'Candidatura natural': a carapuça que não serviu em Izolda servirá para Sarto?

Legenda: Sarto com a então governadora Izolda Cela
Foto: Divulgação / Governo do Ceará

Se você gosta de acompanhar o noticiário político no Ceará deve ter ouvido a expressão “candidatura natural” com certa frequência desde as eleições de 2022. A questão era: ‘seria a então governadora Izolda Cela a candidata natural do PDT à reeleição?’. Um ano depois, não há consenso entorno dessa pergunta. Isso não significa, no entanto, que o elefante foi retirado da sala, especialmente da sala do próprio PDT. Desde já, o drama da “candidatura natural” volta a assombrar os pedetistas e, dessa vez, o foco está na disputa pela Prefeitura de Fortaleza. Afinal, a carapuça que não serviu em Izolda servirá para Sarto?

A disputa interna no PDT em 2022 para definir candidatura ao Governo do Ceará naquele ano completou recentemente seu primeiro aniversário, com alguns episódios que ainda deixam um gosto amargo para muitos integrantes (e ex-integrantes) do grupo governista. Um deles, sem dúvidas, é o fato de a então governadora Izolda Cela (hoje sem partido) não ter sido candidata à reeleição. Ela tinha, digamos, “a faca e o queijo na mão”, mas foi preterida em votação interna no partido, dando lugar à candidatura de Roberto Cláudio.

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O gosto amargo, a essa altura, não fica apenas para quem, na época, defendeu o nome de Izolda, tratando-a como “candidata natural”, dado o fato de estar no cargo, de querer disputar a reeleição, de ter apoio de lideranças do grupo político e de mobilizar aliados em diferentes instâncias de poder. 2022 é passado, mas, já olhando para 2024, bem ali, o entorno da pré-candidatura do prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), parece reavivar discussão semelhante: é natural que ele seja o candidato à reeleição? Não é por falta de, também, ter a faca e o queijo na mão.

O ponto de atenção nisso tudo é que, em um breve intervalo de tempo, forças políticas estão em lados opostos dessa discussão. Quem antes minimizava a prioridade de Izolda, agora defende a de Sarto. São cenários tão diferentes assim? Nem tanto. Mas vale reparar neles.

Em maio, foi o próprio Roberto Cláudio quem recorreu à expressão para defender a pré-candidatura do atual prefeito. “Para todos nós que fazemos a executiva municipal, (Sarto é) o candidato natural à reeleição”, disse o presidente do PDT Fortaleza, após um evento do partido.  

O tom de apoio a Sarto marca a reorganização do grupo pedetista derrotado em 2022 desde o início deste ano, quando Roberto Cláudio oficializou o diretório municipal, sob sua liderança. Desde lá, outro apoiador de primeira ordem é o ex-ministro Ciro Gomes.

Ciro com Izolda Cela
Legenda: Ciro Gomes na posse de Izolda Cela como governadora, em abril de 2022
Foto: Thiago Gadelha

Em entrevista ao PontoPoder, em junho, Ciro foi questionado sobre a tese da candidatura natural de Izolda, mas respondeu atacando a ex-governadora e criando uma suposta assimetria com o caso de nomes como Cid e Camilo Santana, de que o compromisso com a ex-aliada era relacionado ao cargo de vice-governadora. Além disso, defendeu que o adversário interno dela era “mais qualificado”.

“Ela foi reeleita vice-governadora. E havia todo um conjunto de compromissos. E volto a lembrar: esse compromisso era público. Os quatro pré-candidatos, ela estava entre eles e com uma vantagem estratégica, ela estaria no cargo. Ela foi submetida a um processo de escolha. Não é que houvesse um compromisso de reeleição, ela foi reeleita normalmente (à vice). Agora, francamente, a dinâmica do processo revelou com grande distância a qualificação do Roberto Cláudio. (...) Ela não seria uma boa governadora como não foi uma boa governadora, não é que ela não seja uma boa pessoa", disse Ciro.

O presidente nacional interino, temporariamente afastado da gestão estadual, André Figueiredo, também já adotou discurso na mesma linha de Ciro, em diferentes ocasiões.  

“O Sarto tem o direito natural, aí ficam comparando com a Izolda. A Izolda não foi eleita governadora, a Izolda era vice-governadora. E ela participou de um processo democrático dentro do PDT, do qual foi derrotada. O diretório regional se reuniu. O nosso candidato natural é o Sarto, mas existem instâncias dentro do PDT. Ninguém vai impor que seja o Sarto. Existem instâncias: que é o diretório e a convenção. Mas o Sarto tem o direito natural e nós vamos brigar até o fim para que seja o Sarto”, disse Figueiredo, em evento do PDT em Fortaleza, no dia seguinte à entrevista de Ciro.

No começo de 2022, quando se começou a ventilar a possibilidade de Izolda assumir o Governo, com a licença de Camilo, muitos aliados já tratavam a escolha dela, dentre os quatro pré-candidatos que o PDT publicizava, como a candidata natural.  

Roberto Cláudio e Ciro Gomes em evento do PDT antes do racha, em 2022
Legenda: Roberto Cláudio e Ciro Gomes em evento do PDT antes do racha, em 2022
Foto: Fabiane de Paula

Quando o racha interno ficou evidente, o próprio Roberto Cláudio, em entrevista ao jornal O POVO, disse que tal argumento de naturalidade só surgiu quando ele ganhou força.  

Agora, Roberto Cláudio, Ciro Gomes e André Figueiredo estão do lado da tese que não serviu para Izolda. Com um pré-candidato no cargo, com direito à reeleição, serão feitas prévias internas? Serão ouvidas as instâncias internas no PDT? Será avaliada a capacidade de outros nomes do partido?

