Familiares denunciam 2 meses de atraso na entrega de remédio para crianças com hiperinsulinismo
Medicamento distribuído pela Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa) já está em processo de compra, aponta o órgão; pais receiam agravamento na saúde dos filhos após atraso
Pais de jovens que fazem uso diário da medicação Proglicem, utilizada por pessoas com hiperinsulinismo congênito, compartilham atraso no recebimento da medicação desde março deste ano por parte da Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa). Devido aos riscos à saúde causados pela falta medicamento, familiares recorrem a empréstimos e vaquinhas para adquirir o fármaco importado que pode custar até R$1.300.
A doença é caracterizada pela secreção aumentada do hormônio insulina pelo pâncreas, que afeta em torno de 1 em cada 50.000 nascidos vivos, explica a médica endocrinologista, Ana Flávia Torquato. Nesse quadro, o Diazóxido (Proglicem) atua reduzindo a secreção de insulina no órgão interno.
Conforme a Sesa, o medicamento está atualmente em processo de compra. Por ser um produto não produzido no Brasil e de alto custo, o procedimento se torna mais prolongado. Em meio a essa espera, cearenses vivem a ansiedade pela busca da medicação, como ocorre com o técnico de Tecnologia da Informação (TI), Davi Linhares, 36, pai de Júlia Cardoso, 1 anos e 11 meses.
"Sem a medicação ela tem hipoglicemias graves e precisaria ser internada. A falta pode causar danos neurológicos irreversíveis principalmente nessa fase de formação do cérebro", explica Davi.
Após descobrir a doença, quando ela tinha somente 6 meses, entrou na justiça através da Defensoria Pública da União (DPU), em Fortaleza, a fim de garantir a aquisição do Proglicem por parte da Sesa. Em março deste ano, conseguiu a decisão judicial para ser contemplado com a entrega. No entanto, ainda não recebeu nenhuma caixa.
É uma medicação importada, cotada em dólar, se o dólar subir, a medicação sobre com uma grande alteração. Então a gente está chegando em uma situação que está complicado comprar essa medicação.
Apesar de ter conseguido comprar as caixas ao longo dos últimos meses, contando principalmente com apoio de familiares e empréstimos no banco. Davi aponta que a aquisição traz grandes impactos no orçamento familiar.
Uso controlado há mais de 10 anos
Mesmo com fornecimento gratuito garantido pela Justiça há quase 10 anos, a medicação da jovem Mariana Martins, de 15 anos, que sofre de hiperinsulinismo, está sendo entregue com atrasos, coloca a mãe da menina, Eliana Martins. A última remessa de 70 dias foi entregue pela Sesa em fevereiro. Por isso, a mãe teve de recorrer a outros meios para adquirir o remédio.
A gente vai juntando dinheiro, vai recebendo doação ou empréstimo de cartelas de outras mães que têm. Eu só tenho a medicação para quase 25 dias. Vai fazer dois meses que eles estão sem dar.
Desde que Mariana tinha 5 anos, quando descobriu o diagnóstico para a doença, recebe os comprimidos de forma gratuita. No início, o fármaco era fornecido para seis meses, alguns anos depois passou para três meses, explica Eliana.
A necessidade de uso contínuo tenciona ainda mais a urgência sentida pelos pais. “A medicação é o que faz ela ter uma qualidade de vida, ela poder estudar. Sem o remédio, ela tem desmaio, entra em convulsão e, nos casos mais graves, pode entrar em coma e morrer”, coloca.
Esses riscos à saúde é reforçado pela médica Ana Flávia, ao apontar que a falta do medicamento pode levar ao descontrole nos níveis de insulina e, assim, a hipoglicemia. "A hipoglicemia em bebês e crianças pode causar convulsões, atraso no desenvolvimento e dano cerebral permanente. Manter níveis normais de glicose no sangue é essencial para prevenir sequelas neurológicas", conclui.
Falta de condições
Eliana aponta a falta de condições para arcar com os custos da medicação, uma vez que somente o esposo trabalha. “Ela precisa de cuidados específicos. Tem que comer a cada três horas, fazer o monitoramento da glicemia. Até as atividades físicas precisam ser supervisionadas”, coloca.
Da mesma forma que Eliana, a dona de casa Josiele Freitas, 27, vive essa mesma dificuldade com seu filho Enzo Kauê, 4 anos. A última vez que receberam o medicamento foi em janeiro deste ano, com uma quantidade que deveria durar dois meses. Desde então, segue no aguardo para a reposição.
É muito difícil, muito complicado. Ficou muito complicado, a gente vive pedindo doação, fazendo as coisas, para poder comprar, porque isso não dá para muito tempo. Tem que estar pedindo para parentes, fazer vaquinha.
O desejo é que o medicamento seja também fabricado no Brasil, para não só baratear o custo, como facilitar o prazo de entrega na falta de estoque.