Modernização, conciliação e celeridade são metas de Nailde Pinheiro, a nova presidente do TJCE
A desembargadora pretende implantar um Centro Judiciário de Conciliação em cada município cearense, além de dar continuidade ao processo de digitalização no Tribunal de Justiça
Terceira mulher na história a assumir a Presidência do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), a desembargadora Nailde Pinheiro tem pela frente a missão de dar continuidade a um processo de transformação digital do Judiciário estadual, mas quer encará-la priorizando, também, a humanização.
Em entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste, ela explica que pretende fazer isso de dentro para fora e vice-versa: valorizar o servidor público é uma meta contínua, assim como aproximar a Justiça da população, especialmente diante da situação preocupante da pandemia de Covid-19.
Iniciado na gestão do agora ex-presidente do TJCE, desembargador Washington Araújo, o projeto de modernização do Poder Judiciário, aliás, entra, sob o comando de Nailde Pinheiro, em uma nova etapa: a esperada chegada de recursos da ordem de US$ 35 milhões, a partir de uma operação de crédito firmada junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), deve viabilizar a automação de processos e otimizar a mão de obra do Tribunal, que ela reconhece ser limitada. É um dos objetivos do Programa de Modernização do Poder Judiciário do Estado do Ceará (Promojud).
Ao dar sequência a ações da gestão que compôs como vice-presidente, porém, a desembargadora também quer imprimir sua marca à frente do TJCE. Para isso, deve apostar em um pilar que atravessa a própria trajetória de 34 anos como magistrada: a conciliação.
Nailde Pinheiro diz que pretende implementar, em cada município cearense, um Centro Judiciário de Conciliação. Ela avalia que a conciliação é um exercício consolidado no Tribunal, mas acredita que pode dar mais resultados ao Judiciário e ao cidadão.
Defensora de que as mulheres ocupem mais espaços de poder, a nova presidente do TJCE também pretende levar a pauta adiante no biênio que se inicia (2021-2023).
Leia a entrevista:
Ao assumir a presidência do Tribunal de Justiça do Ceará, quais são as metas para a sua gestão?
Temos um planejamento estratégico que vem sendo construído, a longo prazo, já pensando um Judiciário em 2030. Fala-se muito em tecnologia e a gente sempre tem que seguir o momento, porque a tecnologia vem em uma crescente. Então, a Justiça também precisa se modernizar. Foi dado um passo para que essa modernização acontecesse e eu elegi, como meta da minha gestão, a transformação digital com humanização. Atrelada a essa transformação digital, eu vejo que o humano em si tem que ser trabalhado, para que o emocional e essa coletividade sejam uma crescente e com qualidade.
A humanização é uma meta que tenho no profissional. Sou magistrada há 34 anos e sempre valorizei muito estar ao lado de quem necessita de ajuda e de um olhar especial. Muitas vezes se fala em uma inteligência artificial, em automação, mas eu não posso deixar de dizer que o humano vai ser imprescindível.
Os processos judiciais já passaram por esse processo de digitalização?
O Poder Judiciário hoje está quase todo digitalizado, o que significa que eu não tenho mais processo físico. Hoje, existe o acesso a um processo dentro de uma tela de computador, o que facilitou muito o nosso trabalho agora na pandemia. O Judiciário teve continuidade na sua prestação jurisdicional, não sofreu processo de descontinuidade. Continuo com esse investimento tecnológico, uma vez que, na gestão anterior, já houve um investimento, com a colaboração do Poder Executivo, para que esse incremento tecnológico pudesse acontecer, porque o orçamento do Poder Judiciário não tem cifra suficiente pra comportar isso.
Iremos receber investimento feito com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e teremos cinco anos para que esse valor possa ser utilizado pelo Poder Judiciário. Fico na gestão dois anos e os meus sucessores terão continuidade de aplicação desses recursos do BID.
Hoje, se reclama muito da morosidade da justiça. Mas essa morosidade, muitas vezes, é a deficiência do corpo dos servidores.
Com essa automação, vai dispensar muito o trabalho do servidor no que diz respeito ao quantitativo. Vai ser o incremento a mais para que determinados expedientes, que necessitavam de cinco ou seis servidores, passe a necessitar só de um servidor, e a prestação jurisdicional passe a acontecer. A qualidade da nossa produtividade, o incremento tecnológico e das finanças - a maneira como vamos gerir os nossos recursos - será muito bem acompanhado pela gestão.
O Promojudi, que é projeto de Modernização do Poder Judiciário, chega em uma boa hora porque realmente nós estamos precisando avançar na qualidade de proporcionar melhores serviços ao cidadão, que espera uma resposta célere, nós temos essa cobrança, e o cidadão que paga seus impostos necessita desse olhar especial e é isso que nós vamos fazer.
Ainda quando estava no Tribunal Regional Eleitoral, a senhora chegou a colocar a valorização do servidor público como uma prioridade. Nessa perspectiva de automação dos processos e desse novo momento para o Judiciário, como a senhora enxerga a valorização do servidor pensando no serviço prestado à população?
