Manifestações culturais constituem patrimônio de diversidade na Capital

Costumes, músicas e festas revelam identidades de grupos diversos e podem se tornar bens imateriais

Escrito por Redação ,
Legenda: Com cerca de 14 grupos em atividade, dentre eles o Vozes da África (foto), Maracatu de Fortaleza é um dos ritmos que deve se tornar patrimônio cultural da cidade pela Prefeitura Municipal
Foto: Foto: alex costa

Passadas de geração em geração, por anos, décadas, séculos a fio, algumas expressões culturais e sociais são tidas como símbolos da cidade de Fortaleza. De tão ricos e significantes, costumes, saberes, lugares, ritmos, festejos, lendas e outras formas de expressão locais conseguiram se perpetuar ao mesmo tempo em que viraram fontes de identidade e passaram a carregar a própria história do povo local em toda a sua pluralidade. Tornaram-se heranças da Capital que ganham destaque neste domingo, Dia Nacional do Patrimônio Histórico e Cultural.

Da infinidade de manifestações culturais existentes, hoje, na Capital, cinco são consideradas bens imateriais da cidade pela Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor). Uma delas - a Festa de São Pedro, evento centenário promovido pelas colônias de pescadores da orla marítima - já possui o título oficial do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural (Comphic).

As outras quatro encontram-se em processo de registro. São elas: o Maracatu de Fortaleza, formado por 14 grupos que mantêm viva a tradição do ritmo afro-brasileiro; a Festa de Iemanjá, realizada todo dia 15 de agosto na Praia de Iracema, com cortejos e rituais em homenagem à Rainha das Águas; o Samba do Zé Bezerra, uma das casas de samba mais tradicionais da cidade, situada há mais de três décadas no bairro Parque Araxá; e o Espaço Cultural Maculelê, centro de artes do Conjunto José Walter cujo nome se inspira na dança de origem indígena.

Interlocução

Antônio Gilberto Gomes, coordenador do Grupo de Estudos sobre Patrimônio e Memória da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que uma das principais características do patrimônio imaterial fortalezense é a forma como este representa a diversidade cultural da população. "Muito dessa cultura local, desse patrimônio, é constituído a partir do encontro das diferentes culturas que participaram da formação histórica de Fortaleza, como os indígenas, os africanos, os imigrantes. Podemos ver como nossas práticas e costumes trazem vários elementos referenciais desses povos", destaca.

Segundo o professor, a apropriação e a ressignificação desses elementos pela população local deram origem às manifestações que temos atualmente, na Capital, protagonizadas por diferentes grupos sociais nas mais distintas formas de expressão, como ofícios, celebrações, músicas, danças.

Na visão do compositor, poeta e pesquisador Pingo de Fortaleza, os bens imateriais de uma cidade são a alma de sua população. Assim como Antônio Gilbert, ele reitera que o patrimônio se constrói a partir da interlocução entre diferentes povos e no conhecimento passado ao longo das gerações, e, por isso, pode ser considerado uma das maiores representações das identidades de uma sociedade.

Mas, segundo ele, apesar de ter essas expressões culturais correndo em seu sangue, ainda é difícil para o fortalezense se reconhecer parte desse universo. "Os apelos externos que existem hoje na nossa cultura são bem mais fortes por conta de toda uma dinâmica de diáspora da sociedade. Isso faz com que a gente ainda não se enxergue, se identifique. Esses bens deveriam ser a nossa maior imagem no espelho, mas esse espelho ainda é embaçado", diz Pingo.

Reconhecimento

Para os personagens das manifestações que perpassam a cultura e história cearense, o fato de serem considerados bens imateriais da cidade consagra a importância histórica e cultural adquirida ao longo dos anos.

Miguel Ferreira, conselheiro da Associação Espírita de Umbanda São Miguel, um dos grupos que promovem a Festa de Iemanjá, destaca que o ritual de oferendas e celebrações para a "senhora dos oceanos", realizado há quase 50 anos na Capital, já está enraizado na cultura local. "É um patrimônio do povo. Toda a orla da cidade festeja e, de tão tradicional, até pessoas de outras religiões comparecem e respeitam. A relação que a festa tem com as pessoas é muito forte. Iemanjá tem muito poder para o fortalezense", afirma.

Do Samba do Zé Bezerra, Carlos Alberto, o fundador da casa, fala que a inauguração do local, há mais de 30 anos, tornou-se um marco na disseminação do ritmo no Estado. De lá para cá, o espaço tem funcionado não só como propagador do samba cearense, mas também como espaço de convivência entre habitantes de todos os lugares da cidade. "Não tem um final de semana que o bar não esteja lotado. Quando fecha, a rua fica vazia, as pessoas se perguntam "Que tristeza é essa por aqui?' Já faz parte da história de Fortaleza", ressalta.

Bens imateriais também demandam preservação

Preservar uma manifestação cultural significa, de acordo com a Convenção de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial do IPHAN, protegê-la da globalização e da formação da cultura de massa, da vulnerabilidade que põem em risco seus multiplicadores, da discriminação étnica e de outros fatores que, de algum modo, podem levar a sua extinção. Essa conservação passa, primeiramente, pela educação patrimonial, responsável por estimular a valorização da cultura local entre os habitantes de uma cidade, Estado ou País. Mas também inclui a adoção de instrumentos legais que garantam e viabilizem a continuidade dessas expressões.

Levantamento

No Brasil, o poder público disponibiliza apenas dois mecanismos de proteção. Uma delas é o registro dos bens culturais de natureza imaterial, que abrange saberes, celebrações, formas de expressão, lugares, e patrimônio vivo - pessoas que detêm conhecimentos, práticas ou técnicas que contribuam para a preservação da memória). O outro é a realização de um inventário para mapear e compreender como esse bem se manifesta, de que maneira é transmitido de geração em geração, onde é praticado e as transformações sofridas ao longo do tempo.

Em Fortaleza, a Prefeitura Municipal anunciou, no final do ano passado, o início de um inventários das manifestações culturais locais. O objetivo, segundo Alênio Carlos Noronha, coordenador do projeto na Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), é criar uma ferramenta de valorização, reconhecimento e gestão. "Quando a secretaria vai pensar em uma política pública e tem a ajuda de um inventário, é possível saber onde uma manifestação ocorre, em quais condições ela se encontra atualmente e quais são as suas necessidades", destaca.

Educação

Para que a função de preservação seja efetivada, a elaboração do inventário, conforme Noronha, será aliada a ações de cunho educativo nas escolas de todo o município. "Esse projeto tem uma grande relação com o ensino. Pretendemos produzir materiais que possam ser utilizados na educação, porque isso causa um impacto grande. As crianças e adolescentes passam a conhecer e valorizar o patrimônio", diz o coordenador.

Vanessa Madeira
Repórter

FIQUE POR DENTRO

Festejo de São Pedro ganhou o primeiro registro

Em homenagem ao padroeiro e protetor dos Pescadores, a Festa de São Pedro, realizada pelos trabalhadores do mar de Fortaleza, foi o primeiro - e, até agora, único - patrimônio cultural a receber o registro de bem imaterial da cidade. No dia 29 de junho, em que o santo é lembrado, as comunidades se reúnem em frente à Igreja de São Pedro, no bairro Mucuripe, para uma missa campal, e depois se reúnem em uma procissão de jangadas pela orla. O cortejo é feito desde 1932 e ganhou o título em 2012, por conta de seu alto valor simbólico e sua referência à identidade e à memória da sociedade fortalezense.

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