Distopia digital
Já sabemos que a polêmica e a desinformação têm um potencial imenso para gerar engajamento, despertar atenção, manter o consumidor conectado e gerar cada vez mais lucro para empresas
Era uma final de manhã depois de uma noite de êxtase da vitória da Fernanda Torres, quando Mark Zukerberg apareceu no feed. De pronto, parecia mais um anúncio de novo produto da Meta no modelo despojado do empresário: sentado numa mesa com fundo neutro. Um cenário que remeteu imediatamente à intimidade. Com um ar de aparente tranquilidade começou a proferir palavras preditoras de questões extremamente preocupantes. Afinal, como diz Max Fisher, as redes sociais digitais são máquinas produtoras de caos. Para garantir a boa produtividade, estas precisam de desgoverno e liberdade. Uma liberdade pautada em nome de interesses comerciais.
A chamada “liberdade de expressão comercial" é uma estratégia discursiva que equipara o direito individual à liberdade empresarial, rejeitando qualquer regulação estatal que limite os excessos de poder econômico.
O que esse discurso revela é uma defesa de interesses privados em detrimento do interesse público. Além disso, alinha-se, agora de maneira mais escancarada, a uma visão política voltada à reprodução do capital a qualquer custo. Enquanto Zuckerberg aparenta defender liberdades individuais, busca desresponsabilizar-se pelos impactos da desinformação e se opõe a iniciativas que buscam tornar o ambiente digital mais seguro e democrático.
Já sabemos que a polêmica e a desinformação têm um potencial imenso para gerar engajamento, despertar atenção, manter o consumidor conectado e gerar cada vez mais lucro para empresas, que são criticadas permanentemente pela falta de transparência com que trabalham nos seus bastidores.
Assim, este protecionismo de mercado pode impulsionar ainda mais a desordem informacional digital. Sem a checagem de fatos pertinente, os produtores de desinformação terão ainda mais facilidade para compartilhar seus conteúdos fraudulentos e perigosos, promovendo uma série de problemas no campo ambiental, da saúde pública, dos direitos da criança e do adolescente, dos direitos humanos e do democrático.
No mesmo feed do discurso de Mark, muitos usuários utilizavam a rede dele para acessar e compartilhar desinformação sobre o filme estrelado por Fernanda. Uma tentativa de reduzir a formidável conquista e prejudicar a imagem de políticas públicas culturais. Se a pauta do empresário é especialmente manter estes espaços de “liberdade”, então cabe a cada um dos usuários, às instituições de defesa de direitos humanos e aos governos pensarem sobre seus usos e regulações cabíveis para um ambiente seguro inclusive para as futuras gerações.