Programa quer reduzir mortalidade materna
A mortalidade neonatal (de zero a 27 dias de vida) corresponde a 70% das mortes infantis no Estado do Ceará
Ser concebido, nascer e crescer deveria ser percurso que se sucede naturalmente: mas para 15% das gestantes cearenses, os caminhos são mais tortuosos, e quase nunca findam bem. Dos cerca de 130 mil partos anuais no Ceará, de acordo com a Sociedade Cearense de Ginecologia e Obstetrícia (Socego), aproximadamente 80 resultam na morte das mães: índice que representa o dobro do recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Com o objetivo de reduzir as taxas de mortalidade materna e neonatal, o Governo do Estado lançou, ontem, o Programa Nascer no Ceará, que inclui o uso de um aplicativo para mapear as gestações de risco nos municípios.
Por meio da ferramenta, disponível para dispositivos móveis, os municípios deverão garantir o cadastro de "100% das gestantes do Estado", identificando as gestações de risco à mãe, ao bebê ou a ambos - as quais, de acordo com o titular da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa), Henrique Javi, são "a maior fragilidade do Estado". "Após mapear, o objetivo é garantir o acesso das mulheres a exames e vacinas, e a vinculação delas ao local de parto. É inadmissível que uma mãe ultrapasse a metade da gestação sem saber onde vai parir", destaca.
No Ceará, conforme dados da Sesa, 60 a cada 100 mil mulheres morrem em consequência da gravidez ou do parto, e 90% das mortes maternas estão relacionadas a uma gravidez de alto risco vinculada a "causas preveníveis". Segundo convenção da OMS, o número deveria ser pouco mais da metade, 35 a cada 100 mil casos.
Infantil
Os índices de mortalidade dos bebês cearenses também despontam: de acordo com a Sesa, a mortalidade neonatal (período de zero a 27 dias de vida) corresponde a 70% das mortes infantis no Estado, enquanto a neonatal precoce (primeira semana completa ou os sete primeiros dias de vida) responde por cerca de 50%. Atualmente, aponta a Socego, 13 bebês morrem a cada mil nascidos vivos.
Para o secretário adjunto de Saúde, Marcos Antônio Gadelha, os fatores que geram o cenário desfavorável a mães e bebês são claros. "As gestantes não estão assistidas adequadamente no Estado. Muitas vezes, nem conseguem vaga para os tratamentos necessários", lamenta, salientando que o acompanhamento proposto pelo novo programa estadual, "por meio das 19 policlínicas do Estado", é o primeiro passo para reduzir as taxas de morbimortalidade materna e neonatal. Conforme Henrique Javi, mais de R$ 11 milhões foram investidos nas ações do Nascer no Ceará, dentre as quais consta a capacitação de cerca de 15 mil agentes de saúde, entre os dias 10 e 15 de abril, para facilitar o mapeamento das gestantes cearenses de alto risco - medida que, segundo a primeira-dama do Ceará, Onélia Santana, "deve ser imediata".
"Muitas mulheres ainda morrem de parto no Ceará. O acompanhamento pré-natal não é só de exames, mas deve garantir vacinas e segurança em relação às violências sofridas por elas. Essa é uma política pública sobretudo para mulheres, que precisam ser acompanhadas pelas regionais de saúde", frisa.
Atualmente, conforme a representante da Socego, Liduína de Albuquerque, o Ceará possui 10 hospitais com capacidade para atender gestantes de alto risco, com Unidades de Terapia Intensiva neonatal e adulta - mas, ainda assim, "cerca de 30% das mulheres que parem aqui são de outras regiões". "O importante, então, é descentralizar esse cuidado para as cinco regionais de saúde do Estado, para que cada uma tenha um hospital de referência em condições de atender as mulheres. Sair do seu território para parir em outro local aumenta o estresse e as chances de complicações, e diminui a oportunidade de um atendimento em tempo oportuno", avalia.
Caucaia
A dona de casa Jéssica Barros, 26, é moradora de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), mas precisou recorrer à Capital para realizar os exames e procedimentos do pré-natal. Apesar de ser o segundo maior do Estado, o Município não possuía estrutura para assisti-la durante a gravidez das gêmeas que ela espera com ansiedade. "É um parto considerado de risco. Não puderam me atender lá. A cada duas semanas, venho a Fortaleza", afirma, comemorando o fato de que as viagens ao Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar findam na segunda quinzena de abril, quando as filhas vêm à luz.
Entrevista com Liduína Albuquerque*
O que representa uma gestação de risco?
É a que tem alguma condição que aumenta a chance de complicações para a mãe ou para o feto, e correspondem a 15% do total. Identificar esse grupo e cuidar de forma especial é o que pode reduzir as mortalidades infantil e materna. As principais causas de morte da mãe são hipertensão e hemorragia.
Como reduzir as mortalidades materna e neonatal?
A dimensão do tempo na obstetrícia é fundamental. É preciso cuidar na atenção primária para que as gestantes e as equipes reconheçam as situações de risco.
Quais as violências mais comuns contra gestantes?
Desde as violências domésticas, até as institucionais, como a violência obstétrica, que pode transcorrer no atendimento ao parto.
*Representante da Sociedade Cearense de Ginecologia e Obstetrícia