Papel do vice ganha espaço em meio a histórico de turbulências políticas

Diante de conflitos recentes entre ex-gestores e seus respectivos vices desde a redemocratização, o papel dos candidatos a vice-prefeito de Fortaleza tem ganhado mais evidência na eleição deste ano, avaliam analistas políticos

Escrito por Alessandra Castro, Igor Cavalcante e Luana Barros ,
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Legenda: Vice-prefeito eleito deverá atuar em sintonia com o titular do Paço Municipal
Foto: Natinho Rodrigues

Com um histórico de relações turbulentas entre ex-prefeitos que governaram Fortaleza e seus respectivos vices, o papel dos candidatos a vice-prefeito da Capital tem ganhado mais evidência na eleição deste ano. Apesar dos dois postulantes a vice no páreo nunca terem exercido cargo eletivo, os dois já têm projeção no espaço público, a partir de diferentes trajetórias políticas. 

Para o cientista político Cleyton Monte, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), a evidência maior sobre os candidatos a vice ocorre para tentar evitar desgastes em eventual gestão, já que o histórico da Capital aponta relações turbulentas entre membros de chapas eleitas. 

“A história dos vices em Fortaleza é muito traumática. Desde a época do Ciro Gomes, que teve o Juraci (Magalhães) como vice e eles acabaram rompendo; Juraci foi prefeito, passando pela gestão da Luizianne Lins, primeira gestão do Roberto Cláudio, que teve desgastes com o Gaudêncio (Lucena). A exceção agora é a relação do Roberto Cláudio com o Moroni (Torgan), que ficou responsável pela Segurança Pública da Cidade”, contextualiza. 

Por isso, segundo Monte, um vice atuante gera menos desconfiança a prefeito do que um “decorativo”. “Quando há uma coalizão, uma sintonia entre os dois, não tem nenhum problema o vice assumir uma coisa importante”. 

A socióloga Paula Vieira, também pesquisadora do Lepem da UFC, explica que os embates entre vices e prefeitos são comuns porque geralmente ambos pertencem a grupos políticos diferentes, que fizeram aliança para tentar conquistar a maior fatia do eleitorado. No entanto, às vezes, o que era para ser “complementar” acaba despertando divergências. 

“Geralmente, o rompimento acontece por discordância de atuação. Isso ocorre porque muitas vezes os vices não estão alinhados com as propostas do prefeito, então essa relação tende a ter mais conflitos a ponto de gerar um tipo de rompimento. A distância entre o candidato cabeça de chapa e o vice acaba contribuindo. Se eles forem diferentes, um complementa o outro; mas se a diferença (entre os dois) for demais, acabam rompendo”, acrescenta. 

Paula Viera pontua, ainda, que, como a Constituição prevê que a função do vice é substituir o prefeito nos casos de ausência, seja por viagem, doença ou destituição, outras atribuições para o vice durante a gestão partem do prefeito. “Faz parte da articulação política, da construção de aliança, ter diálogo com o prefeito para que o vice não seja apenas para cumprir tabela”, ressalta.

Outros casos 

As turbulências entre vices e os titulares dos mandatos não fazem parte apenas da realidade da Capital. Outras cidades cearenses também já registraram embates entre os integrantes de chapas eleitas. Na eleição deste ano, por exemplos, os atuais vice-prefeitos de Maranguape, Habraão Ramos (Pros), e de Juazeiro do Norte, Giovanni Sampaio (PSD), estavam do lado contrário dos atuais gestores, João Paulo Xerez (PDT) e Arnon Bezerra (PTB), respectivamente. Habraão chegou a lançar candidatura para o Executivo maranguapense, mas renunciou. Já Giovanni Sampaio saiu como candidato a vice-prefeito na chapa da oposição Glêdson Bezerra (Podemos), eleito. 

Cenário nacional 

Os analistas políticos entrevistados pela reportagem apontam, também, que os vices passaram a ter maior projeção no País após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016. “Após o impeachment da Dilma, quando quem assumiu foi o (então vice-presidente) Michel Temer, a população começou a se preocupar mais com quem é o vice e difundiu-se no espaço público que a figura do vice importa”, reforça Paula Vieira.

O professor Cleyton Monte pondera que, por conta desse histórico de turbulências, o grupo responsável pela cabeça de chapa avalia atualmente com mais cautela o nome e o tamanho do capital político do candidato a vice, seja para qual nível de governo for. “(O capital político) não pode ser maior do que o cabeça de chapa”, avalia. 

Pesquisa Ibope

Apesar da maior projeção dos vices no cenário eleitoral apontada por especialistas, a pesquisa Ibope para a Prefeitura de Fortaleza divulgada na última segunda-feira (23) pela TV Verdes Mares mostra que a maioria dos eleitores da Capital não conhece os candidatos a vice-prefeito de Sarto Nogueira (PDT) e Capitão Wagner (Pros).

