao Supremo e trata da sucessão na Capital. Segundo ele, Capitão Wagner, de quem será coordenador, é "independente"

Escrito por Jéssica Welma , jessica.welma@svm.com.br
Legenda: Para Girão, a saída do ex-ministro Sérgio Moro foi uma grande perda para o Governo Federal
Foto: Natinho Rodrigues

O senador Eduardo Girão entrou na política já no mais forte cargo do Legislativo brasileiro, de senador da República. Um ano e meio depois, o parlamentar disse, em entrevista exclusiva, que o Supremo Tribunal Federal "não está deixando o presidente governar" e tem "passado dos limites". Ele quer investigação urgente no Judiciário. Mais ambientado, Girão será o coordenador da candidatura de Capitão Wagner (Pros) a prefeito de Fortaleza. Diante dos questionamentos sobre a relação com Bolsonaro, ele diz que Wagner é "independente" e faz crítica ao governador Camilo Santana e ao grupo governista cearense.

O senhor é o único senador cearense que começou a carreira política já no Senado. Como tem sido a experiência?

É muito diferente. Ainda tem muitos resquícios da velha política. Eu esperava que, quando chegasse lá, iria avançar em pautas da sociedade, pelo clamor da população que estava indo para as ruas contra corrupção, pela ética. O que vi, desde o início, foi um acirramento ainda eleitoral pela campanha pela Presidência, por problemas de um lado e de outro. A turma do 'quanto pior, melhor' trabalhando para boicotar e a Presidência da República batendo. Há um acirramento cada vez maior, pouco diálogo, e o crime reagindo. Continuo me achando um cara da sociedade, que tem o idealismo de mudar, de ser uma voz na sociedade dentro desse ambiente, não me vejo ainda como aquele político e nem quero.

O senhor tem feito uma defesa forte da pauta de costumes. A defesa do interesse do Ceará têm ficado em segundo plano e isso é dito até por alguns dos seus aliados. O senhor avalia assim?

Muito pelo contrário. A gente tem duas frentes de atuação fortes. Uma a favor do Ceará, outra a favor do Brasil, dentro dos nossos princípios e valores. Por exemplo, fiquei até de madrugada conversando com os outros dois senadores do Estado, com a secretária da Fazenda, Fernanda Pacobahyba, pra conseguir melhorar o socorro para estados e municípios de R$ 3,3 bilhões. Conversei com Mauro Filho, deputado, me empenhei no que pude pra gente tentar melhorar a receita do Estado. Conseguimos respiradores pelo Ministério da Saúde. Aliás, quero deixar isso bem claro, por mais que a gente saiba que exista hoje, especialmente do Ceará para com o Governo Federal, uma 'rivalização' política porque são ideologias diferentes, eu não percebo isso (do governo federal para o Ceará). Toda vez que eu fui ajudar o Ceará no Ministério da Saúde, percebi que o Estado do Ceará estava sendo muito ajudado. (...) A gente tem participado. Toda vez que é acionado, por mais que eu divirja da visão do mundo, da forma de fazer do governador (Camilo Santana), sou um funcionário do Estado do Ceará, procuro ajudar no que estiver ao meu alcance.

Qual sua postura em relação ao Governo Bolsonaro?

Independência total. Vejo pontos positivos, mas também pontos negativos. Acredito que está faltando mais diálogo republicano. A liderança que foi construída no Senado pelo governo, desde o início, não se comunicava com os senadores. Até pra orientar, não se tinha essa liderança firme. A questão do Centrão, que hoje está muito próximo do governo, me preocupa, porque o Centrão representa a má política, a velha política do toma lá dá cá, isso não é uma proposta que o povo brasileiro esperava desse governo, que era uma das bandeiras que ele levantava. Outra coisa também que eu acho preocupante é que a Polícia Federal tem que ter independência. Tanto é que eu fiz uma PEC para que a Polícia Federal tenha autonomia funcional. Agora digo os pontos positivos: eu vejo que a maioria dos ministérios é formada de pessoas competentes, independentes, que não são indicadas por partidos. As empresas públicas, estatais, geravam um prejuízo tremendo, já agora dão lucro.

A questão do Centrão, que hoje está muito próximo do governo, me preocupa, porque o Centrão representa a má política

A proposta dessa PEC foi motivada pelas acusações do ex-ministro Sérgio Moro de que o presidente Jair Bolsonaro pressionou para controlar a PF... Qual sua avaliação do episódio?

Uma grande perda para o governo. Moro é um símbolo do combate à corrupção, a favor da ética do Brasil. A saída dele enfraquece essa luta.

Na ocasião desse debate sobre a Lei das 'Fake News', o senhor lembrou que o Senado, até hoje não instalou a CPI da Lava Toga. A relação entre Governo e STF tem sido conflituosa. O senhor é a favor de investigação no Judiciário?

