"Eu, filho do carbono e do amoníaco / Monstro de escuridão e rutilância / Sofro, desde a epigênesis da infância / A influência má dos signos do zodíaco": o poeta brasileiro Augusto dos Anjos mergulha no sofrimento e no pessimismo em "Psicologia de um Vencido", título do poema que o prefeito de Fortaleza, José Sarto, escolheu para se apresentar na entrevista ao Podcast Que Nem Tu, exibido nesta quinta-feira (13).
Se foi "a influência má dos signos zodíacos" o que causou "uma das maiores frustrações" de Sarto na vida, não me cabe dizer, mas, a preço de hoje, ainda pesa, política e pessoalmente, o fim da relação com a ala liderada pelo ministro da Educação, Camilo Santana (PT), no já tão repetido racha de PT e PDT em 2022. Os prejuízos não ficaram no ano passado e, ao que tudo indica, vão reverberar até o decisivo 2024.
"É uma das maiores frustrações ao longo da minha vida toda", diz Sarto que, apesar de ter sido a primeira liderança a defender um nome dentre os quatro pré-candidatos do PDT ao Governo em 2022, o do ex-prefeito Roberto Cláudio; tem sido um crítico das decisões do ex-grupo político nas eleições passadas.
Veja também
"(...) Porque, quando você é oposição, você defende um projeto diferente, você vai tranquilo, com sua alma tranquila, porque sabe que aquele projeto não está indo de acordo com o seu. Mas, quando você está dentro do projeto (e vê) as pessoas brigando, ego, fogueira de vaidades, desfile de egos, não dá mais pra mim... Um dia desses eu li uma poesia de Mário de Lima (poeta mineiro que viveu no final do século XIX e início do século XX) que fala: ele detesta desfile de egos inflamados, sentar-se ao lado de quem está apenas invejando a posição do outro, porque pra ele - para mim - o que é mesmo importante é o essencial, e o essencial é ser verdadeiro. Eu fiquei extremamente - talvez não tivesse o direito, pela estrada que tenho na vida política -, mas eu fiquei muito decepcionado com todos, todos, todos, Camilo, Ciro (Gomes), Cid (Gomes), Roberto Cláudio - fiquei decepcionado com todos, porque é um fracasso colossal", segue o prefeito, na explanação sobre a frustração.
Sarto ressalta: "não era protagonista das decisões" e cobra o discurso de "defender um projeto político", usado, segundo ele, na escolha dele para ser o candidato a prefeito em 2020.
"Quando eu soube, eu fiquei muito triste porque, quando fui convidado para aceitar o desafio de ser prefeito de Fortaleza, o grande ativo que eles colocavam na balança: 'rapaz, você é o cara mais preparado, você tem que dar sua cota'. Eu digo: 'mas do que eu já dei de contribuição?'. O que se colocava na balança era que eu tinha que representar um grupo. (...) Eu brincando, mas falando 'de vera' - como diz o cearense - 'rapaz, e cadê o projeto que vocês tanto defendiam?'. Disse isso na reunião do PDT: 'ora, mas engraçado, vocês me botam aqui pra defender um projeto e, na hora em que vocês ficam cada um olhando pro umbigo, 'Ah, melhor é tal, melhor é tal', e cadê o projeto do povo do Ceará?' Se um não se adequa, gente tinha que perceber quem melhor representava, mas não brigar", disse Sarto.
O prefeito, pré-candidato à reeleição, apesar de deixar de lado o pessimismo sobre a possibilidade da retomada de um diálogo, não diz alimentar expectativas de, por exemplo, ter o apoio de Camilo Santana em 2024.
"Não tô bem nesse rumo. Eu quero é reconstruir relações, a relação política é apenas um aspecto dela. Podemos muito bem ser adversários sem antagonismos pessoais. A verdade é reconstruir parcerias que tínhamos, amizade, porque isso é que importa na vida"
Nesta semana, o prefeito já havia dado sinais dos prejuízos da ruptura, afirmando que, nesses três meses de gestão, não chegou a se reunir com o novo governador do Estado, Elmano de Freitas (PT).
Veja também
Agora, ele diz acreditar no tempo e na razão. "Sempre há espaço para a razão. Sempre há. (...) Com o tempo, os sentimentos vão decantando, as pessoas vão percebendo que se equivocaram, 'talvez errei aqui, acolá'. Estou torcendo para que o tempo seja um bom conselheiro".
Como Sarto vai driblar os reflexos de 2022 para 2024, ainda há meses para se descobrir, mas as perdas, como o próprio prefeito ressalta, são também pessoais, o que torna o cálculo do diálogo mais complexo.
Adepto a referências da música e da literatura, o prefeito pesca, na entrevista ao Que Nem Tu, algumas referências de Cazuza. Uma delas, cabe bem ao contexto entre eleições: "o tempo não para".