A doença que já existia

Escrito por Artur Bruno ,

Em "A cruel pedagogia do vírus", o filósofo português Boaventura de Sousa Santos expõe questões que, infelizmente, vieram à tona com força após a pandemia.

Em primeiro lugar, a normalidade da exceção. A atual pandemia não é uma crise da normalidade. Desde a década de 1980, o neoliberalismo tornou-se a versão dominante do mercado, preso à lógica do setor financeiro. Desde então, há um "permanente estado de crise". Ele é usado comumente para explicar os cortes nas políticas sociais ou a degradação dos salários.

Mesmo sendo evidente a necessidade do erário para aplacar o fosso social, sempre alguém advoga que isso vai "quebrar o Estado". Como uma cobra que morde o próprio rabo, a crise é usada para legitimar a concentração de riqueza e boicotar medidas para impedir a catástrofe.

Paralelamente, a humanidade percebeu que é possível ficar em casa e ler ou passar mais tempo com os filhos. Existe alternativa ao modo de vida imposto pelo consumismo.

O surto viral também pulverizou o senso comum de que "o dinheiro resolve tudo". Caem por terra as "garantias" de quem tem recursos para comprar saúde, educação, segurança etc privados. O Estado é um ente absolutamente necessário. À força, criou-se uma "consciência de comunhão planetária".

Outro dado importante diz respeito à informação. Epidemias tendem a ser menos letais em países democráticos devido à liberdade de imprensa e expressão. Porém, estes estão cada vez mais vulneráveis às fake news. Retorna o debate sobre instrumentos de democracia participativa nas comunidades e na educação orientada para a solidariedade e cooperação, e não somente ao empreendedorismo e competitividade.

Finalmente, cruza-se a linha de invisibilidade dos marginalizados. Eles são a certeza de que é preciso mudar algo neste período de quarentena. É uma chance única de revermos hábitos e mudar a realidade.

Artur Bruno

Secretário do Meio Ambiente do Ceará