Tratamento de queimaduras com pele de tilápia pode ser expandido
Pesquisadores cearenses buscam empresa para registrar a técnica na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que deve viabilizar o uso da terapia nos centros de tratamento de queimados em todo o País
O tratamento contra queimaduras usando pele do peixe tilápia, método pioneiro desenvolvido no Ceará, dá mais um passo frente a sua expansão. Os pesquisadores iniciaram a busca pela empresa que deve registrar o método na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que pode viabilizar o uso do recurso terapêutico nos centros de tratamento de queimados de todo o País. No Ceará, mais de 300 pessoas já foram beneficiadas.
Na última terça-feira (26), o presidente Jair Bolsonaro destacou o método de cura em publicação no Twitter, anunciando a promoção de estudos sob o comando do secretário Nacional da Pesca, Jorge Seif Júnior, junto ao Ministério da Saúde. A menção, na avaliação do presidente do Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ) e coordenador da pesquisa, médico cearense Edmar Maciel, foi importante para o andamento do processo.
"Isso já é um passo para que a empresa que for registrar saiba que o Ministério da Saúde reconhece o produto como sendo uma coisa importante para a saúde", afirma.
Segundo Maciel, o secretário Jorge Seif Júnior já realizou o primeiro contato, na quarta-feira (27), para tratar sobre a reunião de apresentação do tratamento, por enquanto sem data definida. "Estamos aguardando passar o período do Carnaval para que seja agendada a nossa visita, para conversarmos sobre a pesquisa em Brasília", destaca.
Além do Ceará, a pesquisa já é utilizada, atualmente, nos estados do Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Pernambuco, em benefício a quase 500 pessoas no País nos últimos cinco anos. Em âmbito internacional, Colômbia, Alemanha e Estados Unidos também desenvolvem estudos a partir da técnica cearense, desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Medicamentos (NPDM) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), sob coordenação do professor Odorico Moraes. O tratamento é utilizado com pacientes do Núcleo de Queimados do Instituto Doutor José Frota (IJF) desde 2016.
A pele da tilápia, uma das principais espécies de peixe de água doce do Brasil, atua como curativo biológico e temporário, enquanto ocorre o processo de cicatrização de queimaduras de 2º e 3º graus. O método é considerado mais efetivo por fechar a ferida, evitando infecções por contaminação externa e a perda de líquidos e proteínas.
Outra vantagem já apontada está em minimizar o desconforto e dor aos pacientes, já que o curativo natural pode ser mantido por vários dias no trato da pele lesionada, ao contrário dos comuns, que precisam ser trocados diariamente. Por essa razão, os custos do atendimento são reduzidos.
Projetos
Atualmente, já são 40 projetos de pesquisa derivados do uso medicinal da pele da tilápia, segundo destaca o presidente do Instituto de Apoio ao Queimados, Edmar Maciel. São técnicas utilizadas na veterinária, odontologia, ginecologia e no tratamento de úlceras varicosas, feridas de difícil cicatrização causadas por insuficiência venosa crônica.
Entre os projetos de expansão, o cirurgião plástico anuncia o início dos estudos, ainda este ano, para uso da pele do peixe nos procedimentos de redesignação sexual, conhecida como cirurgia para mudança de gênero, em específico a mudança de sexo de homem para mulher. A pesquisa será conduzida pelo Hospital das Clínicas, em São Paulo, e na cidade de Cali, na Colômbia.
Outra possibilidade é o uso da pele para reconstrução do tendão de aquiles, destaca. "Isso com um derivado da pele da tilápia. É uma pele acelular, chamada matriz dérmica. Até o fim do ano, iniciaremos os estudos em animais", disse o médico Edmar Maciel.
O ortopedista Rodrigo Astolfi, um dos médicos a estudar a pele de tilápia com esta finalidade, explica que a lesão do tendão de aquiles é a mais comum do corpo humano, geralmente acontecendo durante a pisada e na prática de esportes. O objetivo com os testes, afirma, é saber se a pele da tilápia, que possui colágeno parecido com o colágeno do tendão de aquiles, acelera a cicatrização ou forma um novo tendão no paciente.
"Hoje, a gente tem que reconstruir esse tendão usando o enxerto do próprio corpo. Você tem que fazer um corte no joelho para tirar um tendão de lá. Então você tem uma lesão da área doadora, é uma incisão a mais. Isso gera outro prejuízo para o paciente. Num primeiro momento, vamos fazer testes em ratos e depois em humanos".