Olhos renascidos para apreciar o belo

No Especial Luz de Fortaleza, histórias de quem encontrou no transplante de córnea a cura da visão

Escrito por Felipe Mesquita , felipe.mesquita@verdesmares.com.br
Legenda: Fernando Hugo de Lima foi submetido à última cirurgia para transplante de córnea no mês passado
Foto: Foto: Kid Júnior

Fortaleza de água salgada e de sol caloroso. Substantivos que desenham o passado e o presente do Fernando Hugo de Lima, 32, mas escondem as reviravoltas na vida do guarda municipal. É que ao atingir a maioridade, uma doença nos olhos o afastou do seu lugar preferido: a praia. O azul do mar de Iracema já não tinha a mesma nitidez por causa da visão turva e escurecida. Cadê a luz radiante vinda das águas da Capital? A resposta ele está encontrando aos poucos enquanto se recupera do transplante de córnea e tenta controlar a ansiedade de fazer o seu lazer mais estimado, que é apreciar a orla da terra natal.

Contudo, até chegar a reversão do problema de saúde, as idas à praia deram vez aos encontros de rotina com oftalmologistas. A doença se manifestou aos 18 anos com apenas 0,5 graus de miopia. Meses mais tarde, em nova consulta, o diagnóstico de ceratocone, patologia que atinge a estrutura da córnea. Os óculos de grau usados à época não foram suficientes para conter a evolução do quadro, o que levou Fernando Hugo de Lima a experimentar lentes de contato sob orientação médica. Apesar da boa adaptação inicial, o recurso falhou em ambientes externos com o passar do tempo.

“Eu enxergava razoavelmente bem, mas conforme o passar dos anos, a doença se agravou. Sem a lente, não enxergava nada. Sentia muita falta de ir à praia, mas qualquer vento que dava no olho já mexia com a lente, ficava vermelho, irritado e qualquer partícula de areia eu não aguentava”, lembra, citando ainda outras vontades habituais cujas práticas era impossibilitado de fazer. “Sair no sol sem óculos escuros, porque eu dependia deles 100%. Se eu lesse por muito tempo ou estudasse por umas quatro horas, ficava com dor de cabeça”.

Desfecho

Tamanhas dificuldades se aproximaram do fim no dia 31 de janeiro de 2018, quando o olho esquerdo foi submetido a cirurgia para transplante de córnea no Instituto dos Cegos, em Fortaleza. “Eu passei a enxergar quase tudo”, comenta. A batalha pela cura da visão, no entanto, teve o desfecho no mês passado, quando o olho direito passou pelo mesmo procedimento. Ainda em processo de reabilitação, o guarda municipal comemora a perda da sensibilidade ao sol e se diz grato a “Deus, ao doutor Alexandre e a ciência” por poder voltar a fazer o que a doença o impedia.

A cirurgia não só recuperou a visão de Fernando como também reacendeu a vontade dele de executar antigas paixões, como a de sentir a areia da praia, o sopro do vento potencializado pela brisa que vem do mar ou simplesmente de estar no seu lugar preferido, já mencionado nesta reportagem.

“Vou à praia, não importa o sol, não importa a força do vento, vou estudar a todo vapor, horas a fio”

Onde quer ele vá, em cada canto da cidade que pulsa e vibra, a lição de vida o acompanhará. “Sempre que você passa por um problema difícil e você supera ele, de alguma forma você dar mais valor à vida, a tudo que está a seu redor, a sua família, a natureza, sua cidade, seus amigos, os locais que você gosta de ir, o que você gosta de fazer, então é bom demais, a felicidade triplica, o sentimento pela vida fica muito mais apurado”.

Para o oftalmologista Alexandre Teles, responsável pelo transplante de córneas do guarda municipal, a maneira como os pacientes se relacionam com os espaços urbanos da cidade após a cirurgia tende a se estreitar, o que ele considera como um retorno positivo ao seu trabalho. 

"A relação do indivíduo com o mundo é 80% através da visão, principalmente no mundo digital de hoje. Então,recuperar a visão ou alcançar uma melhora, já muda a sua vida, ele vai para o mundo com uma perspectiva diferente, porque você consegue recuperar a sua independência e isso pra mim é muito gratificante"
.

Quem também tem uma relação forte com a visão é Maria Bezerra Leitão, 69. Há alguns anos, a visão da dona de casa começou a reduzir de modo que dona Zaíra chegou a cair na rua, o problema também a impossibilitava de realizar as atividades domésticas. “Eu não saía totalmente só, porque eu me perdia, pegava ônibus errado, caía na rua. Eu pensava que era asfalto, mas era buraco, aí pisava e caía. Não enxergava direito e sempre andava com uma pessoa ao meu lado. Mas depois que eu fiz a cirurgia, agora, está tudo bem”.

Ela lembra das viagens pelo Brasil e as visitas à Acopiara, onde nasceu, e que precisou interromper uma rotina mais ativa por conta da doença. Hoje, dona Zaíra voltou a andar por Fortaleza e lembra com muita felicidade e gratidão o processo que a devolveu a visão regular. Entre a casa de sua mãe e de sua filha, ela cuida de seus netos, vai às compras e tenta manter uma rotina dentro da máxima normalidade possível — especialmente à noite, quando a visão é melhor, porque a claridade da luz do sol, durante o dia, ainda incomoda um pouco Dona Zaíra.

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