Presidente do TJCE destaca produtividade e projeta avanço digital para aproximar Justiça do cidadão

Próximo ao fim da gestão de dois anos à frente do Judiciário cearense, o desembargador Washington Araújo faz, em entrevista, um balanço de ações implementadas à frente do órgão e aponta perspectivas diante de investimentos em tecnologia

Escrito por William Santos/Alessandra Castro ,
Legenda: Desembargador Washington Araújo defende que o Judiciário seja "previsível"
Foto: José Leomar

Quando assumiu a Presidência do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) em 2019, o desembargador Washington Araújo tinha pela frente o desafio de melhorar os índices de produtividade do Judiciário cearense e materializar um plano complexo de reestruturação em meio a um contexto de austeridade. Dois anos depois, prestes a deixar o cargo, o magistrado destaca, em entrevista ao Diário do Nordeste, esforços que resultaram na redução do acervo de processos do Tribunal e avalia que o Judiciário estadual, com mudanças implementadas, está mais próximo da população.

Na pandemia de Covid-19, por exemplo, ele diz que a implementação do chamado processo judicial eletrônico em todo o Estado e a digitalização do acervo processual do Tribunal, além do trabalho por videoconferência, contribuíram para que a produtividade do TJCE não fosse afetada. Já ao tratar da atuação nacional durante a crise sanitária, Araújo aponta que, quando provocado, o "Judiciário, em momento nenhum, se furtou ao seu papel".

Ao traçar perspectivas para os próximos anos, o desembargador projeta que o investimento em tecnologia será fundamental para que, com a automação de "atividades rotineiras", a força de trabalho do Tribunal, que reconhece como "escassa", possa ser otimizada. A meta, com a esperada chegada de recursos advindos de uma operação de crédito com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), é que  "o cidadão tenha o Judiciário na palma da mão".

Leia a entrevista:

Ao assumir a Presidência do Tribunal, o senhor colocava como metas a virtualização dos processos, mais tecnologia para o Judiciário e mais produtividade. Neste fim de gestão, o que se alcançou em relação a essas três metas? 

Nós interligamos nossos fóruns todos no Cinturão Digital. Com isso, temos um link robusto que nos permite trabalhar com o processo judicial eletrônico e com videoconferência. Implantamos o processo judicial eletrônico em todo o Estado do Ceará e digitalizamos todo o acervo de processos. Nós talvez tenhamos um resíduo de processos físicos, mas são processos que, por alguma razão, não estavam em nosso poder naquele momento. Na medida que forem retornando, da parte, do advogado, serão digitalizados. Então, abolimos o papel, temos o processo judicial eletrônico em todo o Estado do Ceará, temos videoconferência em todo o Estado do Ceará, temos a interligação dos nossos fóruns ao Cinturão Digital. 

A nossa produtividade, naquela época (início de gestão), julgávamos 101% dos processos que entravam. Em 2020, nós julgamos 131% dos processos que entraram. Pela primeira vez, começamos a reduzir o estoque de processos do Poder Judiciário. 

Hoje, somos o nono Tribunal do País mais produtivo (de acordo com o Conselho Nacional de Justiça) e, se pegarmos os tribunais de médio porte, onde se insere o Tribunal de Justiça do Ceará,  somos o quarto. Nós tínhamos, em 2019, 1.222.000 processos. Terminamos 2020 com 1.110.000. Então, reduzimos mais de 9% do estoque de processos num intervalo curto. 

Duas marcas da sua gestão em relação a essa meta de produtividade foram as figuras de estagiários de pós-graduação e também juízes leigos. Na sua avaliação, isso foi central para que houvesse essa melhora na produtividade? 

Foi sim. Só (com) os estagiários de pós-graduação, que foi o programa que deu mais resposta e mais rápida, só no ano passado, em 2020, foram 45 mil minutas de sentença, quase 30 mil minutas de decisão e mais de 60 mil despachos. São números extraordinários se você considerar que são 180 estagiários de pós-graduação num núcleo que atua remotamente em todo o Estado do Ceará. Isso nos permite deslocar essa força de trabalho para qualquer comarca onde haja processos acumulados. Então, isso nos dá uma mobilidade que é extraordinária a partir de um trabalho coordenado por juízes e servidores. 

São mudanças consideradas pioneiras no Ceará, mas quase toda mudança encontra resistência. Na sua gestão, para implementar isso, como o senhor enxerga as resistências? Já foram completamente superadas? Isso se consolida como uma política interna do Tribunal? 

Foram (superadas). Acho que é um programa consolidado, sim, porque nós agregamos força de trabalho qualificada de baixo custo, porque nosso orçamento é muito apertado. E acho que isso está completamente consolidado. Como diz o Belchior: 'o novo sempre vem'. O novo já foi absorvido pela sociedade, pelo Tribunal. É um programa que hoje já está consolidado. 