Roberto Cláudio e Sarto em evento do PDT
Legenda: Roberto Cláudio e Sarto em evento do PDT
Foto: Fabiane de Paula

“Condições normais”

A divergência está logo ali. Os aliados de Izolda, que amargaram também o escanteio da pré-candidata dentro do PDT, não estão prometendo tornar fácil a pré-candidatura de Sarto.  

O presidente da Assembleia Legislativa, Evandro Leitão, apesar da aura de desfiliação que paira sobre seu futuro político no PDT, tem dado sinais de que pode ficar e que, se ficar, espera por “condições normais” para apoiar a candidatura de Sarto. Vale lembrar que o próprio Evandro já é apontado nos bastidores como pré-candidato em Fortaleza e já não há mais tanta certeza de que será por outro partido. Há quem não descarte o próprio PDT.  

Eu concordo que o Sarto, em condições normais, ele seja o candidato, em condições normais”, disse Evandro, em entrevista ao PontoPoder, na última quinta-feira (10), ao ser questionado sobre o contraponto entre Izolda e Sarto em relação à tese de candidatura natural.

“As condições normais são de você avaliar, de você fazer uma avaliação no próximo ano, através de pesquisa, as condições que ele estará. Não estou dizendo isso agora, eu disse isso já no início deste ano, se eu não me engano. No início desse ano, você pode pegar uma entrevista que eu dei, que eu disse: ‘Olha, o prefeito Sarto, legitimamente, ele tem o direito de pleitear uma recondução, desde que ele esteja com a viabilidade política eleitoral’”, acrescentou o deputado.

A expectativa de que “condições normais” sejam atestadas por pesquisa está também no discurso do senador e presidente interino do PDT Ceará, Cid Gomes.

Em uma entrevista, em julho, logo após assumir o comando do partido, Cid não citou o nome do prefeito de Fortaleza como um nome natural para a candidatura do grupo.

"Primeiro, é importante a gente definir o projeto, o que queremos para Fortaleza. Segundo, definir a aliança, quais são os partidos, as forças políticas que vão se fazer representar. Por último, o nome, a pessoa, isso é o de menor importância, ao mesmo tempo que deve ser consequência desse esforço inicial de projeto, aliança e definição de nome", disse Cid.  

Cid e Izolda
Legenda: Cid Gomes e Izolda Cela em evento do Governo do Ceará neste mês
Foto: Fabiane de Paula

Em um cenário de reeleição, desde que o grupo de Cid e Ciro derrotou as forças políticas do PSDB no Ceará, um nome nunca ficou tão no fim da fila assim.

Quando o assunto é candidaturas de vices ao cargo principal, a história é outra. De fato, ao longo da trajetória dos Ferreira Gomes, nenhum vice conseguiu ser alçado a governador, vide Professor Pinheiro (PT), no primeiro governo; e Domingos Filho (PSD), no segundo – que bem que tentou. Izolda chegou ao cargo pelo processo legal de posse após desincompatibilização do governador. No caso dos vices de prefeito, também é semelhante: Gaudêncio Lucena, Moroni Torgan...

Natural sim; com apoio, não

Fazendo uma volta no tempo, vale lembrar um episódio que envolve o ex-prefeito Roberto Cláudio. Ele ainda estava na segunda gestão à frente da Prefeitura, quando Ciro Gomes já o apontava como “predileto” na fila de possíveis governantes dentre do grupo político. Na mesma entrevista em que colocava o ex-deputado como primeiro da fila, nos idos de 2017, na véspera de novas eleições, Ciro também dizia que “naturalmente”, Camilo seria o próximo, pois candidato à reeleição.  

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Cid, em 2010, naturalmente, foi candidato à reeleição. Roberto Cláudio, em 2016, também. Camilo, em 2018, idem. Izolda, não. E Sarto? O precedente interno no PDT aberto pelo processo de escolha de Roberto Cláudio deixa margem para um terreno inseguro, por mais que o atual prefeito tenha acelerado o ritmo de anúncio de ações, de proximidade com a população e de outras estratégias para reverter crises de avaliação nas pesquisas que ele sabe que virão.

O incômodo com a “naturalidade” da candidatura à reeleição de Sarto não é novo, mas traz na história a carga de um episódio que foi o marco da queda da hegemonia de Tasso Jereissati no Ceará.

Em 2006, o então governador Lúcio Alcântara (PSDB) se preparava para disputar a reeleição. Tasso o apontava como “candidato natural” do partido, mas o apoio do principal líder foi minado quando supostos boatos na imprensa deram conta de que havia tratativas entre Ciro e Tasso para que Lúcio renunciasse e Cid assumisse a cabeça de chapa.

A crise culminou em um racha entre Lúcio e Tasso. O então governador acabou derrotado, ainda no primeiro turno, por Cid, dando início à história de hegemonia que conhecemos hoje.  

Por óbvio, não tenho as respostas sobre o futuro, mas julgo importante chegarmos lá cientes do caminho construído, e isso é o que já está acontecendo neste 2023, quando muitos julgam “longe” para falar sobre eleições. O que for decidido daqui a menos de um ano vai ser o desdobramento de toda uma estratégia bem planejada e/ou de todo um desgaste acumulado. O que é natural, é espontâneo, peculiar. Seja na natureza, seja nos processos guiados por pessoas, mexer no fluxo tira muita coisa do lugar e reverbera no tempo.  

*Esse texto foi publicado em primeira mão para os assinantes do Diário do Nordeste, na newsletter semanal "Antessala". Assine também o Diário do Nordeste.

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