Reforma administrativa propõe fim de benefícios a novos servidores

Medidas do Governo, no entanto, devem surtir efeito a médio e longo prazos. Os principais pontos passam por facilitação de demissão, fim de estabilidade de algumas categorias e possibilidade de extinção de cargos pelo presidente

Escrito por Wagner Mendes ,
Legenda: Rodrigo Maia, presidente da Câmara, recebe texto da reforma administrativa ao lado do ministro Jorge Oliveira (Secretaria-Geral) e deputado Ricardo Barros (PP-PR)
Foto: Agência Câmara

Já desidratada, a reforma administrativa pensada pelo Governo Federal chegou ontem (3) ao Congresso Nacional como um movimento de sinalização da retomada da agenda econômica pelo Palácio do Planalto.

Polêmica, a proposta exclui das mudanças os parlamentares, magistrados, promotores e militares. Antes mesmo de ser enviado ao Parlamento, o texto sofreu mudanças e não é mais o que havia sido projetado pelo Governo durante a construção da Proposta de Emenda à Constituição (PEC). As mudanças, se aprovadas, só vão impactar os cofres públicos a médio e longo prazo.

A reforma abrange todos os futuros servidores públicos, como analistas e técnicos dos Três Poderes, segundo o secretário especial adjunto de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Gleisson Rubin.

Durante o anúncio da PEC, secretários do Ministério da Economia afirmaram que as mudanças são necessárias para o equilíbrio das contas públicas. "Não temos a segurança de que os salários dos servidores poderão ser pagos (no futuro, se nada for feito). Não receber o salário ou receber de forma atrasada já é realidade presente em alguns estados brasileiros. O Governo Federal, a cada ano, vai se aproximando deste tipo de situação", disse Rubin.

O Ministério não divulgou o impacto fiscal da reforma, por ainda depender de projetos complementares que serão enviados ao Congresso. De acordo com Rubin, o Governo aguarda o andamento da tramitação da PEC para então enviar outros projetos.

A proposta quer interferir na estabilidade de parte dos futuros servidores. O direito passará a ser garantido apenas para servidores das chamadas carreiras típicas de Estado, que só existem na administração pública. Nesses casos, os profissionais passarão por um período de experiência antes de conquistar a estabilidade.

Demissões

A reforma encaminhada pelo Executivo facilita as demissões de servidores. Atualmente, elas ocorrem apenas após a sentença final na Justiça, quando não há mais possibilidade de recursos. Em caso de aprovação, as demissões serão autorizadas já com a primeira decisão em colegiado.

As mudanças também atingem o que é chamado de "penduricalho", que são os benefícios que os servidores recebem além do salário. Por exemplo, a licença-prêmio: que é um direito do servidor a três meses de licença, a cada cinco anos, para tratar de assuntos de interesse pessoal. A licença deixou de existir no Governo Federal ainda em 1999, mas ainda existe em 20 dos 27 estados do País.

O texto prevê a extinção de adicional por tempo de serviço; aposentadoria compulsória como punição; aumentos retroativos; férias superiores a 30 dias ao ano; parcelas indenizatórias; adicional ou indenização por substituição; redução de jornada sem redução de remuneração; progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço; incorporação ao salário de valores referentes ao exercício de cargos e funções.

A matéria coordenada pelo ministro Paulo Guedes (Economia), permite que o presidente da República exclua cargos e órgãos públicos através de decreto. Hoje, a medida só pode ser feita caso haja a aprovação de projeto de lei.

Bancada

Deputados da bancada cearense em Brasília avaliam a necessidade da reforma administrativa, mas elencam cuidados com o texto que pode prejudicar futuros servidores. Como a pauta chegou ontem ao Congresso, a maioria dos parlamentares preferiu estudar o texto antes de se pronunciar.

O deputado federal Eduardo Bismarck (PDT) afirmou que "a reforma tem uma sinalização importante, que passa a valer para os próximos servidores. Portanto, quem entra na carreira, já conhece a nova regra do jogo". O pedetista cita o fim da aposentadoria compulsória como forma de punição entre os pontos positivos. "O que é um absurdo que está sendo corrigido", disse.