O senhor coordenou um processo de reestruturação do Judiciário cearense. Inclusive, esse processo foi finalizado no fim do ano (de 2020), com a sanção de uma lei pelo governador Camilo Santana (PT) para transformação de cargos. Qual é o balanço em relação a essa reestruturação? Foi possível fazer tudo que estava previsto? 

Foi. Só que a execução da reestruturação é diferente no tempo. Nós, esse ano (de 2020), fizemos a agregação de 11 comarcas. Essas agregações serão feitas na medida que tenhamos condição, porque não adianta você só tirar processo de uma comarca e levar para outra. Nós precisamos tirar esse acervo para reduzi-lo drasticamente, senão você vai colapsar a comarca agregadora. Então, trabalhamos fortemente com esse núcleo de produtividade remota, com os estagiários de pós-graduação. Trabalhamos fortemente esses acervos para reduzi-los e só então incorporá-los à comarca agregadora. 

Pela primeira vez, nós transformamos cargos de juízes em cargos de assistentes, porque entendemos que precisamos trazer força de trabalho extra, e esses assistentes vão nos permitir nos tornarmos mais produtivos. E essa reestruturação se faz necessária porque, com o processo judicial eletrônico, perde o sentido aquela ideia antiga de que toda cidade deve ser sede de comarca, que era a ideia que os desembargadores do passado tinham. Eles tinham a mente formatada em outra época, em que não se cogitava o processo eletrônico.

Foto: José Leomar

O processo eletrônico está acessível de qualquer lugar. Então, você pode concentrar força de trabalho e atuar para julgar mais rapidamente os processos. Aquela estrutura, com a capilaridade muito grande, nos deixava sem braços para atender a essas comunidades. Eram comarcas de faz de conta, porque eram de Direito, mas que de fato nós não tínhamos um juiz ali, não tínhamos servidores suficientes. Foi necessária fazer essa modernização, com uma estrutura mais enxuta, mais delgada, para tornar o nosso Tribunal mais produtivo. 

Essa modernização passa também por investimento em tecnologia. Há uma operação de crédito prevista com esse foco. Qual o valor e a que ele vai ser destinado na prática? 

O Promojud (Programa de Modernização do Poder Judiciário do Estado do Ceará) é uma operação com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Serão US$ 35 milhões. O projeto contempla a transformação digital do Poder Judiciário Cearense. Além dos recursos, o BID vai nos trazer técnicos de outros países. É possível que tenhamos aqui mentes que se destacaram em Israel, em Harvard (Estados Unidos).

O que nós queremos é que o cidadão tenha o Judiciário na palma da mão, no smartphone, que ele participe de uma audiência do smartphone sem precisar sair de casa, que acesse o seu processo do smartphone, que o advogado possa participar de audiências do seu escritório - peticionamento ele já faz do escritório porque o processo é eletrônico. É um mundo em que o processo será muito mais rápido.

Nós deveremos ter um nível de automação em que atividades rotineiras, como expedição de mandados, elaboração de mandados, citação e intimação, sejam feitas pelo sistema, pela máquina. E nossos servidores que hoje fazem isso vão fazer atividades mais nobres, vão ajudar a produzir decisões. Com isso, vamos otimizar o uso da nossa força de trabalho, que é realmente escassa, levando esses servidores para atividades que são bem mais interessantes, que são mais nobres e que trazem mais resultados para o cidadão. 

A pandemia trouxe uma nova realidade para a sociedade e para o serviço público também. O TJCE teve que se adaptar ao trabalho remoto com desafios de manter níveis de produtividade. Depois desse trabalho todo, de adaptar o trabalho presencial, o que fica de lição e ganho para o que pode ser incorporado à rotina do Tribunal? 

Primeira coisa é que nós vínhamos trabalhando no sentindo de transformar o Tribunal para trazer mais tecnologia para o nosso dia a dia. Tínhamos providenciado o processo judicial eletrônico em todo o Estado, estávamos digitalizando o acervo, trabalhando com videoconferência. Era um cenário que nos permitia trabalhar a distância. Sem saber, estávamos nos preparando para um momento como esse da pandemia, que não passava pela nossa cabeça, mas que nos encontrou prontos para migrar rapidamente para o modo de trabalho em que o servidor fique em casa - o teletrabalho, o home office.

Pudemos rapidamente migrar para outro modo de trabalho, sem trazer prejuízo para aquilo que queríamos, que era a celeridade dos julgamentos. E o Tribunal do Ceará talvez tenha sido o que mais rápido se adaptou a essa realidade. Avançamos muito em produtividade porque estávamos preparados para esse cenário. 