A valorização dos servidores sempre foi a minha bandeira, desde a minha primeira Comarca. No TRE, era uma equipe bem maior e eu tive ali que trabalhar não só com o público interno como com o público externo, que eram os mesários. Para trabalhar muito bem o servidor da Casa, instituí até a sexta-feira cultural e busquei trazer também os servidores do interior do Estado, para não haver diferença entre a sede e o Interior. Da mesma forma, no Tribunal de Justiça, eu procurei agregar, somar e não fazer a distinção entre o servidor do interior e o servidor da Capital.
Com relação a essa automação, vai proporcionar ao servidor uma melhor qualidade de vida, porque em muitos expedientes que hoje ele tem que se debruçar, ao receber essa ajuda tecnológica, ele poderá se debruçar sobre outras demandas.
Estamos em um momento, agravado pela pandemia, de dificuldade financeira no Poder Público de forma geral. No TRE, a limitação de pessoal e a própria limitação orçamentária eram uma realidade. Como é que a vivência e a gestão à frente do TRE podem contribuir pra uma gestão mais eficiente no Tribunal de Justiça?
Quando estive no TRE, me preparava para uma grande festa cívica que era a eleição, com um número pequeno de servidores, então eu tive de buscar ajuda dos mesários, tive que depositar muita confiança naquelas pessoas e, ao mesmo tempo, capacitar para que o dia das eleições transcorresse normalmente. Aqui (no TJCE), temos um efetivo que ainda consideramos insuficiente, mas, com cada um procurando se esforçar e imbuídos do mesmo propósito, a gente vem correspondendo às expectativas do momento. Nós temos que avançar. Temos demandas que as pessoas esperam, há muito tempo, por uma solução.
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Existe uma continuidade de gestão, mas agora ela terá o perfil da senhora, que traz a característica dessa humanização. O que seria trazer essa dimensão humanista para a gestão do Tribunal?
Principalmente nesse momento da pandemia, onde todo mundo se afastou da instituição, partindo para um isolamento social, onde muitas pessoas conseguiram se adaptar, mas muita gente não se adaptou; temos pessoas que realmente estão buscando ajuda psicológica, ajuda médica. As demandas na área da psicologia aumentaram com uma intensidade grande. Muitos servidores foram atingidos por essa pandemia e por esse momento de isolamento.
A gente foi se reinventando e vencemos esse ano de 2020. Não foi fácil. Com relação a essa humanização, é chegar próximo ao servidor, não fazer distinção entre servidores, tentar descobrir talentos. Precisamos ter esse controle para que possamos fazer uma gestão de qualidade, uma gestão de excelência.
A senhora traz na trajetória uma relação próxima com a questão da conciliação. Como investir na conciliação pode destravar alguns processos e ganhar em celeridade?
A conciliação, ao longo do tempo, tem sido o norte de ideias, inclusive para o próprio CNJ. O Conselho tem investido muito nessa conciliação, fomentando de cada tribunal esse investimento. E proporciona curso de capacitação, porque, para que você seja um bom conciliador e um bom mediador, é preciso saber as técnicas pra aplicar isso. Com as técnicas bem aplicadas, geralmente um litígio termina em uma conciliação. Desde a minha primeira Comarca, já buscava, antes do prosseguimento de um processo, trazer a oportunidade das partes construírem o resultado satisfatório para aquela demanda. Isso tomou um espaço dentro da minha vida profissional e, em qualquer comarca, sempre trabalhei com conciliação. Em Fortaleza, continuei exercitando porque tive a oportunidade de integrar uma Vara de Família.
Era enriquecedor saber que aquele casal que, muitas vezes, estava prestes a separação, era possível uma reconciliação. Eu sempre me identifiquei com essa causa.
Depois, eu tive a oportunidade de trabalhar em uma Vara de Sucessões. Quantos herdeiros travando diferenças, irmão desconhecendo irmão, em busca de uma partilha? E que não chegavam a um entendimento. Com aquela minha conversa, muitas vezes uma partilha que era pra ser judicial, era feita por um partidor judicial. Eu conseguia que eles transformassem o litígio em uma partilha amigável. Isso sem contar o que a gente conseguia restabelecer de laços familiares ou de amizades que estavam cortadas. Chegando no Tribunal, fui convidada para trabalhar no núcleo permanente de métodos consensuais e de solução de conflitos.
Hoje, o Poder Judiciário vem exercitando a conciliação diariamente, isso está consolidado. O próprio foro do processo civil já prevê esse momento antes de prosseguir uma causa, onde o magistrado oportuniza as partes. A gente observa que esse trabalho, sendo bem construído, o resultado é exitoso. Pretendo chegar junto desse núcleo de conciliação em cada comarca e em cada município.
Dentre os 184 municípios cearenses, eu pretendo implantar, em cada um, o Centro Judiciário de Conciliação, principalmente para aqueles que não tem condições de contratar um advogado. Para ter ao seu dispor uma pessoa que possa ajudar a construir uma composição.
