Parte da história mais recente do Ceará está prestes a ser desconsiderada

Os servidores não sabem sob qual pretexto e sob qual fundamento legal toda essa documentação estava guardada no principal órgão do Sistema Estadual de Documentação e Arquivos do Ceará

Escrito por
Cleber Pontes e Tânia Harada producaodiario@svm.com.br
Advogado/Arquiteta e Urbanista
Legenda: Advogado/Arquiteta e Urbanista

Nos últimos dias, duas matérias jornalísticas foram veiculadas sobre o processo em curso, onde o Arquivo Público do Estado do Ceará procede a devolução de milhares de caixas com documentos cartoriais de várias cidades aos locais de origem e, assim, se desfaça de importantes fontes informativas.

Assim diz a matéria jornalística: “No Arquivo não se sabe ao certo quando essa documentação começou a chegar nem sob qual justificativa. Mas, servidores que atuam na instituição há quase 30 anos registram que os documentos já estavam lá quando chegaram.”

Ora, trata-se aqui de um desconhecimento de fato e de direito, como mencionado naquela reportagem, uma vez que os servidores não sabem sob qual pretexto e sob qual fundamento legal toda essa documentação estava guardada no principal órgão do Sistema Estadual de Documentação e Arquivos do Ceará.

Quando o então Interventor Federal do Ceará, o Capitão Roberto Carneiro de Mendonça, que fazia o papel de chefe do Poder Executivo estadual, editou lá no ano de 1932 um decreto, o de nº. 643/1932, para estabelecer as atribuições do Arquivo Público do Estado do Ceará é que tal documentação passou a ser enviada sistematicamente para ser custodiada no APEC.

No seu artigo 1º estabelecia que “o Arquivo Público do Estado [...] é destinado a recolher e conservar cuidadosamente e sob classificação sistemática, todos os documentos, manuscritos e papéis concernentes à administração, à história, à geografia do Ceará, e bem assim quaisquer outros, cuja conservação o Governo haja por bem determinar”. Já em seu artigo 6º, inciso III, que “quanto a parte judiciária, serão arquivados, em original, ou por meio de cópias autenticadas [...] IIItodos os autos, livros e papéis de cartórios do Estado, de mais de trinta anos, contados da data do último ato neles lançado”.

Posteriormente, o Poder Legislativo cearense criou a Lei Estadual nº. 10.746, de 1982, para sistematizar por vez a questão do acervo documental produzido em todo o território cearense. Tal lei consolidava a posição do Arquivo Público do Estado do Ceará como principal órgão do Sistema Estadual de Documentação e Arquivos e, assim, como guardião da memória e da história de todo o Ceará. Não por menos o artigo 4º da Lei Estadual nº. 10.746/1982 elencava que: “Para efeitos desta Lei, documentos são todos aqueles produzidos por instituições públicas, semipúblicas e privadas, em sua forma original manuscrita ou datilografada, especialmente os autógrafos de Leis e atos regulamentares e complementares, os relatórios administrativos, os autos de processos judiciais, os registros cartoriais, e outros papéis que tenham, ou venham a ter, importância para a Administração, o Direito e a Ciência. Parágrafo Único - O conjunto da documentação a que se refere este artigo constitui o Patrimônio Documental do Estado e é sujeito às determinações desta Lei, salvo decisão em contrário do Órgão Central do SEDAR”

Para não deixar margem para interpretações e subjetividades, o legislador cearense à época consignou no artigo 5º da referida lei estadual que “Toda a documentação com mais de 50 (cinquenta) anos de produzido, existente em poder das instituições públicas, semipúblicas e privadas, é considerada, em princípio, de valor histórico”.

Se não bastasse isso, coube também ao APEC, tamanha sua importância para os arquivos do Ceará, dar “assistência técnica aos arquivos municipais, cartoriais e eclesiásticos, sugerindo providências acauteladoras da segurança e da integridade dos respectivos acervos”, como determinava o §3º, do artigo 5º da Lei Estadual nº. 10.746/1982.

A leitura e o conhecimento dessas duas normas demonstram que o APEC era devidamente o depositário inquestionável dos documentos produzidos pelos cartórios.

Nos últimos dias do ano de 2000, a Lei Estadual nº. 10.746/1982, foi revogada pela Lei Estadual nº. 13.087, que reestruturou o Sistema Estadual de Documentação e Arquivos. Com a mudança surgiu a carência de um critério legal minimamente objetivo para estabelecer que tipo de documentação e a partir de qual ano ela seria considerada de caráter histórico.

Mesmo assim, se tomarmos como parâmetro uma interpretação histórica, contando com o auxílio da revogada Lei Estadual nº. 10.746/1982, não é absurdo considerar que toda a documentação produzida até 1950, por exemplo, teria seu valor histórico reconhecido, uma vez que o marco temporal poderia ser estipulado em 29/12/2000 (data da entrada em vigor da Lei Estadual nº. 13.087) menos cinquenta anos (conforme o art. 5º da Lei Estadual nº. 10.746/1982), chegando ao resultado de 29/12/1950.

No Direito, existem os chamados “direitos fundamentais”, dentre os quais, existe o direito ao patrimônio histórico e cultural, assim já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal. Como fundamentais, esses direitos não admitem diminuição de seu núcleo material jurídico-normativo, um fenômeno denominado de um ângulo por “vedação ao retrocesso”, também constituindo cláusulas pétreas. Aqueles livros e documentos estão, por isso, incorporados ao patrimônio histórico do Ceará e ao acervo do APEC.

Até mesmo sob o prisma da legislação atualmente em vigor é de se rejeitar uma diminuição do acervo do APEC, uma vez que o Sistema Estadual de Documentação e Arquivos do Ceará possui três objetivos: gestão, preservação e acesso aos documentos de arquivos (art. 1º, da Lei Estadual nº. 13.087/2000). Os dois últimos objetivos parecem ser os mais vilipendiados com essa diminuição do acervo do APEC.

Adotando as palavras de Winston Churchill que certa feita pregou que “se abrirmos uma disputa entre o passado e o presente, descobriremos que perdemos o futuro”.

Noêmia Frota é administradora
Noêmia Frota
18 de Dezembro de 2025
Wagner Balera é professor
Wagner Balera
17 de Dezembro de 2025
João Teodoro da Silva é presidente do Sistema Cofeci-Creci
João Teodoro da Silva
17 de Dezembro de 2025
Jornalista
Gilson Barbosa
13 de Dezembro de 2025
Jornalista
Gregório José
12 de Dezembro de 2025
Maíra Lira Oliveira é advogada
Maíra Lira Oliveira
10 de Dezembro de 2025