Em ano eleitoral, servidores travam queda de braço por reajustes no Ceará

Com maior pressão das entidades representativas em ano eleitoral, o Executivo se torna mais sensível às negociações com categorias profissionais. Especialistas apontam o histórico dessa relação no campo eleitoral

Escrito por Wagner Mendes , wagner.mendes@svm.com.br
Legenda: Camilo Santana recebeu representantes dos policiais na última quinta-feira
Foto: Foto: Carlos Gibaja/Governo do Ceará

Os professores da rede pública de ensino de Fortaleza conseguiram um reajuste salarial de 12,84% na última quinta-feira (6). No mesmo dia, o governador do Estado do Ceará, Camilo Santana (PT), abriu as portas do Palácio da Abolição para receber líderes de representantes dos profissionais de segurança pública que ameaçavam paralisação. O diálogo avançou, e nesta segunda-feira (9) haverá uma nova rodada de negociações em uma comissão na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará com possibilidade de mudança nos percentuais de reajuste salarial apresentados pelo Governo.

A professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará, Monalisa Torres, explica que, em ano eleitoral, como 2020, há uma maior sensibilidade por parte do Poder Público para a negociação das pautas demandadas por entidades representativas.

Nenhuma dessas duas categorias, de professores e policiais, conseguiu, por exemplo, a mesma mobilização vista no ano passado, nem uma narrativa tão forte diante do Executivo. A pressão que ganha força ocorre a poucos meses da eleição municipal.

É que "quanto mais o candidato puder mostrar que prestou serviço para a comunidade, melhor avaliado ele será, e maior capital político ele poderá acumular", analisa Monalisa Torres.

Para a pesquisadora, "é frequente que em anos eleitorais essas categorias conseguem exercer uma pressão maior" justamente pela administração da imagem pública que essas lideranças terão ao enfrentar essas pautas.

Segundo a professora, o esforço pela manutenção ou fortalecimento do capital político de uma determinada liderança vai exigir desse prefeito ou do governador, por exemplo, uma capacidade maior para responder às demandas, já que a imagem dos líderes acaba sendo mais exposta à população nessa época. A presença dos professores na Câmara Municipal de Fortaleza e dos policiais na Assembleia Legislativa é exemplo dessa exposição.

Legenda: Na Câmara Municipal, professores da rede pública da Capital fecharam um acordo sobre reajuste salarial
Foto: Foto: Alessandra Castro

Viés eleitoral

Para o cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará, Cleyton Monte, "é quase impossível qualquer tipo de negociação em ano eleitoral não vir a ser contaminado pela eleição".

Monte lembra que diversas lideranças políticas surgiram desses tipos de movimentos.

"Você tem lideranças que saíram dos movimentos da polícia, dos sindicatos dos professores, do movimento dos comerciários, lideranças que surgiram a partir dos movimentos dos bancários. É algo histórico", relembra.

Nesse cenário, de acordo com o professor, "existem muitos casos de políticos, tanto do Legislativo quanto do Executivo, que participam dessa negociação". "E como você vai dizer para o político não se aproveitar de uma situação que vai trazer retorno pra ele?", questiona.

O pesquisador cita ainda que "é muito comum você ver nos municípios prefeitos que utilizam cargos de confiança para criar grupos de apoio" como forma de contra-ataque aos membros de sindicatos e associações.

"O prefeito fica resistindo a dar aumento nos três anos de mandato e, no final do terceiro ano - para não cair na legislação -, consegue aprovar para que o reajuste acabe caindo em ano eleitoral", ressalta.

Legislação

Observando esse cenário, textos da legislação foram alterados nos últimos anos para evitar esse tipo de negociação, lembra Cleyton. "Ao longo da redemocratização tentaram criar uma série de leis para impedir que os governos concedessem aumento em ano eleitoral para não configurar abuso de poder econômico. Existem várias leis, um conjunto de dispositivo criado para tentar reduzir esse tipo de utilização, da politização desse debate", explica.

Já o sociólogo da Universidade Federal do Ceará, Jonael Pontes, observa que "essas reivindicações são históricas e frutos de uma luta contínua que não se inicia no processo eleitoral, tampouco se encerra nele".

Pontes destaca que "o pilar da política é a negociação" e que "a busca pelo consenso é um caminho inevitável" inerente do processo político.

"Diante disso, não podemos esquecer que esses setores da sociedade (movimentos sociais, sindicatos, categorias organizadas) praticam a micropolítica e constroem reivindicações durante todo o tempo. Quem espera o momento oportuno de barganhar, na verdade, é a classe política", argumenta Jonael.

Segundo o sociólogo, o grupo que está na situação também pode se favorecer com esse momento eleitoral e que a postura adotada faz parte de uma estratégia de manutenção do poder. "Acredito que pensar dessa forma, que o povo organizado é quem espera o momento propício para negociar, é até um pouco ofensivo. O povo está sempre em luta e sempre em movimento porque, se não fosse isso, a história da desigualdade no Brasil seria muito maior", diz.

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