Vídeos e depoimento de resgatado destoam de relato de engenheiro
Imagens do sistema de monitoramento interno do Edifício Andrea mostram operário lascando pilares sob supervisão de José Andreson Gonzaga dos Santos; saiba o que se descobriu até agora sobre o engenheiro responsável
Vídeos obtidos pelo Sistema Verdes Mares, ontem, mostram imagens do térreo do Edifício Andrea minutos e até segundos antes do desabamento na última terça-feira (15). As gravações corroboram com o depoimento do estudante de arquitetura Davi Sampaio, 22, que tirou uma selfie nos escombros e foi resgatado com vida do local no dia da tragédia.
Nas imagens, um operário aparece lascando partes dos pilares de sustentação do prédio desde as 9h54 do dia fatídico, apenas 34 minutos antes de o desabamento acontecer. Os reparos ocorrem sob vistoria do engenheiro José Andreson Gonzaga dos Santos - que assinou a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) da reforma a ser realizada no edifício e é proprietário da Alpha Engenharia LTDA- e de outro profissional identificado apenas como Carlos.
Na ART registrada no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea-CE), o início das obras de "recuperação das construções" e "pintura" teve início em 14 de outubro (um dia antes do desabamento), com previsão de término dois meses depois. Instantes anteriores à queda do prédio, Davi Sampaio informou em depoimento à Polícia Civil que estava na varanda do seu apartamento, no 1º andar do prédio, quando viu que o restante da estrutura de concreto dos pilares abaixo tinha "acabado de cair".
Estudante de arquitetura, ele relatou que enviou fotografias do descolamento da estrutura para amigos da faculdade ao supor que o edifício poderia ceder. Eles concordaram com a sua leitura sobre a situação do local. Às 10h08, nos vídeos do sistema interno particular de segurança do Edifício Andrea, partes do concreto da viga cedem em, pelo menos, duas pilastras que suportam o primeiro andar.
Conflitos
Em seguida, às 10h27, aparecem Andreson, Carlos e a síndica Maria das Graças Rodrigues apontando para um pilar cedendo e conversando sobre a estrutura. No depoimento de Davi Sampaio, ele ressalta que ouviu do lado de fora que os engenheiros haviam dito: "isso aqui é uma viga". O estudante havia percebido, após escutar um barulho, que o concreto abaixo da janela do quarto da mãe apresentava uma deformação.
Em depoimento, Davi relata que pensou "isso aqui vai cair", foi até a porta do apartamento, destrancou-a e ouviu o barulho do desmoronamento. No hall da entrada, ele disse que só conseguiu gritar pelo seu gato antes de desmaiar.
O relato de Andreson, dado à Polícia Civil na noite do desabamento, diverge das imagens e da versão de Davi, bem como dos demais moradores que até agora depuseram. Ele defende que esteve no edifício com funcionários para deixar materiais e equipamentos para a obra no dia 14.
De acordo com o engenheiro, as atividades realizadas no prédio começariam na terça. O desmoronamento, segundo ele, teria ocorrido apenas 20 muitos após a emissão da ART. Ele argumentou à Polícia que "os pilares já demonstravam as ferragens com nível de corrosão muito alto".
O pai de Davi, Paulo Rômulo Bezerra, também havia questionado, antes do desabamento, as mudanças nas colunas de sustentação do prédio. "Eu ainda reclamei daquele serviço. O cara descascou todas as colunas. Cinco colunas. Quando ele foi mexer no pilar principal, deu um papoco, os ferros estouraram, e o prédio desceu", disse ao Sistema Verdes Mares.
Especialista
"Acho que ali está tudo errado, não deveria nem ter entrado ninguém lá embaixo. Pelo estado que eu vi nas filmagens, também naquela anterior, em que aparece um plástico. Se aquilo é daquele edifício, não era nem pra ter começado (a obra)". As palavras são do engenheiro civil Gerardo Santos Filho, ex-conselheiro do Crea-CE, que analisou os vídeos do monitoramento interno do Edifício Andrea.
De acordo com o engenheiro, antes de qualquer reforma ser realizada no prédio, seria necessária a avaliação de um especialista em estrutura. Depois disso, seria fundamental solicitar um projeto de recuperação. "Eu acho que não foi feito. Nesse projeto de recuperação, pelo que está lá, (seria necessário) avaliar se precisava desocupar o prédio ou escorar - e tinha que ver o custo de tudo isso, (porque) ia escorar sete pavimentos".
Conforme Gerardo Santos Filho, tendo como base as imagens do edifício divulgadas até o momento, após todos esses processos serem avaliados por especialistas "é que (deveria se) contratar uma firma especializada pra fazer o serviço de recuperação".
Já para o presidente do Crea-CE, Emanuel Mota, as imagens falam por si. "Ali, a obra estava claramente iniciada, o que demonstra uma ausência de um projeto adequado de recuperação estrutural, uma das ações mais delicadas da construção civil", pontua.
Segundo ele, o ideal seria um projeto indicando qual o caminho mais crítico da reforma. "Deveria ser dimensionado, também, o correto escoramento, tendo em vista a segurança dos moradores", diz Mota, que cita a necessidade de até evacuar o prédio.
O que se sabe sobre o engenheiro da obra
José Andreson Gonzaga dos Santos, de 36 anos, foi o engenheiro civil responsável pela assinatura da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) da reforma no Edificio Andrea, no bairro Dionísio Torres, palco da tragédia ocorrida na última terça-feira (15).
De acordo com o Crea-CE, o engenheiro "está formado e tirou a ART com um registro provisório através de declaração da faculdade". O requerimento para o registro de engenheiro civil - documento fundamental para atuação na profissão - foi requerido junto ao Conselho em julho de 2019, apenas três meses antes de o Edifício Andrea vir ao chão. O Sistema Verdes Mares averiguou a formação do então engenheiro e descobriu que, durante a sua graduação, ele passou por, pelo menos, duas universidades particulares e concluiu o curso de Engenharia Civil ao fim do primeiro semestre de 2019. Todo o percurso de graduação de Andreson ocorreu durante quatro anos, período inferior ao percurso normal de estudos dos estudantes nas universidades cearenses, que duram, normalmente, cinco anos.
A reportagem foi até à casa do engenheiro, no bairro Passaré, mas não o encontrou no local, tampouco foi recebida. Com o portão fechado, a esposa de Andreson, Ana Paula Carvalho, se comunicou apenas em negativas, dizendo que o marido não estava em casa, mas trabalhando. Ela disse não saber onde ele estava ou como contatá-lo.
No local de trabalho indicado pelo site da Alpha Engenharia, a empresa não tinha sala ou escritório, apenas recebia correspondências, conforme André Farias, sócio da Elephant coworking. O contrato assinado entre as partes não dava direito a um espaço físico privativo. Contudo, Andreson assume a responsabilidade pela Alpha Engenharia desde junho de 2018, antes mesmo de se formar como engenheiro civil. No site da Receita Federal, a Alpha Engenharia aparece com um capital social de R$ 80 mil.