Percentual

Cerca de 90% dos eleitores ouvidos pelo levantamento disseram não conhecer ou só ter ouvido falar dos postulantes a vice-prefeito de Fortaleza. Ao todo, 59% disseram não conhecer o candidato a vice de Sarto Nogueira, enquanto 60% afirmaram não conhecer a vice de Capitão Wagner.

Olhar voltado às ‘causas sociais’ em eventual governo

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Legenda: Kamila Cardoso é advogada e disputou o cargo de vice-prefeita em 2020
Foto: José Leomar

A candidata a vice na chapa do Pros, Kamila Cardoso (Podemos) ganhou projeção política na luta pelos direitos das pessoas com deficiência e doenças raras, acessibilidade e inclusão social. Neste ano, ela planejava concorrer ao cargo de vereadora, quando foi convidada para compor a chapa majoritária. Confira a entrevista.

Como avalia a atuação durante a campanha?

A visibilidade do vice nunca teve tanto destaque. E essa foi uma proposta dada pelo Capitão Wagner: de que a vice trabalhasse, dividisse tarefas com ele, dividisse pastas com ele. Essa exigência do Capitão me fez entrar na campanha e atuei de uma forma muito positiva. Espero que as mulheres que estejam olhando a gente tenham se identificando com isso.

Caso seja eleita vice, como será a relação com o prefeito?

A minha relação com o Capitão tanto em pré-campanha, campanha e espero que na gestão seja a melhor possível. Com muita liberdade, com muita verdade. Muito olho no olho. E ele me dando toda a liberdade para que eu possa trabalhar da forma que eu acredito e trazer as causas sociais. Ele me dá total liberdade para trabalhar dessa forma, e assim será.

Como pretende atuar como vice-prefeita?

A pauta, sem dúvida, será o social, o humano. Eu quero trazer um olhar mais humanizado para uma gestão que geralmente pensa muito no concreto, em políticas públicas voltadas para o outro lado da cidade. Eu espero trazer esse olhar mais feminino para a gestão.

Mais de 53% dos entrevistados na pesquisa Ibope não sabem quem são os candidatos a vice. Como fazer para ser mais reconhecida pela população?

A pesquisa que demonstrou que os vices não são conhecidos vem da história dos antigos vices, que já estiveram na gestão, que não são conhecidos e que realmente não fazem um trabalho atuante. Mas a nossa proposta é mostrar que estamos realmente dividindo tarefas, de formas iguais.

Vivência na gestão pública em possível cargo eletivo

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Legenda: Élcio Batista, que ocupou cargo público, tenta primeiro posto eletivo
Foto: Camila Lima

O postulante a vice na chapa do PDT, Élcio Batista (PSB), já ocupou cargos na gestão pública. Ele saiu do comando da Casa Civil do Governo Camilo Santana (PT) mirando o pleito municipal. Élcio Batista foi lançado como pré-candidato pelo PSB, mas foi convidado para a chapa de Sarto Nogueira. Confira a entrevista.

Como avalia a atuação durante a campanha?

Procurei estar ao lado do Sarto discutindo a cidade e trazendo novos projetos e novas ideias, inovações que eu considero importantes para o momento que a gente está vivendo, com essa pandemia. Também participando das atividades quando o Sarto precisou estar afastado por conta da Covid-19. Mas, sobretudo, estar ao seu lado aliando toda a sua experiência no Parlamento com a minha experiência dentro da administração pública.

Caso seja eleito vice, como será a relação com o prefeito?

A minha relação com o prefeito será pautada na confiança e na liderança. Sempre respeitando o limite dos cargos e, ao mesmo tempo, apoiando as iniciativas que o Sarto vai liderar. Ele será o prefeito, ele tem a responsabilidade de conduzir a cidade pelos próximos quatro anos se vencer a eleição.

Como pretende atuar como vice-prefeito?

Eu vou procurar cumprir as missões que ele me pedir. Ele vai demandar projetos, programas ou iniciativas. Aquilo que ele me confiar, vou procurar fazer muito bem feito e, ao mesmo tempo, conquistar a confiança dele, dos secretários e da população.

Mais de 53% dos entrevistados na pesquisa Ibope não sabem quem são os candidatos a vice. Como fazer para ser mais reconhecido pela população?

O vice apoia o prefeito nas iniciativas. Normalmente, ele é alguém que fica em segundo plano, que atua para manter a estabilidade do processo de construção de políticas públicas. Esse trabalho às vezes não aparece, mas o importante é que a gente consiga trazer benefício para a população. 

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