O STF não está deixando o presidente trabalhar. Percebo isso nas atitudes arbitrárias. Isso tem deixado o presidente como uma Rainha da Inglaterra. Isso não acontecia em outros governos. A ideologia, o ativismo judicial do Supremo transbordou. O Supremo, por omissão nossa, do Senado, está transgredindo o tempo inteiro. Infelizmente a gente não conseguiu abrir investigação por causa do presidente do Senado. Por que ele não colocou a CPI da Lava Toga que desde o início muitos senadores cobram?

Para o bem do Judiciário, do próprio Supremo - que eu acho importantíssimo para a democracia, sou totalmente contra fechar, deixando bem claro -, a gente não pode não investigar, por que é o único poder que não foi investigado ainda.

Em Fortaleza, o Podemos declarou apoio ao pré-candidato Capitão Wagner, do Pros. O Podemos vai reivindicar a vaga de vice?

O partido não está entrando nisso para buscar nada em troca. Absolutamente nada. Somos contra aliança pra ter vice, pra ter Secretaria lá na frente... Eu acho que tem que romper esse paradigma. Nós acreditamos muito que chegou a hora de uma alternância de poder em Fortaleza. Acreditamos que quem tem condição de romper esse ciclo é o Capitão Wagner.

Foto: Natinho Rodrigues

Há um posicionamento público por parte do senhor e do Capitão Wagner de não ser base ou oposição ao presidente Bolsonaro. A eleição deste ano parece estar os empurrando para uma divisão de lados entre a base governista local e a base do presidente...

É isso que tem que se desmistificar, porque não é correto. Se você pegar as votações do Capitão Wagner, por exemplo, são votações independentes. Você vê que a reforma da Previdência, uma das principais bandeiras do governo, ele votou contra. Então mostra que está realmente independente do governo. E, em muitas outras situações, ele votou a favor. A gente tem que acabar com essa coisa que fica até em um discurso cego, irracional, se não é oito, é oitenta. Isso induz ao erro. Você não pode ter um meio termo, não? Critico algumas posturas do governo e elogio outras. Sou contra uma esquerda radical, que se diz a favor da democracia e vai com pedra, com máscara pra não ser identificado, jogar pedra em patrimônio público. E eu sou contra uma direita radical que quer fechar o Supremo, que quer fechar o Congresso Nacional.

Por que o senhor não acompanhou in loco a visita do presidente Jair Bolsonaro ao Ceará para inaugurar a transposição das águas do São Francisco?

Eu até respondi nas redes sociais isso... Fiz um texto agradecendo, parabenizando o governo federal pela transposição que a gente esperava há muitos anos, foi uma grande conquista e mostrou gestão. Não fui àquele evento específico, primeiro: restrição de voo. Fui convidado pra ir ao evento pela presidência da República, mas não fui convidado pra ir em avião deles, e nem ia pedir isso. Então, juntou uma série de situações, eu estava aqui (em Fortaleza) fazendo um exame também. Se tivesse em situações normais, com voo, com tranquilidade, saúde, tudo, eu iria. Mesmo que fosse outro presidente da república totalmente diferente. Achei uma descortesia, um grande erro político do governador não ter ido. Por que ali é uma questão de anfitrionar, é um bem para o povo do Estado que o executivo tem a obrigação, até por liturgia do cargo.

Achei uma descortesia, um grande erro político do governador não ter ido.

Na campanha de 2018, o grupo político ao qual o senhor esteve aliado sempre falou sobre a disputa desigual em termos de aliança política com o grupo governista. Hoje, mais inserido na rotina política, como o senhor avalia o grupo hegemônico no Ceará?

É uma cooptação muito grande. Existe uma cultura da cooptação. Critico se ter 23 ministérios agora, no governo federal, enquanto ele (Bolsonaro) dizia que ia ter 15, 16. No Ceará são 21 secretarias. A gente não sabe nem o nome dos secretários, a gente não sabe isso. Então, é loteado completo. Na prefeitura também existe isso. É uma ruptura que a gente precisa fazer e a natureza não dá saltos. Não é de uma hora pra outra, isso é uma cultura de ver que a máquina é inchada, todas essas benesses, isso acaba deixando o cidadão com inversão de prioridades. Vai faltar dinheiro pra construir creches, vai faltar dinheiro pra fazer obras na periferia, então, eu sou favorável a uma candidatura independente.

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Campanha eleitoral
Na entrevista, o parlamentar defendeu que a campanha eleitoral deste ano deveria ser toda virtual por meio de redes sociais, rádio e TV. Girão, que apresentou projeto para reduzir pela metade uso do fundo eleitoral e partidário antes mesmo da pandemia, considera que em “respeito aos eleitores” não deveria haver campanha de rua.

Consórcio Nordeste
Em relação ao consórcio criado por governadores dos estados da região Nordeste, Girão diz que parece tratar-se de uma iniciativa meramente ideológica, algo que ainda está “parado na campanha eleitoral para presidente”. Há, na iniciativa, segundo ele, um “indicativo de que não aceitaram o resultado das urnas”. Girão tem questionado gastos do Consórcio com respiradores e também com aluguel de salas em Brasília. 

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