Moro acusa Bolsonaro de interferência política na PF; presidente nega
O anúncio da saída do agora ex-ministro da Justiça após 512 dias no Governo foi acompanhado de uma série de denúncias contra o chefe do Planalto. As falas foram rebatidas pelo presidente. Episódio tem repercutido em outros Poderes
O embate entre Jair Bolsonaro e Sérgio Moro chegou a um desfecho com a ruptura entre presidente e o agora ex-ministro em meio a trocas mútuas de acusações. A denúncia de interferência do presidente na Polícia Federal feita por Moro foi usada ainda como base para pedido de investigação da Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal (STF). Por sua vez, Bolsonaro afirmou jamais ter interferido no órgão e disse que o ex-ministro tem um compromisso "com o seu ego e não com o Brasil".
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A nova crise começou ainda na quinta-feira (23), quando interlocutores de Moro informaram que o então ministro disse que sairia do Governo caso o presidente trocasse o comando da Polícia Federal, até então ocupado por Maurício Valeixo. Ainda na sexta-feira (24), Bolsonaro escolheu o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, para o comando da PF. Segundo aliados do presidente, até a noite de sexta, era certo que ele assumiria o posto.
Antes disso, apesar das tentativas da ala militar na construção de um consenso que evitasse a saída do então ministro, a exoneração de Valeixo foi publicada como "a pedido" no Diário Oficial de sexta, com as assinaturas eletrônicas de Bolsonaro e Moro. O ministro, porém, não assinou a medida nem foi avisado oficialmente pelo Palácio do Planalto.
O agora ex-ministro disse que isso foi algo "ofensivo" e que "foi surpreendido". "Esse último ato foi uma sinalização de que o presidente me quer fora do cargo", afirmou ao anunciar a demissão. A exoneração de Valeixo foi republicada em edição extra do Diário Oficial, sem a assinatura de Moro.
PF
O ex-ministro aproveitou para criticar a insistência do presidente Jair Bolsonaro para a troca do comando da Polícia Federal, sem apresentar causas. "O presidente me disse que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligência. A interferência política pode levar a relações impróprias entre o diretor da PF e o presidente da República. Não posso concordar", disse Moro.
"O presidente passou a insistir também na troca do diretor-geral. Eu disse: 'Não tenho nenhum problema em trocar o diretor-geral, mas eu preciso de uma causa'. Estaria claro que haveria interferência política na PF'", afirmou.
Moro falou ainda em "violação de uma promessa que me foi feita inicialmente de que eu teria uma carta branca". "Não tenho condições de persistir aqui", acrescentou.
Resposta
Acompanhado de todos os ministros, Bolsonaro levou seis horas para responder Moro. Em pouco mais de quarenta minutos de pronunciamento, o presidente citou o dia quando conheceu o ex-ministro, e a mágoa por ter sido ignorado por ele. Afirmou, ainda, que "uma coisa é ter a imagem de uma pessoa, outra é conviver com ela".
Apesar de negar que estivesse tentando ter qualquer interferência no processo, o presidente admitiu que pedia, sim, relatórios atualizados. Entre os pedidos feitos, um sobre o atentado da facada na campanha eleitoral e outro acerca do porteiro que citou o presidente na investigação do assassinato da vereadora do Rio Marielle Franco (Psol). "(Mas) Nunca pedi para ele que a PF me blindasse onde quer que fosse", garantiu.
O presidente disse ainda não ter que pedir autorização para trocar um diretor da Polícia Federal. Ele também afirmou que Moro chegou a condicionar a exoneração de Valeixo a uma indicação para o STF em novembro. "Me desculpa, mas não é por aí", afirmou, ao relatar o suposto pedido. "É desmoralizante para um presidente ouvir isso".
O ex-ministro respondeu ao pronunciamento pelo Twitter e negou a acusação de Bolsonaro. Segundo Moro, a permanência de Valeixo no comendo da PF "nunca foi utilizada como moeda de troca". "Se fosse esse o meu objetivo, teria concordado ontem (hoje) sobre a substituição do Diretor Geral da PF", completou.
Moro também enviou ao Jornal Nacional, da TV Globo, registros de mensagens trocadas por meio do aplicativo WhatsApp para comprovar as acusações feitas contra o presidente. Em uma das conversas, com o presidente, Bolsonaro envia ao então ministro uma matéria do site O Antagonista intitulada "PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas". Em seguida, o mandatário escreve: "mais um motivo para a troca", se referindo à sua intenção de tirar Valeixo do comando da corporação.
Supremo
O inquérito citado pela reportagem foi aberto para apurar fake news e ameaças contra integrantes do Supremo. Ainda segundo as mensagens mostradas no JN, Moro responde a Bolsonaro argumentando que a investigação não tinha sido pedida por Valeixo, mas sim pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Moro também encaminhou ao telejornal mensagens trocadas com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), uma das mais fiéis aliadas de Bolsonaro no Congresso Nacional. As mensagens, segundo o ex-ministro, provam que ele não condicionou aceitar a troca na PF a uma futura indicação para o STF - acusação feita por Bolsonaro.
Nas mensagens, Zambelli diz: "por favor ministro, aceite Ramagem (diretor da Abin)". Ela continua: "e vá em setembro para o STF. Eu me comprometo a ajudar, a fazer JB (Jair Bolsonaro) prometer". Como resposta, Moro escreve que não está à venda. Carla Zambelli não comentou as mensagens.
O decano do STF, ministro Celso de Mello, foi escolhido para analisar o pedido do PGR para investigar as declarações de Moro contra o presidente. Aras pediu investigação para apurar se foram cometidos pelo presidente os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra. Mello será o responsável por autorizar ou não a investigação.
Partidos como o PSB anunciaram que devem entrar com pedidos pelo afastamento do presidente. Anteriormente, outros pedidos foram protocolados no Congresso. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não se manifestou sobre se deve ou não autorizar a tramitação na Casa.