Confiança equivocada

Escrito por Alessander Sales ,

Na segunda grande guerra, Londres sofreu seguidos e severos bombardeios que deixaram milhares de mortos e de feridos, mas misteriosamente o moral dos londrinos não foi, no geral, seriamente abalado. No fim da guerra, o psiquiatra canadense J.T. MacCurdy decifrou o enigma: para além dos cerca de 40 mil feridos, 8 milhões de pessoas não foram afetadas. Todas as noites, as sirenes soavam e muitos corriam para os abrigos, dali só saindo durante o dia, quando as bombas não mais caíam. Fazia sentido, nesse caso, que essa maioria saísse às ruas normalmente, cada vez mais confiante.

Na atual pandemia, o vírus se espalhou, em Fortaleza, causando medo nos moradores das áreas mais centrais e contrastando com o excesso de confiança das pessoas das regiões mais periféricas e, agora, ocorre justamente o contrário.

O vírus continua infectando, diariamente, milhares de cearenses, mas gera reações distintas na população. Quem já sofreu os sérios sintomas, sabe da gravidade da doença, mas quem só lida com números de casos distantes e ainda não adoeceu, cria a autoconfiança teorizada por MacCurdy, achando que, talvez, a situação não seja tão grave. Mas isso é um grave erro, pois o que foi bom para Londres, pode ser catastrófico em nossa cidade.

O vírus está em todo lugar, é invisível, altamente contagioso e letal, e a forma mais eficaz de contê-lo é ficar isolado, pois não se sabe como, onde e quando ele vai atacar.

Com o tempo, como as bombas pararam de cair em Londres, novas infecções também podem ser contidas pelo resguardo que dificulta a disseminação viral.

Reduções pontuais em números de casos e mortos não é o sinal para que, confiantes, voltemos ao convívio social mais intenso. Nossa sirene permanente ainda é o isolamento. Recomecemos fazendo só o indispensável, pois se não for assim, talvez não tenhamos, em breve, mais abrigos disponíveis para acolher a todos que precisem se curar.

Alessander Sales

Professor doutor da Unifor e procurador da República