Acessibilidade além do tempo, porque Vidas Importam
A acessibilidade urbana transcende a inclusão de rampas ou barras de apoio: trata-se de garantir que toda pessoa, independentemente de suas condições físicas, sensoriais ou cognitivas, tenha direito pleno à cidade. Em uma sociedade que envelhece rapidamente, como a brasileira, a acessibilidade deve ser vista como um direito universal. Dados da PNAD Contínua de 2022 mostram que 18,6 milhões de brasileiros têm alguma deficiência, e mais de 32 milhões são idosos. Projeções indicam que, até 2030, o número de pessoas com mais de 60 anos superará o de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, um fenômeno que destaca a urgência de adaptação das políticas públicas, da infraestrutura urbana e dos sistemas de saúde.
Hoje, quatro gerações ocupam simultaneamente o espaço público, evidenciando a necessidade de cidades inclusivas e interconectadas. A acessibilidade não se limita às necessidades de pessoas com deficiência, mas também abrange gestantes que enfrentam dificuldades em sua mobilidade, crianças que interagem com o ambiente para desenvolver competências motoras e cognitivas, além de indivíduos com limitações físicas temporárias ou permanentes, como aqueles com mobilidade reduzida. Da mesma forma, pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) e outras neurodiversidades necessitam de adaptações específicas que favoreçam sua autonomia em ambientes urbanos. O direito à acessibilidade no contexto urbano está assegurado pela Lei nº 10.098/2000, pelo Decreto nº 5.296/2004 e pela Lei nº 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão, das quais estabelecem padrões para garantir dignidade, proteção e equidade de acesso. Paralelamente, a norma ABNT NBR 9050 oferece orientações detalhadas para o desenvolvimento de projetos arquitetônicos que promovam espaços acessíveis e seguros, reafirmando o compromisso com a construção de um ambiente urbano mais justo e inclusivo.
A deficiência, portanto, não reside no indivíduo, mas no ambiente que não atende suas necessidades. Para além das barreiras físicas, é necessário abordar a acessibilidade comunicacional, atitudinal, digital e programática. Não basta apenas não ser capacitista — discriminação ou preconceito contra pessoas com deficiência, ao considerar a deficiência como uma limitação intrínseca ou inferioridade — ou idadista — preconceito ou discriminação baseada na idade, especialmente contra pessoas idosas, desvalorizando suas capacidades ou direitos devido ao envelhecimento — : é essencial ser anticapacitista e anti-idadista. Isso requer conhecer, ouvir, monitorar a funcionalidade da população e ampliar informações econômicas e sociais para a formulação de políticas públicas que garantam a equalização de oportunidades.
Cumprir as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) implica garantir que todos tenham acesso a calçadas seguras, transporte público inclusivo e espaços urbanos funcionais. A verdadeira acessibilidade é aquela que permite a qualquer ser humano viver com dignidade, respeitando as diferenças e promovendo uma sociedade onde todas as vidas realmente importam.
Yara Lopes Gomes Ribeiro é conselheira do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU/CE)
Ciro Férrer Herbster Albuquerque é arquiteto e urbanista, Pós-Graduado em Neurociência e Gerontologia, Mestrando na Universidade Federal do Ceará (UFC)