A pandemia impõe uma crise em diferentes perspectivas na nossa vida em sociedade. O judiciário se viu muito desafiado, assim como outros Poderes e o serviço público de forma geral. Assumindo o Poder Judiciário, como ele pode contribuir no combate a pandemia?
O Poder Judiciário já estabeleceu o calendário de restrições e fez um planejamento de retorno às atividades. Tenho que ter a responsabilidade de saber que estamos no período da pandemia, as exigências sanitárias estão aí e temos que observar todas essas regras sanitárias para que eu possa tomar qualquer decisão. Estamos trabalhando com os órgãos da saúde. É um momento preocupante, mas o nosso acervo 100% digitalizado é um alento, porque a produtividade vai continuar.
O Judiciário, a partir de provocações, também assumiu determinada importância nesse momento da pandemia. Tem que se posicionado sobre muitos aspectos que impactaram diretamente na vida das pessoas. Qual é o papel que o Judiciário deve ter diante dessa expectativa que a sociedade coloca em relação ao Poder?
O papel do Judiciário é observar as regras sanitárias, preservar a vida, os integrantes dessa instituição e fazer com que, mesmo a distância, essa produtividade não deixe de existir. E, junto com o Poder Executivo e o Legislativo, poder ajudar a essas pessoas que estão no isolamento, essas pessoas que estão buscando que esse momento tão difícil passe.
A senhora é a terceira mulher na história a assumir a presidência do Tribunal de Justiça do Ceará. Qual significado disso?
Na realidade, são quase 150 anos (de Tribunal de Justiça). Ou seja, a cada 50 anos, uma mulher (preside). Para mim, é uma honra muito grande ser presidente da minha instituição. Nesse momento, a participação da mulher é uma crescente em todos os setores, em todos os segmentos da sociedade. Em vários segmentos do Poder Judiciário, nós temos a participação da mulher. Não por ser mulher, mas pela competência que cada uma vem, ao longo do tempo, desempenhando as suas funções. Essa questão do gênero, realmente está sendo muito bem contemplada na minha gestão.
Assumindo a gestão, o que é visto como um gargalo que pode ser resolvido com celeridade?
Temos hoje o núcleo de produtividade remota, que vem dando suporte às comarcas do Interior. Temos muitos estagiários que fazem expedientes dos magistrados que, muitas vezes, não têm condição, que não contam com essa equipe. Temos os estagiários de pós-graduação que ajudam também na elaboração de trabalho do próprio magistrado.
Então, tudo isso tem sido um processo para retirar esse gargalo, acabar com essas demandas de longas datas. Nós atendermos às demandas em um tempo bem mais recente é o principal objetivo. E para isso a gente tem que capacitar muito bem os servidores, temos que capacitar bem esse estagiário porque ele precisa ter o conhecimento da causa. A Escola da Magistratura já vem com esse olhar e com certeza eu irei avançar na capacitação dos servidores e de magistrados.
Qual o Tribunal a senhora espera ter construído daqui a dois anos, quando encerra a sua gestão?
Com o avanço da tecnologia, com certeza eu repassarei ao meu sucessor um Tribunal que está bem mais avançado, o número de processos que estão tramitando em cada gabinete sofrerá uma diminuição.
Estamos pensando na automação, na inteligência artificial, e isso vem como incremento para o magistrado. Mas isso não quer dizer que o magistrado não vai ter condição de pensar no resultado daquela sua demanda, porque ele vai se debruçar também sobre aquelas causas que exigem um maior tempo dele.
Então, com essa a inteligência artificial e com essa automação, vai oportunizar que o próprio servidor tenha tempo pra se debruçar sobre matérias mais difíceis. Acredito que deixarei o Tribunal bem mais fortalecido, mais aprimorado do que estou recebendo. Cada gestor tem essa preocupação, são dois anos para dar tudo de si, o melhor para a instituição.
O Judiciário vem numa crescente, cada administração aprimorando a gestão anterior.
Infelizmente, o aumento no número de casos de violência doméstica tem preocupado. Na sua gestão, como a senhora pretende atuar sobre esse tema?
Esse trabalho vem a cada ano sendo aprimorando. Antes, nós só tínhamos aqui uma vara que trabalhava com violência doméstica. O Tribunal sentiu a necessidade de uma nova vara. Então, hoje temos duas magistradas que se identificam com esse trabalho e eu irei dar um suporte para que essas magistradas trabalhem muito bem esse tema relacionado à violência doméstica.
Por sinal, em razão do isolamento, nós temos observado, pelas estatísticas, que a violência doméstica tem sido uma crescente e nós não podemos ficar indiferentes a isso.
É preciso trabalhar a prevenção, trazendo políticas públicas. Poderemos, através de um trabalho com as primeiras-damas dos municípios, de Fortaleza e do Estado conseguir avançar na prevenção, antes que o Judiciário tenha que estar aplicando a lei Maria da Penha. A prevenção é o diálogo, é o acesso do Poder Judiciário a essas pessoas, que, muitas vezes, se sentem excluídas, se distanciam