O rei como bobo da corte

Escrito por Igor Mascarenhas , igormasc@gmail.com

Márcia Tiburi chama a nossa atenção para o atual hábito de “não tratar com seriedade as coisas políticas”. Ela parte da premissa de que certas pessoas e cenas, mesmo parecendo engraçadas, na verdade nos fazem sofrer e que apesar de parecerem somente “bufonaria natural”, quase inocente, ou mesmo estupidez, servem ao poder, quando afasta o cidadão médio e sério, que, ao presenciar as cenas ridículas, não quer ter parte com isso e assim se afasta da política e do debate público.

Bolsonaro é mais um desses representantes do ridículo político. Quando deputado federal, foi pródigo em atos e falas absurdas e ridículas. Já presidente, diz tantas outras asneiras. Em uma live, imita, de forma cruel, uma pessoa sufocando, mesmo com centenas de milhares de mortos pela doença, alguns, em Manaus, sufocando até a morte.

Ele não recorre ao ridículo por nada: ao ser um personagem bufão, esconde sua profunda miséria subjetiva, ou seja, oculta um ser que nada tem de simples, mas de simplório.

Esses discursos e atos ridículos pareciam uma exceção ou pelo menos limitados a câmaras de vereadores ou ao baixo clero da Câmara, de onde Bolsonaro saiu depois de 27 anos de uma vida parlamentar resumida a bravatas e a dois projetos de leis aprovados.

No entanto, esse tipo de discurso cresceu e é uma deturpação da política, que na era do espetáculo, com programas de auditório, “telejornais” policialescos e redes sociais – todos movidos à espetacularização do cotidiano – deixou de vez o seu lado sério – o único que deveria existir, dada a natureza complexa e séria da coisa pública - e passou a ser um circo de bufões incompetentes e seres sem compaixão arrancando risadas de pessoas barbarizadas pela violência do cotidiano e pela superexposição ao ridículo.

Aquele que ainda vê seriedade na política está perplexo, afastado do grotesco, mas, ao fazer isso, deixa o espaço da política para os primeiros e só assiste ao espetáculo de horror que destrói centenas de milhares de vidas, esperando, quem sabe, pela sua vez de – post-mortem - se tornar a piada de mau gosto do Presidente da República em uma live.

Igor Mascarenhas
Cientista social

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