Infectologista Anastácio Queiroz analisa riscos do coronavírus no Estado

Entrevista com o infectologista Anastácio Queiroz. Para especialista, diferença de hábitos entre chineses e brasileiros está entre os fatores que devem excluir o País de casos graves do coronavírus

Escrito por Renato Bezerra , renato.bezerra@svm.com.br
Legenda: Ex-secretário da Saúde do Ceará, Anastácio Queiroz afirma que não há motivos para pânico em relação ao coronavírus O especialista explica que as diferenças culturais entre a China e Brasil são importantes para entender a forma de propagação do vírus
Foto: Kid Júnior

Desde a chegada do primeiro caso suspeito de coronavírus (2019-nCov) ao Ceará, intensificou-se o alerta das autoridades quanto aos procedimentos de identificação e monitoramento. Até o momento, no entanto, não há como medir, no País, a dimensão de contágio pelo vírus, que possui sintomas semelhantes aos de uma gripe comum. Em entrevista ao Sistema Verdes Mares, o médico infectologista Anastácio Queiroz analisa como improvável uma epidemia que resulte em casos graves da doença no Estado.

O quadro de gripe, nos dias de hoje, é geralmente brando. Mas, por um grande período, ela matou muita gente. É natural que esses tipos de vírus involuam para casos mais simples ao longo do tempo?

Com o passar dos anos é possível que um vírus vá perdendo a sua virulência. Mas acho que o da gripe se mantém porque, na realidade, o vírus que vai causar doença nas pessoas este ano será um pouco diferente daquele do ano passado. Ele sofre mutações e por isso as vacinas são atualizadas. Isola-se os vírus das pessoas contaminadas e deles é que se forma um banco para fazer a nova vacina. Por exemplo, no Nordeste, no período em que é aplicada a vacina muitas pessoas já tiveram gripe. Isso porque, no Brasil, nós aplicamos ao mesmo tempo, o que não faz sentido em um País continental como o nosso, onde há temperaturas diferentes. Isso é algo que já conversamos com o Ministério da Saúde, mas nunca conseguimos mudar. O correto seria aplicar a vacina no Nordeste antes de fazê-lo no Sudeste, porque a gripe chega aqui mais cedo.

Existe diferença entre como surge um vírus que resulta num quadro gripal simples e um outro que evolui para uma síndrome respiratória grave?

Não. Todos os agentes microbianos, seja parasita, seja vírus, principalmente esses dois, têm espectros. Um exemplo é o calazar, que atinge cachorros e humanos. Nesse caso específico, apenas 15% das pessoas infectadas, que são inoculadas com o parasita, irão desenvolver a doença. Os outros terão a infecção da forma assintomática. A pessoa só sabe que teve a doença porque no exame de sangue dela vai dar positivo. A mesma coisa acontece com o vírus da gripe e com o coronavírus. Em 80% dos casos, o coronavírus é pouco sintomático, muitas pessoas não apresentam sintoma algum. Na realidade, você tem espectros de todos os tipos, desde o assintomático até uma síndrome respiratória aguda grave. Por que? Os vírus entram nas células através de receptores. E a quantidade que eu tenho de receptores nas minhas células não é igual à sua. Você e eu temos imunidade normal, mas esse espectro não é idôneo para todos os micro-organismos. Então, varia dentro de uma mesma população, desde assintomático, inoculado com o vírus da influenza, por exemplo, que não tem sintoma, e outro que é inoculado e não tendo sido vacinado é internado com doença grave. Essa diferença do vírus assintomática para o que resulta numa doença grave acontece com quase todos os agentes microbianos.

O novo coronavírus (2019-nCoV) trouxe bastante tensão pelos casos letais ocorridos na China. No Ceará, já tivemos casos em 2019, mas de outro tipo. Toda essa apreensão em relação ao novo vírus é mesmo justificada?