O TJCE também se envolveu institucionalmente com outros órgãos, outras esferas do Governo, em relação às medidas de combate a pandemia, inclusive integrando um comitê. Como foi essa contribuição em âmbito local e como o senhor avalia a atuação do Judiciário em âmbito nacional nesse sentido, já que em momento críticos, graves dessa crise, foi protagonista? 

O governador Camilo Santana criou um comitê que é integrado pelos presidentes dos poderes - os chefes do Executivo, do Judiciário e do Legislativo -, chefe (do Executivo) da Capital, procurador-geral do Estado, procurador-geral do Município, secretários de saúde, alguns técnicos, o Ministério Público Estadual, na figura do procurador-geral da Justiça, um representante da Procuradoria da República... Esse comitê ouvia os técnicos e (traçava) os encaminhamentos de propostas para aquele momento de pandemia. As reuniões são semanais e ainda estão ocorrendo. Acho que foi uma atitude muito inteligente do governador Camilo, porque ele trouxe mais pessoas para auxiliar, pensar soluções. E também dividir responsabilidades. São mais atores fazendo parte dessa tomada de decisões. 

 E em relação ao âmbito nacional? 

Pois é, o Judiciário é inerte, só age se for provocado. E o Judiciário, em momento nenhum, se furtou ao seu papel: se provocado, ele realmente decide. Em âmbito nacional, inclusive. 

O senhor defende um Judiciário que seja “previsível”. O que seria isso? 

Previsível para que a sociedade saiba como o Judiciário cearense se posiciona sobre um tema. Isso é muito importante, porque as empresas fazem as análises de risco, por exemplo, sobre aquele tema. Se já se souber que o Judiciário sempre se posiciona da mesma forma sobre determinado tema, o gestor (da empresa) vai dizer: 'não, não vamos fazer dessa forma, porque vai de encontro ao posicionamento do Tribunal. Se formos, já vamos sabendo que vamos perder'. Previsibilidade é isso, para que não haja loteria, onde um juiz decide de uma forma uma mesma matéria e outro decide de outra. Tem que haver um entendimento único da instituição, do Poder Judiciário. Isso é o que chamo de Judiciário previsível. Isso dá segurança jurídica. Sempre que houver um tema específico e que o Judiciário já se manifestou (sobre ele), aquilo deve balizar outras decisões do Judiciário. 

Foto: José Leomar

Como tem sido a transição de gestão e quais são as perspectivas para continuidade desse processo (de modernização) que o senhor vem tocando, inclusive com essa operação com o BID? 

Nós temos, hoje, uma regra: a eleição (do TJCE) é em setembro e a posse é no fim de janeiro. Esse tempo todo é usado pelo eleito e pelos futuros gestores do Tribunal para desenvolver e criar um modelo de gestão em cima do que já existe. (...) A desembargadora Nailde (Pinheiro, futura presidente do Tribunal) terá a oportunidade e a responsabilidade de tocar o PromoJud, porque os recursos irão chegar na gestão dela. E nós temos um programa de aplicação desses recursos. Então, ela deverá dar seguimento àquilo que foi planejado em relação à operação. 

Há avanços em relação aos números. Qual é o principal gargalo que o senhor vislumbra como desafio para a nova gestão? 

Nós temos um baixo nível de automação. E isso exige que tenhamos uma força de trabalho importante fazendo atividades absolutamente rotineiras. É necessário trazer para o Tribunal do Ceará um nível de automação maior, para que atividades rotineiras, como expedição de mandados, intimação e acusação, sejam feitas automaticamente pelo sistema, porque isso é absolutamente possível. E está muito próximo do nosso horizonte, agora com o PromoJud.

Nós continuamos a ter uma das menores forças de trabalho do Judiciário brasileiro. O que nós precisamos é fazer essa transformação digital do Tribunal para que tenhamos essa força de trabalho deslocada para atividades mais nobres, que é onde temos carência.  

Como o Tribunal tem buscado melhorar a transparência nos processos internos para que a população possa se aproximar do Judiciário?  

Na minha avaliação, hoje, o Poder Judiciário cearense é o mais transparente. Todos os nossos julgamentos são públicos. Todas as nossas informações estão acessíveis ao cidadão através do nosso portal. Nós não temos nada oculto.

Até mesmo processos disciplinares contra magistrados são julgados em sessões públicas. Isso é muito importante porque dá transparência e a sociedade cearense vê que o nosso Tribunal acompanha muito de perto o comportamento e até mesmo o nível de produtividade de cada magistrado nosso. Não só estamos mais abertos, como estamos mais transparentes. E isso é comprovado hoje pelo o CNJ: nós somos um dos Judiciários mais transparentes do Brasil. 

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