Especialistas apontam como o Sars-Covid-2 se diferencia de outros vírus

Novo agente apresenta maior capacidade de disseminação e letalidade. Pesquisadores não sabem por quanto tempo os anticorpos de pacientes recuperados do coronavírus podem fornecer proteção

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
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Legenda: Testar mais a população é uma forma de manter uma análise mais real da situação da pandemia do coronavírus no Ceará
Foto: Camila Lima

A retomada das atividades cotidianas é um dos temas mais discutidos desde o início de junho. A flexibilização de alguns setores já foi iniciada, mas especialistas em saúde reforçam que o Ceará ainda atravessa a pandemia e que existe o risco de novas ondas, dado o grande número da população ainda suscetível à Covid-19. Outro fator levado em consideração é a ausência de dados concretos sobre o risco de reinfecção em pessoas recuperadas, já que a doença é nova - tem pouco mais de seis meses - e ainda não se sabe por quanto tempo os anticorpos contra o coronavírus agem no organismo.

Segundo a plataforma IntegraSUS, alimentada pela Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), o Ceará já registrou 114.038 casos da doença, contabilizando 6.203 mortes. O número de recuperados chegou a 88.325, ontem (1º).

Em casos mais leves, os sintomas da Covid-19 se assemelham aos de gripes provocadas por outros agentes etiológicos, como o influenzavírus, adenovírus, rinovírus e vírus sincicial respiratório (VSR), os tipos mais comuns a circular entre a população cearense, de acordo com boletins epidemiológicos da Sesa. Até 23 de junho de 2020, dos 14.008 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) investigados, 9.856 foram por coronavírus, 138 por influenza e 115 por outros vírus respiratórios.

Em todos os casos, o organismo ataca a infecção por várias frentes, de acordo com o infectologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Roberto da Justa. "Essa resposta imunológica existe para manter nossa saúde contra agentes infecciosos. Boa parte das infecções consegue ser controlada apenas por ela. Além de ser importante para o momento da agressão, pode prevenir infecções futuras pelo mesmo agente. O sistema imune é muito inteligente e deixa esse legado", explica.

O especialista, membro do Coletivo Rebento - Médicos em Defesa da Ética, da Ciência e do SUS, diz que algumas proteções funcionam por toda a vida, como contra a catapora. No entanto, para os vírus respiratórios, esse tempo é reduzido e variável. No caso da influenza, "muito mutante", a proteção dura no máximo de 8 a 10 meses - por isso há campanha de vacinação anual para estimular o sistema imunológico. Para coronavírus antigos, de 6 meses a um ano. Para infecções respiratórias graves, como Sars e Mers, há uma queda nos níveis entre 18 e 30 meses.

"É uma imunidade de, no máximo, dois anos, por isso vai ser muito importante a questão da vacina", lembra Roberto da Justa. Mais de 100 instituições ao redor do mundo estão engajadas em encontrar o produto, e alguns experimentos já apresentaram resultados positivos. Segundo o infectologista, com base na experiência dos outros seis coronavírus capazes de infectar humanos, "é muito provável" que o Sars-Cov-2 não deixe imunidade duradoura. A suposição ainda carece de confirmação.

O infectologista pediátrico Robério Leite, professor da UFC, também não descarta a reinfecção porque, nos demais tipos de coronavírus, há reinfecções frequentes na infância. "O nível de gravidade não tende a ser pior. Parece haver uma acomodação do sistema imunológico no relacionamento com esses vírus", afirma. O problema a curto prazo, indica, é crianças e pessoas assintomáticas levarem o vírus a grupos de risco.

Robério explica ainda que cada vírus respiratório tem um comportamento específico em relação ao trato respiratório. "O coronavírus tem predileção pela via aérea inferior, por isso atinge mais pulmão. O VSR guarda semelhança, embora tenha predileção pelos bronquíolos", diz o médico. Mesmo que haja mutações no Sars-Cov-2, elas podem ter semelhança com o vírus atual e serem alvo da imunidade cruzada, quando o organismo reconhece sequências do agente e o ataca.

Dos principais tipos de vírus circulantes no Ceará, há disponibilidade de vacina para influenza, pelo maior potencial de adoecimento severo, internação e risco de morte. Adenovírus e rinovírus também levam a síndromes gripais, mas com sintomas mais brandos que dificilmente demandam internação. O otorrinolaringologista Paulo Augusto Manzano diz que o coronavírus pode gerar uma fase inflamatória com reações no pulmão, no coração e no encéfalo e formação de trombos - coágulos no interior dos vasos sanguíneos.

Enquanto viroses comuns têm período de incubação em torno de cinco dias, o coronavírus tem até 14 dias assintomáticos. Seu potencial de disseminação e risco de letalidade também são maiores, de acordo com o especialista.

Na população mais jovem, os principais agentes costumam ser influenza A e B, o VSR e o adenovírus. A perda do olfato e do paladar durante a influenza pode ocorrer por congestão nasal, mas na Covid-19, o sintoma pode surgir de forma súbita. "É muito importante que as pessoas se vacinem para influenza porque, além da proteção, isso facilita na conduta e na abordagem de paciente com quadro viral", diz Paulo Augusto.

Retomada

Leite considera que, como a primeira onda global do novo coronavírus é recente, há possibilidade de "uma nova onda pelo menos no próximo ano, com impacto igual ou um pouco menor". Ele lembra que o vírus da pandemia de influenza H1N1 (gripe suína), em 2009, é um dos que mais circula atualmente e continua infectando pessoas suscetíveis. Para ele, embora a vacina seja a melhor forma de imunização a longo prazo, o combate deve ser aliado possíveis novos antivirais e a práticas de isolamento e higiene.

"As pessoas que já tiveram a doença e se recuperaram, ou as assintomáticas com testes positivos, não podem relaxar porque não se sabe se elas estão protegidas. O risco de reinfecção existe. Uma segunda onda é possível e esperada, porque ainda temos muitos suscetíveis. Enquanto não houver esse esgotamento, o vírus vai continuar se proliferando. A pandemia não acabou", ressalta o infectologista Roberto da Justa.

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