Não. O Ministério da Saúde está fazendo uma (entrevista) coletiva todo dia. Não faz sentido. Nós não temos nenhum caso no Brasil. Poderão chegar casos? Acredito que sim. Teremos um problema grave? Acho extremamente improvável. Na China, toda a população está sob risco, e a população de baixo nível cultural tem hábitos extremamente diferentes. As pessoas que vão para a China saindo do Brasil ou de qualquer outro país são pessoas de nível mais alto, elas têm cuidado. É totalmente diferente você comparar quando o vírus chegar no Brasil com o que está acontecendo na China. Provavelmente as primeiras pessoas que se infectaram foram aquelas com hábitos estranhos de alimentação. O chinês come animal vivo, direto da natureza. Animais que vai de rato à cobra. Foi aí que começou, pois é um vírus animal que passou para o homem. E com o hábito respiratório, a pessoa pode infectar outra através da tosse, espirro, por mãos contaminadas. Evidentemente, isso numa população onde a maioria é pobre e não mora bem. Nós não temos as mesmas condições, nem chegaram pessoas infectadas. E, se chegaram, como a viagem se dá por avião, é fácil de identificar, temos como mapear. A China não tem. A pessoa está andando no meio da rua e não se tem controle. É totalmente diferente. Até ontem, tinham ocorrido 82 casos fora da China, em países asiáticos como Nepal, Malásia, Tailândia e o próprio Japão, além de alguns fora. Na Europa, apenas em três países e nenhum caso na América do Sul. Na própria Ásia há poucos casos. Então, vejo com muita tranquilidade que nós não teremos um problema grave. Pode ser que eu esteja errado, mas é pouco provável. Não há como termos um problema grave no Brasil, é quase impossível. Só se chegassem 20 aviões com contaminados e os soltassem na rua. Eu entendo toda essa preocupação, mas temos realmente que ver o que está acontecendo e quais são os dados do Brasil, que não tem nenhum caso da doença confirmado.

A transmissão do coronavírus (2019- nCov) é mais intensa e fácil do que uma gripe comum?

É difícil de falar. Todos nós temos alguma imunidade para a gripe, o vírus não é igual, mas ele tem antígenos muito semelhantes. Nós estamos nos expondo a gripes por décadas. Então, para um vírus que entra em circulação ninguém tem imunidade nenhuma. É muito difícil fazer comparações. Não faz sequer um mês que o vírus foi identificado. Você pega uma população totalmente exposta, sem nenhuma imunidade para um vírus respiratório, então se eu estou tossindo perto eu jogo o vírus para um outro indivíduo que não tem imunidade. Mesmo acreditando que a transmissão seja maior, não dá para afirmar isso. Esse vírus não é tao agressivo e nem tão patogênico. Por que? Porque estamos tendo mortalidade de 2% a 3% na China, e nos outros países não morreu ninguém ainda. Se você diagnostica cedo e cuida cedo, as chances de se haver óbitos diminuem muito.

Quando o vírus influenza A H1N1 chegou também trouxe muita preocupação, mas logo se providenciou vacina. Acredita ser possível o desenvolvimento rápido de imunização para o coronavírus?

O Influenza A era um vírus novo e para tudo que chega assim, de forma que nós não sabemos como iremos proceder, há uma tendência de se agir de maneira mais prudente, mais abrangente. A gripe se espalha rapidamente nas pessoas e se mantém por um período. Estudos desse vírus de agora indicam que são vírus semelhantes aos coronavírus dos morcegos, pois não são todos iguais. Apesar de muito semelhantes, de terem pelo menos 80% de semelhança entre eles, pode ser que você faça uma vacina na qual os anticorpos que bloqueiam os antígenos são iguais, então não teria problema, valeria para todos. Mas isso não podemos afirmar, e de qualquer modo, para você fazer uma vacina existe ainda a questão econômica. Você faz uma vacina para gripe, mas há um público que compra essa vacina. Então os laboratórios investem nisso, porque nunca vai ser uma vacina produzida só pelo Governo. A única vacina produzida pelo Governo é a da febre amarela. O setor público não tem capacidade para testar uma vacina. Quando se testa uma vacina você tem que pagar pessoas, pagar os voluntários, tem que ter equipe, e isso no setor público é muito complicado. O setor público ajuda nesse processo, pode contribuir com recurso mas, geralmente, a produção fica por conta dos laboratórios privados. E daqui a alguns meses, esse vírus vai acabar, não vai ter público para ele. Você não sabe se essa vacina será efetiva e se tiver efetividade poderá ser muito baixa. Eu acredito em uma medicação. Como nós sabemos, os mecanismos de entrada do vírus nas células, sabemos os mecanismos de multiplicação do vírus, as enzimas, os receptores, talvez isso possa favorecer a descoberta de uma medicação, mas isso tudo é hipotético, ainda não temos esses dados.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.
Assuntos Relacionados