Por outro lado, Bismarck afirmou que as mudanças atingem "principalmente os salários dos servidores, que são conquistas importantes ao longo dos anos". "É certo que precisamos modernizar a legislação dos servidores, em alguns pontos, especialmente com relação a meritocracia, porém precisaremos de um estudo mais aprofundado da Câmara", defendeu o deputado.

De acordo com o tucano Danilo Forte, é preciso "acabar os privilégios que muitas vezes se acolhem no serviço público e que transformam a repartição pública no patrimônio do servidor. Isso está errado". Ele defendeu a votação urgente de uma reforma administrativa, "sem preconceito, sem garantia de privilégio para nenhuma das corporações, mas defendendo aquilo que é justo, e aquilo que a sociedade mais espera, que é eficiência no serviço público".

Já o deputado André Figueiredo (PDT) lamentou o momento do envio da matéria ao Parlamento. Ele argumentou que a pandemia vai prejudicar os debates. Para o deputado de oposição ao Governo, haverá prejuízos ao corpo de servidores estaduais.

"Por mais que se diga que não tem impacto na vida dos atuais servidores em termos de quebra de estabilidade, por exemplo, mas tem na desconstitucionalização de determinadas matérias que são importantes como as carreiras típicas de estado, como a questão da estabilidade do próprio servidor. Ou seja, você vai mandar para uma legislação simples, o que é um prejuízo muito grande", criticou.

Figueiredo diz não ser contra discutir uma eventual reforma administrativa, mas alega que o momento é inoportuno, e evidentemente o modelo que está se propondo coloca em risco todo o serviço público brasileiro. "Uma vez que vai fazer com que questões que são constitucionais possam ser legisladas em um futuro próximo por legislação ordinária, e isso é muito ruim para as regras vigentes nós termos uma instabilidade no serviço público brasileiro". As férias dos professores deverão ser uma das questões discutidas entre a oposição e base do Governo.

Senado avalia proposta

No Senado, o projeto da reforma administrativa também foi recebido com apoio dos governistas e críticas da oposição. 

O senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que, mesmo sem conhecer o projeto em profundidade, já foi possível perceber que a proposta não cumpre a missão necessária.

“As primeiras avaliações mostram que o projeto não cumpre sua função, que deveria ser promover uma melhora no serviço público”, contestou.

O senador Antonio Anastasia (PSD-MG) elogiou o Governo. Segundo ele, foi acertada a decisão de deixar de fora os atuais servidores. “O primeiro passo para uma gestão moderna é termos um conjunto normativo que permita essa modernização. A administração não é estática. Em determinado momento, deve haver um freio de arrumação”.
Lasier Martins (Podemos-RS) também defendeu a proposta. 

“É mais do que necessário fazer uma profunda reforma do Estado brasileiro, tanto para reduzir seu peso no bolso do contribuinte quanto para torná-lo eficiente e justo”.

Para Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o projeto não vai reduzir o gasto público.

A senadora Kátia Abreu (PP-TO) sugeriu a instalação de uma comissão mista, formada também por deputados, aos moldes do colegiado que analisa a reforma tributária. 

Após ouvir a sugestão de Kátia, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que irá se reunir com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para tratar do assunto.

“É uma boa sugestão porque poderíamos fazer da mesma forma que criamos a comissão mista da reforma da Previdência e a comissão mista da reforma tributária. Do ponto de vista constitucional, como essa matéria tem iniciativa do Executivo, sua tramitação precisa começar na Câmara”, explicou. 

Nos textos do Orçamento de Guerra e de adiamento das eleições municipais, a tramitação das matérias foi encurtada.

A análise pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ocorreu já no plenário, por causa das mudanças provocadas pelas sessões remotas com a pandemia da Covid-19. Ainda há dúvidas, no entanto, sobre o retorno das sessões presenciais e se voltariam a tempo da apreciação da PEC da reforma administrativa.

 

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